Sessão Solene homenageia Che Guevara


Com a presença do embaixador de Cuba, Pedro Juan Nuñez Mosquera; do presidente da Associação dos Cubanos Residentes no Brasil, Tisso Saenzi; e de deputados federais, o Senado homenageou na manhã desta terça-feira () o líder revolucionário Ernesto Che Guevara. A homenagem foi realizada por requerimento do senador José Nery (PSOL-PA), apoiado por outros colegas senadores, na passagem dos 40 anos da morte do revolucionário. Estudantes, líderes sindicais e militantes de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), também assistiram à sessão especial.

Além de Nery, vários senadores e deputados federais revezaram-se na tribuna para homenagear a liderança de Che Guevara, como Tião Viana (PT-AC), Geraldo Mesquita (PMDB-AC), Cristovam Buarque (PDT-DF), Eduardo Suplicy (PT-SP), João Pedro (PT-AM), Pedro Simon (PMDB-RS) e Sibá Machado (PT-AC). Em seu discurso, o senador Inácio Arruda afirmou que a sessão especial de homenagem a Ernesto Che Guevara representa mais que uma atitude nostálgica, mas o reconhecimento da amplitude de idéias do homem que é símbolo na luta revolucionária pela soberania latino-americana. “É o reconhecimento, neste 40º aniversário de sua morte, da sua dedicação ao combate às desigualdades sociais e da sua convicção em uma América Latina livre, democrática e soberana”,  ressaltou o senador.


Inácio Arruda lembrou ainda que Che, como ministro da Indústria de Cuba, planejava ver o país produzindo tecnologia de ponta e computadores. Ele disse também que Che foi inovador ao implantar em Cuba sistema semelhante ao orçamento participativo.


Entre os deputados federais que prestigiaram a sessão

Confira abaixo o discurso de Inácio na íntegra:

Pronunciamento do senador Inácio Arruda por ocasião da Sessão Solene realizada no dia 23 de outubro de 2007, que homenageia in memoriam Ernesto “Che” Guevara.

Sr. Presidente,

Sras. e Srs. Senadores,

Sras. e Srs. Convidados que comparecem a esta Sessão Solene que homenageia in memoriam o herói latino-americano e internacionalista Ernesto “Che” Guevara de la Serna.

Há muito a se recordar sobre este homem de autêntica extração latino-americana, precursor da unidade continental na linhagem de Simon Bolívar e José Marti. Um cidadão da América e do mundo que mereceu atenção especial para suas idéias, publicadas pelas Edições Futuro, do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, ainda no início dos anos 1960, com prefácio de Mauricio Grabois, líder da nossa bancada na Constituinte de 1946 e que tombou no natal de 1973, durante a Guerrilha do Araguaia.

A Sessão Solene que ora se realiza no Senado Federal reflete, mais do que sentimentos nostálgicos, a amplitude e a atualidade do exemplo e das idéias deste homem-símbolo, dos anseios libertários de soberania e igualdade que semeou generosamente em nossas selvas, planaltos, planícies e cidades latino-americanas.

É o reconhecimento, neste quadragésimo aniversário em que reverenciamos a memória de Ernesto Che Guevara, à sua dedicação no combate às desigualdades sociais e à sua convicção em uma América Latina livre, democrática, próspera e soberana.  Também significa reconhecer a importância de Ernesto Che Guevara na reafirmação dos ideais de democracia, justiça, paz e solidariedade entre os povos, e distingui-lo como símbolo de luta pela liberdade e soberania dos países latino-americanos é dever de todos.

Ao reverenciar a memória de Che Guevara o Senado Federal irmana-se aos vários países que organizaram homenagens para relembrá-lo no quadragésimo aniversário de sua morte. Em Cuba, cerca de 10 mil pessoas participaram de uma cerimônia em frente ao mausoléu de Che, na cidade de Santa Clara.

Na Bolívia, o presidente Evo Morales lançou um selo comemorativo em homenagem a Guevara. Centenas de jovens de diferentes países reuniram-se no 2º Encontro Mundial Che Guevara, em Vallegrande, cidade onde o corpo de Che foi exposto, após sua execução. Marcaram presença vários ministros de Estado, como o cubano Leonardo Tamayo, ex-companheiro de Che na querrilha boliviana, além de artistas e representantes de organizações de esquerda da Bolívia, da Argentina, do Brasil, do Chile, do Paraguai e do Uruguai.

