Melhorar indicadores sociais e reduzir dependência do petróleo são desafios de Angola, diz economista


Baseado na capital angolana desde o começo do ano, o mineiro Ricardo Gazel é o economista-chefe do Banco Mundial no país. Ele acompanha com detalhes a evolução dos indicadores econômicos do país e se mostra satisfeito com os números mais recentes.

Passadas as eleições, Gazel reitera que os desafios angolanos continuam sendo os esforços para manter a estabilidade da economia. Destaca também a necessidade de melhorar os indicadores sociais e reduzir a dependência do petróleo, com o desenvolvimento de setores que gerem mais empregos, como a agricultura.

TV Brasil: O que significa o resultado das eleições para a economia mundial e de Angola?
Ricardo Gazel: Os desafios permanecem os mesmos: continuação da estabilidade macroeconômica e o combate à inflação. Na questão do equilíbrio fiscal, deve continuar a política utilizada até o momento, uma política mais prudente, mais conservadora, de utilizar um preço do petróleo mais conservador e assim reduzir o nível de gastos ou não crescer muito os gastos. Em relação à taxa de câmbio, também deverá se manter mais ou menos estabilizada (atualmente, US$ 1 está cotado a 75 kwanzas). O governo também deverá manter esse tipo de política para que não aumente muito a liquidez no mercado interno e possa resultar em inflação. Um dos grandes desafios de Angola é a diversificação econômica. A economia angolana está extremamente baseada num setor intensivo de capital, que não gera emprego. É fundamental que a economia se diversifique para melhor repartir os ganhos que os preços do petróleo e o aumento da produção têm favorecido ao país.

TV Brasil: Quais setores poderiam ser mais desenvolvidos?
Gazel: Há grandes candidatos. A agricultura é um deles. Angola já foi um grande produtor agrícola, tem muita terra agriculturável, tem boas chuvas, tem pessoas suficientes para trabalhar. Há outras áreas de indústrias mais leves, como as de plástico, de tecido, que podem gerar empregos. E o setor de serviços mercantis e não-mercantis. Para que isso aconteça, tem de ter uma infra-estrutura construída. Reconstruir o que foi destruído e construir novas estruturas. Isso tem acontecido, mas leva tempo para ficar pronto. Além do que, melhorar o ambiente de negócios, no sentido de menos burocracia. Algumas regulamentações mais adequadas para atrair investimentos e melhorar o nível de negócios. E também a questão do crédito, que tem melhorado bastante, mas precisa ser mais ampliado. Com isso, obviamente, você tem os grandes problemas que a guerra gerou, que são basicamente os índices sociais muito ruins. E o novo governo vai ter que enfrentar esse grande desafio de redução da pobreza, de melhoria dos indicadores sociais, principalmente na área de educação, saúde, saneamento básico, analfabetismo. Ou seja, Angola continua com os mesmos desafios dos últimos anos, os tem enfrentado, avançado e terá de continuar nessa direção.

TV Brasil: A inflação em Angola chegou a 12,5% nos últimos 12 meses terminados em julho. Há uma tendência de alta?
Gazel: Os índices de preços caíram tremendamente nos últimos cinco anos, de mais de 300% ao ano para 11,78% no ano passado. Agora, esse crescimento recente dos últimos cinco meses é resultado de uma inflação importada. Angola importa a maior parte dos alimentos. O preço dos alimentos no mercado internacional subiu tremendamente, então isso tem um impacto aqui.

TV Brasil: Fala-se na questão da transparência dos dados do governo dos investimentos com recursos do petróleo. Os níveis de transparência são razoáveis para os padrões internacionais?
Gazel: Temos de olhar numa perspectiva de tempo. Até pouco tempo atrás não existia muita informação sobre as finanças públicas em Angola. Hoje, isso melhorou substancialmente. O governo publica uma informação grande de dados, não só do lado da arrecadação das receitas, como também das despesas. Há um sistema parecido com o brasileiro, de acompanhamento das despesas públicas e de execução do orçamento. Tem uma série de avanços grandes. Ainda há muito o que fazer, mas os avanços foram substanciais.

TV Brasil: Verifica-se uma preocupação do governo em conter o crescimento dos gastos públicos?
Gazel: Há vários pontos importantes nessa questão da despesa pública. Primeiro, de que o crescimento das despesas públicas não seja exagerado, de forma a gerar déficit público depois. O governo tem adotado comportamento bastante conservador em relação ao preço do petróleo. Quando faz o orçamento, o governo já estabelece um preço do petróleo conservador no sentido de limitar os gastos. O segundo ponto é a aplicação dos gastos, onde estão sendo alocados. Vimos, por exemplo, uma redução nos gastos com defesa e aumento nos gastos dos setores sociais, principalmente com educação e saúde, o que, na minha visão, é bem vindo e importante. Um terceiro ponto é que os gastos com funcionalismo não têm crescido exageradamente como percentual da despesa total. Tem havido um certo equilíbro. O grande crescimento dos gastos de Angola tem sido no setor de investimento, especialmente em infra-estrutura, que estava completamente destruída depois de 40 anos de guerra.