Para um público de mais de 350 pessoas, entre militantes e dirigentes do PCdoB, sindicalistas e representantes dos movimentos sociais, que superlotou o auditório do Sindicato dos Engenheiros, os presidentes nacionais do PCdoB, Renato Rabelo, do PT, Tarso Genro e do PSB, Roberto Amaral participaram de um debate sobre a crise política no país e a conjuntura nacional. O debate, que fez parte das discussões do 11º Congresso do PCdoB, foi organizado pelo Comitê Estadual de São Paulo.
Coordenado pela presidente estadual do PCdoB, Nádia Campeão, e pelo presidente do Instituto Maurício Grabois, Adalberto Monteiro, o debate passou em revista as origens da crise, a ofensiva conservadora contra um projeto de mudanças, os erros de condução política cometidos pelo PT e erros do próprio governo. Os elementos centrais para superação da crise também foram apresentados, e o ponto de convergência principal foi a necessidade de ampliar o diálogo entre os partidos de esquerda para construir um projeto político de mudanças, em torno do qual se busque recompor o campo mudancista de centro-esquerda.
Um governo “contraditório”
O presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, chamou a atenção para a necessidade de se compreender o Brasil estruturalmente. Por isso, disse, os debates do 11º Congresso fazem uma caracterização pormenorizada da conjuntura internacional, “que passa por um ciclo político conservador, marcado por assimetrias e desigualdades econômicas e sociais que provocam instabilidades e crises que afetam profundamente o Brasil. Esse cenário não abre um ciclo revolucionário, mas um período de acumulação de forças para se realizar uma transição, período este que pode demandar toda uma quadra histórica”.
Neste e contexto Renato analisa a conjuntura nacional, onde a vitória do presidente Lula representou, para ele, a força do movimento social e do movimento operário abrindo um novo ciclo político no país. “Caracterizamos, desde o início, o governo como contraditório, em que a própria transição, também contraditória, não se efetivou de forma plena. Alcançamos vitórias parciais que estão muito aquém dos objetivos traçados. Essas vitórias parciais são determinadas por alguns entraves, entre os principais a política econômica, que precisa ser alterada”. Mas alertou: “Não podemos subestimar a altura do desafio de mudar a política econômica e aplicar um novo projeto para o Brasil, porque superar o neoliberalismo, que é a forma de reprodução e acumulação do capitalismo hoje, tem dimensão estratégica”.
Para Rabelo, “a crise política em curso não veio como produto imediato da política econômica (que precisa ser alterada porque transfere enormes recursos da produção para a esfera financeira), mas surgiu da própria condução política do governo; do sistema político, que tem suas mazelas; e da luta política acirrada entre a elite e as forças de esquerda”.
A primeira motivação da crise
O presidente nacional do PSB, Roberto Amaral, começou afirmando que “a melhor contribuição de um aliado leal é a crítica”, e sem rodeios foi a elas: “Faço críticas profundas ao encaminhamento do governo porque acho que ele está errando além do que nos era permitido errar”.
Concordando com o colega, o presidente do PT, Tarso Genro, foi firme nas autocríticas ao deixar bem claro que “o partido dos Trabalhadores não podia ter cometido os erros que cometeu. E vai corrigi-los”. Porém, para ele, as causas da crise não estão nos erros do PT. “Porque se a causa da crise fosse o financiamento paralelo de campanhas, ela não teria aparecido agora. Porque financiamento paralelo de campanha não começou agora. Pelo contrário, é uma prática ordinária no processo eleitoral brasileiro”.
A avaliação de Tarso, neste aspecto, se aproxima mais da feita pelo presidente do PCdoB, de que “a ofensiva que se faz supostamente contra a corrupção no Brasil é, na verdade, para desmoralizar a esquerda brasileira, o PT, e seus aliados”. Esta é a motivação primeira da crise.
