Institui o Ano Nacional Patativa do Assaré, em 2009.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º. Fica instituído o ano de 2009 como o Ano Nacional Patativa do Assaré, em comemoração ao centenário de nascimento do poeta.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A instituição de um “Ano Nacional” dedicado a figuras públicas notáveis tem sido uma das maneiras de se prestar o devido reconhecimento a brasileiros de destaque, a exemplo do que aconteceu com Santos Dumont, em 2006, e Machado de Assis, em 2008. Neste projeto de lei, propomos que 2009 seja dedicado a Antonio Gonçalves da Silva, mais conhecido por Patativa do Assaré, no centenário de nascimento do poeta. Falecido em 2002, ele deixou uma das obras mais singulares da literatura brasileira.
Embora muitos sejam os adjetivos que se possa aplicar a Patativa do Assaré, a denominação poeta, simplesmente, resume todas as suas qualidades. Pode ser considerado um cordelista, pois escreveu e publicou algumas dezenas de folhetos dessa arte verbal; igualmente, pode ser chamado de compositor, pois além das gravações com a própria voz, mereceu interpretações de suas obras por Luiz Gonzaga e Raimundo Fagner; também se pode denominá-lo poeta lírico, pois descreveu como ninguém as belezas do sertão e da vida no campo; não se pode deixar de reconhecer, do mesmo modo, a natureza épica de seus versos, vez que contam a saga da seca nordestina e da vida dos migrantes.
Nascido em 1909, na Serra de Santana, município de Assaré, no Cariri cearense, Antônio Gonçalves da Silva teve uma escolaridade formal mínima – seis meses –, o que não o impediu de se tornar leitor dos maiores clássicos da literatura em língua portuguesa. Camões, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Juvenal Galeno estiveram entre suas fontes de inspiração. Aos treze anos, já compunha versos para divertir familiares e vizinhos; aos dezesseis, tornou-se violeiro e cantador em festas e celebrações religiosas; aos 21 anos, migrou para Belém do Pará, onde se destacou e ganhou a alcunha – Patativa do Assaré – que o acompanharia para o resto de seus dias e se prolongaria para muito além, por meio de sua obra. Nessa ocasião, teve seu primeiro reconhecimento “por escrito”, pelo também cearense José Carvalho de Brito, autor da obra O matuto cearense e o caboclo do Pará.
Depois da experiência no Norte do País, retornou a sua terra, onde permaneceu pelo resto da vida, a compor seus versos e canções. Embora admirado por quem tomava contato com sua obra, a projeção maior de Patativa do Assaré só ocorreu em 1956, com a publicação de Inspiração nordestina. Outras coletâneas foram editadas, respectivamente, em 1966, Cantos do Patativa, e 1970, Patativa do Assaré. Mas foi com Cante lá que eu canto cá (1978) que se deu o maior reconhecimento de sua genialidade. Sempre com a intervenção de seus admiradores, que organizavam os volumes, em 1988, veio a lume Ispinho e Fulô, e, em 1995, Aqui tem coisa.
Entre as obras musicais mais conhecidas, identificamos A triste partida, gravada em 1964 por Luiz Gonzaga, e que constitui um verdadeiro tratado sociológico, econômico e psicológico da saga do migrante, com uma conclusão profética e ousada para a época: é triste o nortista/ tão forte e tão bravo/ viver como escravo/ no Norte e no Sul. Outra canção conhecida é Vaca Estrela e Boi Fubá, gravada por Raimundo Fagner, em 1980, a qual, num tom melancólico, celebra as raízes nordestinas de um migrante. Entre os cordéis, encontramos tanto a adaptação de clássicos – Aladim e a lâmpada maravilhosa – como obras satíricas, a exemplo de As façanhas de João Mole; ou de crítica social, como é o caso de ABC do Nordeste flagelado, um dos retratos mais contundentes do sofrimento do sertanejo.
Além da grande versatilidade, Patativa destacava-se por sua prodigiosa memória. Do ponto de vista da forma, compunha em quadras, sextilhas, mas também em décimas e outros metros clássicos; quanto à temática, cantava tanto as belezas rudes do sertão como era capaz de fazer contundentes críticas políticas. No que diz respeito ao método de composição, elaborava os versos enquanto trabalhava na roça e os guardava de cor, não importando a extensão que tivessem. Posteriormente é que eram transcritos para o papel.
O maior mérito de Patativa do Assaré, pois, está no fato de ele ter sido, essencialmente, um poeta da oralidade, em que a métrica e a rima se revelam fundamentais. Esse traço, em verdade, o vincula a grandes vates da literatura, como os rapsodos gregos, que cantavam os versos posteriormente compilados em obras como A Ilíada e A Odisséia.
Com uma atribulada vida de agricultor pobre, jamais deixou de ser um trabalhador rural, e voltava sempre para sua terra, não importando quão longe fosse o seu reconhecimento. Tal faceta merece especial atenção num momento em que as culturas regionais ganham tanta relevância como forma de resistência às ondas de homogeneização ditadas pela chamada globalização.
Nas três últimas décadas de sua vida, participou de inúmeros congressos universitários, declamou para platéias em feiras e também em teatros do País, ocasiões em que recebeu justas homenagens, como a Medalha José de Alencar, com a qual foi agraciado, em 1995. Ao dedicar um ano a Patativa do Assaré, o Brasil estará celebrando a mais autêntica forma de manifestação da arte popular brasileira.
Com os eventos decorrentes dessa homenagem, será possível estender o conhecimento de sua obra por todas as regiões do País, particularmente pelas gerações mais novas. Tendo em vista a alta relevância dessa celebração, conclamamos os colegas a apoiarem este projeto.
Sala das Sessões,
Senador INÁCIO ARRUDA