Institui a Semana Nacional de Controle e Combate à Leishmaniose.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Fica instituída a Semana Nacional de Controle e Combate à Leishmaniose, que será celebrada anualmente na semana que incluir o dia 10 de agosto, com os seguintes objetivos:
I – estimular ações educativas e preventivas;
II – promover debates e outros eventos sobre as políticas públicas de vigilância e controle da leishmaniose;
III – apoiar as atividades organizadas e desenvolvidas pela sociedade civil de prevenção e combate à leishmaniose;
IV – difundir os avanços técnico-científicos relacionados à prevenção e ao combate à leishmaniose.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A leishmaniose é uma doença infecciosa grave causada por protozoários do gênero Leishmania, que vivem e se multiplicam no interior das células que fazem parte do sistema de defesa do organismo. Transmitida aos seres humanos por meio da picada de fêmeas de pequenos insetos flebótomos infectados, essa enfermidade caracteriza-se, em geral, por apresentar inflamações de pele, mucosas ou vísceras e afeta um número estimado de um milhão e quinhentas mil pessoas por ano no mundo, sendo endêmica em muitos países, sobretudo nas Américas, na Ásia e na África. Na América Latina, o Brasil é o país que registra o maior número de casos (cerca de 90% do total notificado).
Há duas formas dessa doença: a leishmaniose tegumentar ou cutânea e mucosa, e a leishmaniose visceral ou calazar. As leishmanioses são consideradas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma das seis doenças tropicais de maior relevância mundial, podendo-se afirmar que ocupam o segundo lugar, depois da malária, entre as infecções por protozoários que acometem os seres humanos. Atualmente, há cerca de doze milhões de pessoas infectadas.
A forma tegumentar ou cutânea e mucosa da doença é considerada mais branda. Caracteriza-se por feridas na pele que se localizam, com maior freqüência, nas partes descobertas do corpo. Provoca o aparecimento de feridas na pele, e nas mucosas do nariz, da boca e da garganta. Considera-se que, no País, sua incidência cresceu com o avanço da fronteira agrícola. Já a leishmaniose visceral (LV) ou calazar, bem mais severa, é uma doença sistêmica, pois acomete vários órgãos internos, principalmente o fígado, o baço e a medula óssea. A Leishmania se multiplica no interior do fígado e do baço e os inflama, fazendo-os aumentar de volume.
Na medula, interfere na multiplicação das células sanguíneas, levando a uma queda na produção de sangue e à anemia. Os sintomas são febre, apatia, falta de apetite, fraqueza, aumento do volume abdominal e emagrecimento. Essa forma da doença acomete essencialmente indivíduos imunodeprimidos, crianças menores de dez anos de idade, em especial as pobres e desnutridas, com destaque para a faixa etária menor de cinco anos. No Brasil, até os anos 1970, a leishmaniose era considerada doença de transmissão silvestre e sua ocorrência era constatada predominantemente em ambientes rurais. Ultimamente, entretanto, tem sido verificada sua expansão tanto em magnitude como em área geográfica, tornando-se um grave problema de saúde pública nas áreas periurbanas e urbanas das nossas médias e grandes cidades. Trata-se de uma doença de notificação compulsória que requer investigação epidemiológica.
Segundo informações sobre incidência de leishmaniose no Brasil constantes do Guia de Vigilância Epidemiológica, volume II, de 2002, publicado pelo Ministério da Saúde, essa doença já ocorre em dezenove dos vinte e sete Estados da Federação. Há que ressaltar, também, que, nos últimos anos, aumentou de modo preocupante, o número de casos da forma visceral da doença, no território nacional, em especial nos Estados do Maranhão, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Pará, Piauí, em termos de números de casos, e nos do Tocantins, Maranhão e Piauí, em se tratando de taxa de incidência.
A análise das estatísticas referentes ao período entre 1993 e 2003 revela que a leishmaniose visceral apresentou taxas de incidência que oscilaram entre 1,7 e 2,7 casos por 100.000 habitantes. Embora ao longo desse período tenha sido observada no País certa tendência à estabilização da endemia, cumpre chamar a atenção para os seguintes dados preocupantes: ao longo desses anos, a Região Nordeste, onde sempre existiu o maior número de casos, vem apresentando um declínio; porém, as Regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste estão em curva ascendente, o que permite constatar não apenas a expansão como também a ocorrência de uma modificação do padrão de transmissão da doença. Números oficiais preliminares indicam que em 2006, por exemplo, houve 3.651 casos de LV, enquanto só no primeiro semestre de 2007 foram registrados 3.505 casos.