“Não há uma teoria da transição”
Tarso Genro fez uma breve digressão teórica para analisar a crise política no Brasil, que estaria “orientada por uma dupla crise de paradigmas: a crise da URSS e a crise da social-democracia marchando para o centro, para a direita, num processo de financeirização galopante da economia global, onde o capital financeiro e o poder se deslocam das instâncias tradicionais de produção e reprodução da democracia republicana para as esferas burocráticas de poder instaladas nos Bancos Centrais”.
O presidente do PT afirmou que “o governo Lula chega ao governo para superar essa contradição, o que não é fácil, porque não há uma teoria de transição de um modelo de desenvolvimento centrado no financeirização do capital, para um modelo de desenvolvimento centrado na valorização do trabalho vivo e no processo produtivo que possa socializar as condições de trabalho e sobrevivência”.
Amaral não vê na vitória de Lula, nem na ofensiva conservadora, nem nas denúncias de corrupção e caixa dois a motivação para os problemas enfrentados hoje. Para ele, a origem está na “crise da esquerda, que teve inicio muito antes da vitória de Lula”.
“Fomos derrotados na guerra ideológica. Nos vimos sem condições de dizer que o socialismo é possível e não conseguimos construir um projeto alternativo e apresentá-lo à sociedade”, daí Amaral conclui que “ a crise da esquerda está na ausência de um projeto”. Para ele, “pode até ser que os nossos partidos tenham um projeto que nos unifique, mas a esquerda como um todo não tem”.
Essa ausência de projeto, segundo o presidente do PSB, fez com que os partidos de esquerda que participaram da coalizão que elegeu Lula, “fossem para o governo sem a compreensão do que era co-habitação e passamos a fazer a defesa de teses que jamais povoaram as propostas da esquerda no Brasil”.
A crise
Roberto Amaral e Renato Rabelo ressaltaram o prolongamento da crise, que já entra no seu quinto mês. “Os fatos se sucedem diariamente. Estamos vivendo um período da delação premiada e do entusiasmo inquisitório”, referiu Rabelo. Amaral lembrou que “por eventos e fatos menos graves (citou a crise de 54, 55, 64 entre outras) esse país já foi revolvido e vivemos ou à beira do golpe militar ou sob o regime ditatorial”.
“Toda luta política tem lado, é como um rio com duas margens. Não tem a terceira margem do rio. Numa margem estão as forças que defendem as mudanças, na outra as forças conservadoras que querem voltar ao poder”, esta foi a imagem usada por Renato para delimitar os campos de batalha da atual crise no país, que colocou a iniciativa política na mão das forças conservadoras.
No entanto, o fato do elemento primordial que origina a crise ser a luta entre o campo das mudanças e o campo conservador, para ele não minimiza os erros cometidos pela força hegemônica do governo, o PT. Segundo Renato, reconhecer que o que impulsiona esta crise é a luta política não pode “rebaixar em nada a luta para apurar todas as denúncias de corrupção. Para os comunistas o dinheiro público é sagrado. Não vamos transigir com isso. Mas não temos ilusões: o objetivo das forças conservadoras é usar a crise, alimentar a crise, para atingir a esquerda, o PT e um projeto de mudanças”, concluiu o presidente do PCdoB.
“A esquerda deu munição?”
Já Roberto Amaral não se diz “preocupado com a direita, ela está exercendo o seu papel”. Para ele é mais importante analisar se “no exercício do seu papel, a esquerda no Brasil deu munição para a direita insuflar essa crise?”. Amaral lembrou que durante o lançamento da campanha de Lula no segundo turno das eleições de 2002, ele fez um discurso que não foi muito bem recebido, no qual ele afirmou que “mais difícil do que ganhar as eleições seria governar e não havia nenhum caminho que não fosse manter a mobilização popular”.
E é no distanciamento de sua base social, e no fato do PT ter assimilado hábitos e práticas que não eram da esquerda, que Amaral aponta os elementos que contribuíram para a ofensiva da direita. “Precisamos recuperar a história do movimento social, que não pertence a nenhum partido, mas os partidos que quiserem apresentar um projeto de mudanças para o país precisam se apropriar desta história”, afirmou o presidente do PSB, fazendo uma crítica ao PT.
