O dia 22 de novembro é a data marcada para a apresentação do relatório definitivo da PEC que estende para 31 de dezembro o prazo para as mudanças nas regras eleitorais que vigorarão em 2006. Até lá, os líderes partidários vão discutir a proposta com suas bancadas para negociar acordo com em torno dos temas mais polêmicos. O líder do PCdoB, deputado Renildo Calheiros (PE) alertou que não há consenso a respeito na Câmara, onde a reforma política, em especial a cláusula de barreira, suscita discussões inflamadas. Recentemente, em conversa com A Classe Operária, o deputado federal Inácio Arruda (PCdoB-CE) alertou: “os conservadores vão trabalhar com toda força para impedir que vigore a idéia de reduzir ou acabar com a cláusula de barreira”.
A Priscila Lobregatte
A Classe Operária: Qual sua avaliação sobre a cláusula de barreira e a reforma política no atual momento político?
Inácio Arruda: A cláusula de barreira foi imposta pela legislação eleitoral com o argumento, que considero falso, de que através dela se conseguiria impedir a ação dos partidos de aluguel nas eleições e dentro do Parlamento. Não há nada mais falso. Primeiro porque as legendas de aluguel normalmente não são os pequenos partidos. Além disso, os grandes problemas nacionais não estão nos pequenos e sim nos grandes partidos. Se você observar as duas últimas décadas, todas as crises foram causadas pelos grandes partidos. Também não é verdadeira alegação de que se tiraria da cena política as legendas de aluguel porque a cláusula de barreira não impede partido algum de disputar as eleições.
A cláusula de barreira impede que os partidos que elegem deputados e não alcancem o índice estipulado de 5% dos votos tenham direito ao fundo partidário e ao tempo da propaganda partidária. Isso influencia o funcionamento interno da Câmara Federal, do Senado e posteriormente das assembléias e câmaras de vereadores. É uma forma de impedir que partidos como o PCdoB, PDT e PSB, por exemplo, cresçam e divulguem suas idéias mais amplamente, uma vez que, sem o fundo partidário e os espaços públicos de radio e televisão, esses partidos ficam impedidos de se expandir.
A Classe Operária: E como ficaria a representação das diversas correntes partidárias se forem mantidos os 5%?
Inácio Arruda: O mecanismo da cláusula de barreira, aqui como em outros paises, sempre teve o objetivo de impedir que correntes distintas pudessem opinar sobre a vida política do seu país. Dessa forma, abre-se espaço para que os partidos com conteúdo mais ideológico e um programa alternativo, que têm idéias distintas do setor dominante, possam se apresentar. Ao impor a cláusula de barreira, o que está nas entrelinhas é o seguinte: esse ambiente democrático é para os liberais, sociais democratas, quer dizer, não é ambiente para comunistas, para os socialistas. É como se a ala mais conservadora, interessada na manutenção da cláusula, dissesse: “vocês, partidos pequenos, têm direito de formar associações e ficarem discutindo na rua. Agora aqui, no Legislativo, onde suas opiniões poderão repercutir para o país inteiro, você não têm voz”.
A Classe Operária: É como a tão defendida democracia norte-americana, que acaba sendo bipartidária…
Inácio Arruda: Claro, é uma forma de você ceifar a possibilidade não só de crescimento eleitoral, mais de defesa de idéias diversas, importantes para o debate político. Essa é a questão central da cláusula de barreira: dificultar o debate político das correntes alternativas, evitar que outras saídas para o Brasil, diferentes daquelas que os liberais oferecem, surjam em ganhem força no debate político. Acho que o pensamento fica absolutamente tolhido com a cláusula de barreira.
A Classe Operária: Os grandes meios de comunicação defendem a cláusula de barreira. Como os partidos pequenos podem lutar contra toda essa máquina que vem passando por cima deles?
Inácio Arruda: Os partidos que hoje são pequenos têm de compreender bem o que está acontecendo. Há uma onda conservadora muito poderosa, é uma onda externa que tem reflexos muito grandes no Brasil. Ela domina os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, as rádios e os grandes veículos impressos.
Os conservadores vão trabalhar com toda força para impedir que vigore a idéia de reduzir ou acabar com a cláusula de barreira. Então a batalha exige que se compreenda quais são os atores e de que lado eles estão. Os veículos de comunicação defendem o pensamento liberal, do Estado mínimo. Numa situação como essa é preciso ter muita habilidade política, trabalhar muito para poder convencer legendas maiores sobre o processo democrático do Brasil, mostrar o efeito que nós tivemos aqui com o bipartidarismo, com o MDB e a ARENA. O que a vida democrática exigiu ao sairmos da ditadura? Exigiu que as correntes tivessem assento na cena política nacional. Isso todos nós temos de compreender, não só o PCdoB, porque senão fica parecendo que é um problema nosso, dos comunistas, e não é. Isso é um problema dos democratas, dos socialistas, dos progressistas, é um problema de todos aqueles que lutaram pela liberdade do nosso país. Isso atinge o PSB, o PCdoB, o PDT, o PV, o PPS, as legendas intermediárias. Até mesmo entre os liberais. Há partidos menores que acabam sendo espremidos pelos maiores, para justamente fortalecer ainda mais legendas como PFL, PSDB. Para eles, é bom liquidar o PL, PP, PTB, porque assim acaba-se tirando da disputa os partidos intermediários.
O que temos de fazer é discutir muito com o partido que tem maior peso na cena política nacional hoje, o PT, que guarda muitas incompreensões a respeito desse tema. Temos de conversar muito como PMDB, um partido que ajudou a democracia brasileira. Precisamos ser habilidosos com os grandes partidos que trabalham mais no centro político. Devemos trabalhar também com determinados setores formadores de opinião nas universidades, na academia, ocupar espaço nos veículos de comunicação, procurar a intelectualidade progressistas para que ela não se cale diante dessa tentativa de sufocar as legendas políticas que podem oferecer novas alternativas para o país.
Fonte: Jornal Classe Operária