Originalmente uma zoonose silvestre, a leishmaniose tem como únicos agentes transmissores as fêmeas de diferentes espécies de insetos, denominados flebótomos ou flebotomíneos (que se alimentam de sangue), sendo os mais comuns os de cor amarelada conhecidos como mosquito palha, asa branca, asa dura, birigui, palhinha, tatuquira, encontrados em lugares úmidos, escuros, protegidos do vento. As modificações socioambientais como o desmatamento, que reduziu a disponibilidade de criadouros desses vetores – fizeram com que houvesse a adaptação dos mosquitos a novos habitats e a busca de animais que servissem como sua fonte de alimentação.
Com isso, os cães errantes ou domésticos tornaram-se os grandes hospedeiros do protozoário Leishmania. Associado a esse fato, há que se considerar também o processo migratório, que trouxe para a periferia das cidades populações humana e canina originárias de áreas rurais, onde a doença é endêmica, e fez com que o parasita fosse introduzido em novas áreas. Em suma, a constante migração interna dos habitantes das zonas rurais para os centros urbanos tem provocado crescimento desordenado das cidades, com aglomerados densamente povoados e precárias condições sanitárias. O fato de os migrantes trazerem consigo seus animais domésticos e os manterem no peridomicílio tem contribuído para aumentar significativamente a densidade do número de agentes transmissores em área urbana, com conseqüente alteração do padrão de transmissão.
É, portanto, preocupante o significativo aumento do número de casos de leishmaniose visceral no País e, principalmente, a sua expansão para áreas não endêmicas da quase totalidade dos Estados da Federação. Há necessidade do estabelecimento de programas de ação e controle, de ações educativas, de difusão de meios de prevenção e combate a essa doença, que já se tornou um problema de saúde pública no Brasil. A realização anual da Semana Nacional de Controle e Combate à Leishmaniose, que aqui propomos, ensejará a ocasião de se promoverem debates e outros eventos que possam efetivamente contribuir para reduzir a incidência dessa doença infecciosa de difícil controle, cujo combate é considerado prioritário pela OMS.
A fixação de que o dia 10 de agosto esteja obrigatoriamente incluído na semana instituída por esta proposição tem sua razão de ser: esta é a data de nascimento do médico e cientista brasileiro Evandro Lobo Chagas, que realizou estudos sobre doenças como febre amarela e malária, mas, principalmente, sobre a leishmaniose, tendo sido o coordenador da Comissão de Estudos de Leishmaniose Visceral Americana. Foi ele o descobridor dos primeiros casos humanos dessa doença no País, o organizador do Serviço de Estudos das Grandes Endemias, o criador do Instituto de Patologia Experimental do Norte (IPEN), instalado em Belém do Pará, cujo nome posteriormente passou a ser Instituto Evandro Chagas.
Estamos convictos de que a proposição que ora submetemos à apreciação dos ilustres Pares ganha relevância maior face ao atual panorama da saúde pública brasileira e à expansão geográfica da forma mais grave dessa doença. A realização da Semana Nacional de Controle e Combate à Leishmaniose oferecerá aos técnicos da área da saúde e ao público em geral um espaço privilegiado, em que as ações educativas poderão ser desenvolvidas junto às comunidades levando em conta aspectos culturais, sociais, educacionais, condições econômicas e percepção de saúde das comunidades atingidas no sentido de que aprendam a se proteger e participem ativamente das ações de controle dos casos humanos da doença. Além disso, poderão ser disseminados conhecimentos sobre vigilância, monitoramento e controle do reservatório doméstico e do vetor, bem como informação, educação e comunicação objetivando alertar a população e sensibilizar os profissionais de saúde.
Essa convicção leva-nos à certeza de que os Parlamentares de ambas as Casas Legislativas apoiarão a nossa iniciativa.
Sala das Sessões,
Senador INÁCIO ARRUDA