O presidente do PT concorda com a premissa de que a atual crise é fruto de um embate político entre as forças de centro-esquerda e os conservadores. No que ele tenta dimensionar o papel do PT: “Me parece um pouco duro outorgar o problema que estamos vivendo exclusivamente ao PT”. E retoma um outro aspecto do debate, listando algumas iniciativas do governo no rumo das mudanças e que provocaram a irritação da direita.
Tarso citou a interrupção no processo de privatizações; a política externa soberana e independente; a quebra do fetiche conservador e reacionário de que só quem tem condições de promover o crescimento e estabilidade econômica é a direita tecnocrática e não uma frente de esquerda; o investimento de recursos diretos do Estado para garantir a sobrevivência de 30 milhões de famílias através de políticas compensatórias como o Bolsa Família; o investimento de recursos para o ensino básico, a reforma da ducação superior; e a não criminalização dos movimentos sociais.
“Não coloco essas coisas para me contrapor a quaisquer críticas, mas para mostrar que temos o que preservar”, afirmou.
O desfecho da crise
O grande questionamento da noite foi “Qual vai ser o desfecho dessa luta política?”. Para o presidente do PCdoB, o desfecho do embate político depende de três aspectos que estão interligados: a capacidade do governo de superar a crise, propondo uma agenda positiva; a capacidade de recomposição do PT; e a capacidade das forças de esquerda de recompor o campo das mudanças.
Renato Rabelo chamou atenção para a antecipação do debate eleitoral de 2006, estimulado principalmente pelo PSDB, “que se coloca como o centro da recomposição da direita de hoje, como o centro estruturante da chamada direita moderna no Brasil”. Também fez menção ao importante papel que o PMDB deverá jogar, por ser um partido que “nos últimos episódios da vida política nacional tem sido o fiel da balança”.
Rabelo foi enfático na necessidade de defender o mandato de presidente Lula, que em contrapartida precisa acenar com medidas positivas (baixar a taxa de juros, cumprir as metas da reforma agrária, fazer uma política de valorização do salário mínimo).
O presidente do PSB faz alguns questionamentos para explorar as possibilidades de superação da crise: Poderia o governo mudar a correlação de forças? O que fizemos efetivamente para alterá-la? Que forças sociais mobilizamos neste sentido? “Não vejo nenhuma crise institucional. Nossa democracia (apesar de ser uma democracia de classe, construída pela direita), está tão consolidada que vem enfrentando essa crise sem nenhum abalo”. Para Amaral a crise perde força e tende a caminhar para o seu final.
Um novo projeto de desenvolvimento
A grande questão que está posta é como recompor o campo de centro-esquerda na realidade atual. Neste sentido, segundo Renato Rabelo, “a iniciativa destes três partidos PSB, o PT e o PCdoB, que há alguns anos atrás constituíram um programa em Defesa do Brasil, da Democracia e do Trabalho, é importante. Está colocado para nós o esforço na busca de um novo caminho para o Brasil, através de um maior entendimento e o dialogo entre esses três partidos”.
Para Rabelo não é possível a reconstrução de um campo de centro-esquerda sem a repactuação em torno de um projeto de mudanças. “Se a repactuação vai ser feita em torno de Lula ou não, só a evolução do quadro político vai dizer. Não há uma aliança ad eternum”, observou.
Renato foi categórico ao afirmar que além da construção de um projeto para o Brasil é necessário, também, construir as convicções em torno deste projeto. “Tudo requer decisão política. Mudar a economia requer uma decisão política. Portanto, de nada adianta um lindo programa se não reunirmos forte convicção em torno de sua aplicação”.
Tarso Genro também ressaltou a importância do presidente Lula ter restabelecido o diálogo com os partidos de esquerda para pensar um novo projeto. “Num futuro próximo nós temos uma grande responsabilidade. Se nós não construirmos a nossa relação através de um centro orgânico destes três partidos, nós seremos derrotados, a democracia brasileira será derrotada e estaremos entregando o país para o tucanato”, afirmou.
* Secretária de Comunicação do Comitê
Municipal do PCdoB de São Paulo