Um novo papel para a China no comércio internacional


O presidente da China, Hu Jintao, prometeu ampliar o volume de importações realizadas pelo país com o objetivo de impulsionar o comércio global. O anúncio foi feito durante as celebrações do décimo aniversário da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC).

 

 
Por Umberto Martins
 
 
De acordo com Hu Jintao, as importações feitas pela China poderão ultrapassar 8 trilhões de yuans (cerca de R$ 2,3 trilhões ao câmbio atual) nos próximos cinco anos. Segundo dados divulgados no último sábado (10), as exportações chinesas aumentaram 14%, ao passo que as importações subiram 22%, num sinal de que o superávit comercial do país tende a cair.
 
Maior potência comercial
 
Sob certos critérios, a China já pode ser considerada a maior potência comercial do planeta, posição que reflete o dinamismo da sua indústria e também ajuda a explicar o poder financeiro originado pelo acúmulo das maiores reservas do mundo, estimadas hoje em cerca de US$ 3,2 trilhões. No ano crítico de 2009, ela alcançou o primeira lugar no ranking mundial das exportações.
 
 
As venda no exterior são fonte de um superávit (uma espécie de lucro macroeconômico, transformado em poupança nacional, obtido principalmente no intercâmbio com os Estados Unidos), que engrossa as reservas chinesas, em aliança com os investimentos realizados pelas corporações internacionais. No ano passado, o lucro arrancado no mercado norte-americano chegou a US$ 270 bilhões, o que despertou irritações e reações protecionistas de políticos e empresários da (ainda) maior potência capitalista do globo. 
 
 
Valorização do capital
 
O comércio exterior tem um papel central no processo de reprodução do capital em escala internacional, reprodução esta que deve forçosamente ocorrer em escala ampliada, sob pena de crise. O gigantesco déficit cultivado pelos EUA como um vício incontrolável de consumismo e endividamento, não apenas no comércio bilateral com a China, é uma via já antiga (desde os anos 1960) do que Marx chamava de realização do capital.
 
 
Por isto, a contração do mercado estadunidense interrompe o processo de valorização do capital e se traduz imediata e necessariamente em crise de superprodução mundial. A Recessão, em caixa alta, evidenciou o caráter parasitário e artificial desta forma de absorção do excedente da produção capitalista mundial, bem como os limites de um padrão ou modelo de reprodução do capital fundado no crescente (e aparentemente infinito) endividamento, cuja contrapartida é (como se vê) a hipertrofia do sistema financeiro e a pletora de capital fictício. 
 
 
A raiz da crise
 
A raiz da crise mundial reside nos desequilíbrios subjacentes ao parasitismo da potência hegemônica, em primeiro lugar, assim como de muitos países europeus do já antigo 1º Mundo. Este fator, apontado pelo economista Stephen Roach (estrategista do Morgan Stanley), exerce sua influência na história em aliança com o desenvolvimento desigual das nações. 
 
 
Parece que os Estados Unidos já não estão em condições de desempenhar o papel de consumidores de última instância da superprodução mundial. É esta a mensagem proveniente daquilo que se convencionou chamar crise da dívida. O ajuste fiscal e a desvalorização do dólar que vieram no rastro da crise financeira e das intervenções governamentais para resgatar os bancos soam como um reconhecimento de que a hora da verdade já chegou.
 
 
Uma curiosa dialética
 
Contraditoriamente, a extraordinária ascensão chinesa foi, e ainda não deixou de ser, alimentada em larga medida pelo parasitismo ou, para quem prefere um eufemismo, pela bolha de consumo da sociedade norte-americana. A curiosa dialética dessas relações, que percorre as águas do Pacífico e deságua na desindustrialização do império, desperta conflitos com Washington, que acusa a China de manipular o câmbio para garantir o superávit comercial. 
 
 
Quem poderá ocupar o lugar dos Estados Unidos como grande importador no futuro? Faz tempo que os chineses estão sendo pressionados neste sentido, quando convidados (não apenas pelos EUA) a liberar o câmbio, depreciar o yuan e fortalecer o mercado interno de forma a aumentar as compras no exterior.
 
 
Déficit e parasitismo
 
O anúncio do presidente da China, Hu Jintao, indica que os dirigentes do país concordam em caminhar nesta direção. Se as projeções sobre o valor das importações chinesas forem confirmadas, a mais próspera nação asiática não vai demorar a ultrapassar os EUA também no ranking das importações. Para muitos países, como é o caso do Brasil (desde 2009), o mercado chinês (que, no caso, consome basicamente meios de produção, realizando o que os economistas caracterizam como consumo produtivo) já é mais relevante do que o norte-americano.
 
 
A ampliação do consumo interno num país de 1,3 bilhão de habitantes é considerada uma válvula de escape para muitas economias neste ambiente de crise mundial, além de essencial para a correção dos desequilíbrios globais. Em tese, pode beneficiar também o povo chinês, pois requer o fortalecimento do mercado interno e a valorização dos salários. 
 
 
Convém também lembrar que os exemplos da Inglaterra, nos séculos 19 e 20, e dos Estados Unidos, na atualidade, sugerem que o acúmulo de déficits comerciais pela potência hegemônica na ordem mundial imperialista, embora funcional à acumulação mundial do capital, desdobra-se em parasitismo, desindustrialização e decadência. Os EUA incorrem em déficit comercial, crescente e ininterrupto, desde 1971, um falso luxo que desfrutam graças ao papel especial que o dólar desempenha no mundo. O hiato entre produção e consumo de mercadorias (que traduz escassez de poupança e promove tanto o rombo em conta corrente quanto o endividamento financiado pelos asiáticos) é a maior e mais remota causa do declínio de sua liderança econômica. Desejará a China prosseguir no mesmo caminho, reproduzindo desequilíbrios que parecem inerentes ao modo de reprodução do capital sob o imperialismo?