Na Argentina, país onde Che nasceu, foi realizado um festival de música na Praça de Maio. Na Venezuela, o presidente Hugo Chavez inaugurou um monumento no Pico da Águia, um dos pontos mais altos dos Andes Venezuelanos, por onde Che passou. Outro Monumento foi inaugurado na Guatemala.

Aqui no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em diversos pontos, realiza a Jornada de Solidariedade e Trabalho Voluntário Che Guevara. O Circuito Universitário de Arte e Cultura (Cuca), da União Nacional dos Estudantes (UNE) também homenageou Che. Na Europa, a França também rendeu homenagens ao líder revolucionário.

Quando se fala em Ernesto Che Guevara, a memória comum brasileira rapidamente o associa a uma emblemática passagem pelo Brasil no dia 19 de agosto de 1961, quando, por iniciativa do então presidente Jânio Quadros, recebeu a Ordem Cruzeiro do Sul.

Acompanhado de uma comitiva de cinqüenta pessoas, Guevara chegou ao Brasil procedente de Montevidéu e manifestou ao Presidente “o testemunho do agradecimento do governo cubano pela posição do Brasil em Punta del Este, além de apresentar as saudações pessoais do 1º ministro Fidel Castro”. Ernesto Che Guevara agradeceu a homenagem recebida com as seguintes palavras:

“Sr. Presidente, como revolucionário, estou profundamente honrado com esta distinção do povo e governo brasileiros. Porém, não posso concebê-la nunca como uma condecoração pessoal, mas sim como uma condecoração ao povo e à nossa revolução e assim a recebo, comovido com a saudação desse povo que V Exa. representa, e que transmitirei, com todo o desejo de estreitar nossas relações.”

A condecoração de Guevara provocou a indignação conservadora dos setores civis e militares. E foi o mesmo Carlos Lacerda do episódio de 1954, do suicídio de Getúlio Vargas, agora crítico feroz da política externa de Jânio, que, em represália, entregou as chaves do estado da Guanabara ao líder anticastrista Manuel Antônio de Verona e protagonizou o episódio no qual vários oficiais devolveriam ao governo suas condecorações.

Segundo a Folha de São Paulo de 20 de agosto de 1961, a comenda suscitou “criticas ao Presidente inclusive, pelo que se adianta, para a crise política de que é figura central o senhor Carlos Lacerda”. Entretanto, bem humorado, Quadros parecia alheio e cooperou com os fotógrafos que pediam uma iluminação diferente, mudando o local da entrega da comenda. Ao entregá-la, disse: “Ministro Guevara: V. Exa. manifestou em várias oportunidades o desejo de estreitar relações econômicas e culturais com o governo e povo brasileiros. Esse é o nosso propósito também. E é a deliberação que assumimos no contato com o governo e o povo cubanos. E, para manifestar a V. Exa., ao governo de Cuba e ao povo cubano, nosso apreço, nosso respeito, entregamos a V. Exa. esta alta condecoração do povo e governo brasileiros”. Manifestou-se satisfeito com a honraria, “não por mim, mas pelo que significa para a aliança entre os dois povos”.

Na entrevista coletiva que concedeu no Palácio do Planalto, Guevara afirmou, então, que viera “apenas testemunhar os agradecimentos de seu governo à atitude do Brasil em Punta del Este”. E falou sobre a posição assumida pelo Brasil em Montevidéu: “Foi sem dúvida o maior fator para que Cuba fosse tratada na Conferência de Punta Del Este como país americano”. Manifestou também “o testemunho do agradecimento do governo cubano pela posição do Brasil”; vimos com simpatia aquela reunião, pois, pela primeira vez, Cuba teve apoio para manter a sua posição de república americana. Antes estivemos sempre sós e de tal maneira agredidos, que só poderíamos reagir de maneira violenta. Nesta conferência, a atitude do Brasil — e também de outros países — evitou aquelas agressões pesadas e as tentativas de afastar Cuba do continente, mantendo-a isolada”.

