
fotos: Kiko Silva
O filme conta a história de uma trupe de artistas mambembes que vive, literalmente, na corda bamba. Décimo segundo na filmografia do cineasta, ele marca o retorno de Rosemberg à ficção. A produção já tem data para debutar em Fortaleza: será apresentado “hors concours”, no dia 14 de setembro, no encerramento do 23º Cine Ceará. Na produção, assim como em toda obra do cineasta, ficção e realidade se misturam.
Elenco
Destaque no elenco, a atriz Sílvia Buarque trabalha pela primeira vez com Rosemberg Cariry. Ela interpreta uma dançarina de rumba, que canta músicas da revolução camponesa mexicana, tem uma filha afrodescendente, misturando sotaque nordestino, no entanto, não fica clara a sua procedência. A atriz fez laboratório na Feira de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e aparece como um misto de cigana na produção. Ainda compõem o elenco, seu marido Chico Diaz, o paraibano Everaldo Pontes, o cearense Gero Camilo, Zezita Matos, Sâmia Bittencourt, Georgina de Castro, dois atores mirins cearenses Sávio Igor e Letícia Sousa, e também com artistas do Circo do Motoka, um dos locais de pesquisa para a produção.
O picadeiro do Circo também serve de cenário para o desenrolar da trama, gravada durante o mês de janeiro, na Praia de Aracati, distante 140 km de Fortaleza.
Depois de estrear para o público cearense, “Os pobres diabos” abrirá a mostra competitiva do 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, dia 18 de setembro. O próximo passo da tragicomédia que retrata a vida “ordinária e extraordinária dos artistas dos circos mambembes” é cumprir a agenda de festivais nacionais e internacionais. A estreia nacional, contudo, deve demorar: está prevista para o segundo semestre de 2014.
É um filme que fala sobre a vida, as lutas cotidianas reais e existenciais, que são tocadas pela arte. A Creuza de Sylvia Buarque incorpora bem essa vida ordinária de uma atriz que quer arrancar da vida mais do que aplausos. Ela cansa da pobreza.
É uma tragicomédia no sentido de que mistura humor popular com tragédia, representada pelas dificuldades da vida, em função de uma série de acontecimento que a trupe vive durante a trama.
Produção de baixo-custo, o filme contou com R$ 1, 2 milhão, oriundo de editais de incentivo à cultura. A produção foi toda realizada no Ceará, inclusive a mixagem. O projeto, um sonho antigo de Rosemberg, levou sete meses para ser concluído. “Retrata muito o que vivi”, diz, lembrando dos dramas que assistiu, admitindo haver um pouco de lenda nas histórias, como a dos meninos que para conseguir uma vaga no “poleiro”, como se chamava a arquibancada, levavam gatos para alimentar o leão do circo.
“Nunca vi um leão comendo gato”, conta, afirmando que essa realidade é posta no filme, que mistura pesquisa, lembrança e confronto com a realidade vivida por centenas de circos populares ainda hoje. Nesse aspecto, ele é contemporâneo. A trama desenvolve-se a partir do anúncio pelo Gran Circo Teatro Americano, bem no estilo: “Hoje, tem espetáculo? Tem sim, senhor!”. No circo imaginado por Rosemberg, é feito o convite para o espetáculo: o “Auto do Lamparina no Além”, baseado no cordel “A chegada de Lampião no inferno”.
De acordo com o cineasta, o filme inspira-se nesse universo popular, com o objetivo de recriar o clima das peças de teatro apresentadas pelos circos-teatros. “O filme fala sobre arte e superação”, pontua, afirmando que sempre foi fascinado pelo mundo dos circos pobres e mambembes, por revelarem o mundo dividido entre a pobreza e a magia.
Fascinado pela cultura nordestina e pelas transformações tecnológicas que o cinema vem sofrendo, Rosemberg não tem dúvida em afirmar que o mundo vive a realidade da aldeia global, idealizada nos anos 1960, pelo filósofo canadense Marshall McLuhan, pelo menos no campo do virtual. O fascínio pelo Nordeste só não é maior do que o amor pelo cinema. Ao ser indagado sobre qual o novo projeto, brinca, dizendo que “são 10 sonhos”, revela, aos risos. Dentre as lições que aprendeu na carreira, destaca a de é conseguir adequar o sonho aos recursos que dispõe.
Aos 60 anos, formado em Filosofia, Rosemberg Cariry passou o amor que sente pelo cinema aos filhos: Petrus, que faz a fotografia do filme; e Bárbara, que assina a produção. Esta parte do trabalho incluiu visitas a circos e entrevistas com os artistas circenses, espalhados pela periferia e interior. As lembranças do criador foram essenciais, para “Os pobres diabos” ganhar vida e servir de elo com a realidade. Outra constatação da pesquisa do diretor: as pessoas vão pouco ao circo.
Carreira
“Começo o meu trabalho no cinema como documentarista registrando, documentando, reinterpretando aspectos da cultura, da história e da vida dos povos do Nordeste”, diz, ressaltando a façanha de ter conseguido realizar, em 1993, considerado o ano zero para o cinema brasileiro, no sertão do Norte do Ceará, na cidade de Santana do Acaraú, o longa de ficção “A saga do guerreiro alumioso”. Em 1996, fez “Corisco e Dadá”, filme de ficção de repercussão nacional e internacional; e, ainda, “Lua Cambará” (2002). São 12 filmes, dos quais cinco são de ficção e sete documentários. Após seis anos fazendo documentário, retoma a ficção.
No entanto, ao passar em revista sua obra, é possível perceber que ficção e realidade estão juntas, é possível perceber a presença do fantástico ao longo de suas criações. “Em nenhum filme documentário que fiz, deixei de lançar mão da ficção, do universo simbólico e imaginário da cultura. Então, essas fronteiras são muito móveis”. O longa “Os pobres diabos” é uma tentativa de recriar o universo dos circos pobres. Há duas ou três décadas, lembra que era comum a apresentação de dramas como “O ébrio” ou “Coração materno” nos circos-teatros. Os recursos para a sua realização foram provenientes de um edital nacional da Petrobras; edital do governo do Estado do Ceará, patrocínio da Lei do Audiovisual do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e apoio da Prefeitura de Aracati.
Fonte: Jornal Diário do Nordeste – IRACEMA SALES