A redução da jornada de trabalho (RJT) de 44 para 40 horas semanais (proposta de emenda constitucional de autoria dos senadores Inácio Arruda e Paulo Paim) tem potencial para criar, numa primeira etapa, 2.252.600 novas ocupações no Brasil. É o que mostra nota técnica elaborada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No Ceará, a diminuição da carga horária trabalhada pode abrir aproximadamente 230,2 mil novas ocupações, segundo informação do Escritório Regional do Dieese.
O cálculo da entidade leva em conta os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo Ediran Teixeira, técnico do Escritório Regional do Dieese, o levantamento indica 1,156 milhão de trabalhadores cearenses de 10 anos ou mais de idade com jornada semanal de 40 a 44 horas. Somam-se a estes mais 521 mil pessoas com carga de 45 a 48 horas por semana, e 625 mil com mais de 48 horas de trabalho cumpridas.
De acordo com Mardônio Costa, diretor de Estudos e Pesquisas do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), a Pnad mostra, ainda, que a proporção de trabalhadores ocupados no Estado com jornada acima de 44 horas semanais sobre o total de ocupados chega a 30%. Em 2001, era de 32%. ´Houve uma pequena redução, mas a quantidade de gente que excede a jornada regulamentada por lei ainda é elevada, totalizando 1,146 milhão de cearenses´, destaca.
Desde 2001, as centrais sindicais brasileiras lutam de forma unificada pela criação de empregos de qualidade, por meio da diminuição da carga horária no País. Para potencializar a geração de novos postos de trabalho, a RJT deve vir acompanhada de medidas como o fim das horas extras e uma nova regulamentação do banco de horas. A idéia é não permitir aos empresários compensar os efeitos de uma jornada menor de outra forma que não seja a contratação de novos trabalhadores.
´Essas medidas são necessárias porque a contratação de novos trabalhadores é a última alternativa utilizada pelos empresários. Muitos lançam mão de artifícios como o banco de horas e a adoção de novas tecnologias, que aumentam a produtividade do trabalhador´, avalia Ediran Teixeira. Desta forma, a redução de carga causaria desemprego.
O fim das horas extras, ou mesmo sua limitação, conforme o Dieese, já teria potencial para gerar cerca de 1,2 milhão de postos de trabalho, levando em consideração dados da Relação Anual das Informações Sociais de 2005 (Rais).
Naquele ano, pelas estatísticas oficiais, o País tinha 22,526 milhões de pessoas com contrato de 44 horas de trabalho. Ainda segundo a Rais, são feitas em todo o Brasil aproximadamente 52,8 milhões de horas extras por semana.
REDUÇÃO DA JORNADA
Custo para as empresas subiria 1,99%, diz Dieese
Com base em dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Dieese afirma que o aumento do custo total para as empresas com a redução da jornada de trabalho será de 1,99%. Esta elevação seria absorvida por condições objetivas como o crescimento da competitividade, já observado no País, e pelo alargamento da base consumidora causada pelo expansão dos empregos. Argumento a favor da RJT pode ser encontrado também nos dados do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos: o custo horário da mão-de-obra dos trabalhadores ligados à produção ma indústria manufatureira é um dos mais baixos do planeta. No País, paga-se em média US$ 4,1 por hora trabalhada, contra US$ 33 na Alemanha, por exemplo.
Na Coréia do Sul, país que mais se aproxima dos valores brasileiros, o custo horário do trabalhador é de US$ 1,36 — três vezes maior que o do Brasil. ´Isso significa que há margem para a redução da jornada no País´, avalia Ediran Teixeira. Para o Dieese, a redução da jornada de trabalho não traz prejuízo à competitividade brasileira. Se assim o fosse, países como os EUA e o Japão estariam entre os menos competitivos do mundo, pois têm os mais elevados custos horários de mão-de-obra.
Qualidade
Para Mardônio Costa, diretor de Estudos e Pesquisas do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), a RJT é uma reivindicação válida para o trabalhador brasileiro, sobretudo no tocante à qualidade dos postos gerados. ´Só questiono o fato de essa discussão vir agora, no momento em que o País registra aumento de vagas com carteira assinada. Este fato pode ser usado como argumento contrário à diminuição da jornada de trabalho brasileira´, observa.
Baixa remuneração
De acordo com o diretor do IDT, muitas vezes, os formuladores de políticas públicas estão preocupados apenas em garantir a abertura de novas ocupações, sem pensar na qualidade dos postos gerados. ´Prova disso é que a maioria dos empregos com carteira assinada vêm sendo criada com baixo nível de remuneração, com incremento de oportunidades apenas para quem ganha até um salário mínimo´.
FLEXIBILIZAÇÃO
Mercado refletiu com deterioração
Na década de 90, no Brasil e em quase todo o mundo, a flexibilização e a desregulamentação dos direitos dos trabalhadores levaram à deterioração crescente e contínua do mercado e das condições de trabalho. ´Na segunda metade dos anos 90, com a intensificação do processo de abertura e globalização da economia brasileira e da financeirização, o que se viu foi elevação dos níveis de desemprego e da informalidade´, comenta Mardônio Costa. No Estado, esse cenário culminou com a existência de 310 mil desempregados em 2006.
Além do desemprego e da informalidade, os sinais mais evidentes da precarização do mercado de trabalho são, ainda, a queda da remuneração do trabalhador, o aumento do número de estagiários e a crescente terceirização. ´No Ceará, em 2006, pelo menos 59% dos homens ganhavam até um salário mínimo, contra 69% das mulheres ocupadas registrando essa faixa de rendimento mensal´, revela Costa.
O desemprego de muitos e as longas e intensas jornadas de trabalho de outros têm como conseqüências problemas relacionados à saúde, como estresse, depressão, lesões por esforço repetitivo (LER).
Aumentam também as dificuldades no convívio familiar. ´As alterações nos elementos normativos das relações trabalhistas, como a redução da jornada de trabalho, podem resultar não só no aumento dos novos postos de trabalho como na maior qualidade das vagas´, avalia o especialista.
Para o Dieese, do ponto de vista social, fica mais do que vidente a necessidade da RJT. Além disso, a economia brasileira hoje apresenta condições favoráveis à essa mudança: a produtividade do trabalho mais que dobrou nos anos 90, o custo com salários no País é um dos mais baixos do mundo, o peso dos salários no custo total da produção é baixo e o processo de flexibilização das leis trabalhistas desde iniciado da década de 90, intensificou o ritmo de trabalho.