Na mesma entrevista, Ernesto defendeu uma posição semelhante a que Fidel Castro manifestou na ocasião, quando conclamou George Bush a encerrar o bloqueio. Naquele momento, acentuou que Cuba está disposta a negociar com os EUA, “desde que mantida a igualdade de tratamento e respeito mútuo”. Informou que o seu governo já se colocava expressamente desse modo e assinalou: “Todavia, não faremos esforço algum. Cuba é um país soberano, livre e está à altura dos EUA. Oferecemos negociações em pé de igualdade. Se eles quiserem, está bem e se não, também está bem. Cuba não se ajoelhará diante dos EUA”.

Quero ressaltar nesta ocasião um outro lado, pouco conhecido, de Che – o degrande e competente formulador de políticas estratégicas de desenvolvimento. Recorro ao livro publicado no Brasil “O ministro Che Guevara – Testemunho de um colaborador”, do ex-embaixador Tirso Saenz. Che assumiu cargos importantes em Cuba. Até 1961, foi Diretor do Instituto Nacional de Reforma Agrária e presidente do Banco Nacional. De 1961 a 1965 foi escolhido ministro da Indústria de Cuba, tinha a responsabilidade de pôr em ordem a economia, a infra-estrutura produtiva e criar condições para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Che queria Cuba produzindo tecnologia de ponta quando criou a Direção de Automação e Eletrônica – queria ver Cuba produzindo computadores. Preocupado com a participação popular, concebeu o Sistema de Direção Orçamentária em Cuba, o que foi chamado aqui no Brasil de Orçamento Participativo.

O fotógrafo Alberto Korda afirma que “quando Che era ministro da Indústria trabalhava tanto que recebia suas visitas até às quatro da manhã”. Korda conta ainda que “Che experimentava a Alzadora, uma nova máquina de cortar cana, cujo funcionamento ele havia concebido com um engenheiro francês. Quando o encontrei, com o rosto sujo de fuligem e terra, um pouco inchado pela cortisona que tomava para se tratar naquela época, olhou-me com uma mistura de ironia e surpresa. Ah, você esta aí, Korda! Você é, afinal, da cidade ou do campo? – Eu? De Havana, comandante… E já cortou cana? – nunca…” Então, dirigiu-se a um dos guardas: “Alfredo, procure um facão para o compañero jornalista”.

No cargo de ministro, Che instituiu o trabalho voluntário como ato sagrado da revolução. Aos domingos, cortava cana e carregava sacos de açúcar. Encarnou este novo homem com o qual sonhava. Che afirmava “Deixe-me dizer-lhes, mesmo correndo o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor… Talvez seja este um dos grandes dramas do dirigente político. É preciso que ele alie, ao espírito apaixonado, uma inteligência fria, tomando decisões dolorosas, sem contrair um só de seus músculos… Nestas condições, é necessário ter muita humanidade, um grande sentido de justiça e de verdade, para não cair em um dogmatismo extremo, em uma fria escolástica, para não se isolar das massas…”

É esta, então, a maior homenagem que podemos consagrar a Ernesto “Che” Guevara de la Serna nessas quatro décadas — desde o momento de sua execução pela CIA e pelos conservadores bolivianos — de heróica postura do povo cubano diante do bloqueio norte-americano: apoiar o crescimento dessa resistência estratégica, lutar pela unidade latino-americana e pelo desenvolvimento desses países que vão se congregando no Mercosul e outras formulações sub-regionais, fundamentados nos ideais de soberania e da igualdade social.

Homenageá-lo é, portanto, lutar — e lutar muito — não apenas como uma forma consciente de suprir a sua ausência, nos multiplicando, mas como uma fórmula de fazê-lo mais presente na canalização das imensas energias represadas nos grandiosos contingentes da juventude que orgulhosamente se vestem de Che, em camisas, bonés, em múltiplos símbolos e canções, e podem transformar o mundo parindo um futuro melhor para os nossos povos.

Che assegurou: “Quando Chegar o momento, estarei disposto a dar minha vida pela libertação de qualquer um dos países latino-americanos, sem nada exigir em troca…”

É o que tenho a dizer.

Senador Inácio Arruda