Reeditada pela Sonora, a primeira biografia de Noel Rosa tem assinatura do parceiro e intérprete Almirante
Noel Rosa: compositor teve vida breve e sofrida, deixando uma obra vigorosa que resiste ao tempo e continua influenciando novas gerações de compositores
Esbarrando na liberação necessária pela família do músico – que impede, por exemplo, que o clássico “Noel Rosa – Uma Biografia”, de João Máximo e do Carlos Didier, de 1990, ganhe reedição – foi preciso evocar o parceiro e amigo de Noel, Henrique Foréis Domingues, mais conhecido como Almirante, para que sua vida voltasse às prateleiras das livrarias.
Tratada como a biografia oficial do sambista, “No tempo de Noel Rosa – O nascimento do samba e a era de ouro da música brasileira” ganha nova edição pela recém-criada Sonora Editora, do jornalista e produtor Marcelo Fróes (que assina também o selo Discobertas). Esta é a terceira edição do livro, que completa 50 anos em 2013, e esteve os 30 últimos fora de catálogo.
Testemunho
“Conheci Noel pessoalmente em 1923 e depois o acompanhei durante toda a sua atividade musical e artística até seu falecimento”, depõe o ex-companheiro do “Bando de Tangarás”, grupo formado por Almirante em que Noel compôs e gravou suas primeiras músicas, com o qual também estreou nos palcos.
O livro tem por base as séries radiofônicas sobre a vida de Noel Rosa produzidas por Almirante já a partir da década de 1940, como “Noel Rosa”, transmitido em 1942 pela Rádio Tupi, “No Tempo de Noel Rosa”, em 1951 e “A Vida de Noel Rosa”, 1952, ambos pela Rádio Record. A série semanal homônima ao livro trazia depoimentos, análise das músicas e histórias a respeito do compositor, e foi transformada no ano seguinte em publicação em capítulos na Revista da Semana.
Publicado originalmente em 1963, segundo o autor, a biografia veio em resposta às “imagens falsas do notável cantor” que eram propagadas e haviam sido reforçadas pelas muitas reportagens publicadas em razão do 25º aniversário de sua morte, no ano anterior.
“Muita inverdade divulgou-se sobre Noel e muita lenda veio crescendo em torno de seu nome. Já vi e ouvi atribuírem a Noel fatos que comprovadamente ocorreram com outras criaturas…”, justifica Almirante sobre a ousada empreitada de assinar a primeira biografia sobre o amigo e parceiro Noel Rosa.
Seguindo uma ordem cronológica, Almirante parte do nascimento do samba carioca – que traz entre seus precursores dois nordestinos: o pernambucano João Pernambuco e o maranhense Catulo da Paixão Cearense, autores do sucesso Caboca de Caxangá, que deu origem ao Grupo do Caxangá, do qual fizeram parte, além de João Pernambuco, figuras como Donga (que assina oficialmente o primeiro samba gravado) e Pixinguinha.
A vida de Noel é contada desde sua formação, o convívio familiar, adolescência, o Bando de Tangarás, a faculdade de medicina, que não chegou a terminar, aos sucessos radiofônicos. Os amores e amigos do compositor mereceram um capítulo à parte, relatando paixões como Clara, Fina, Julinha e Ceci, e as canções que elas inspiraram.
Polêmicas
O livro desmente histórias que, ainda hoje, pairam sobre a figura de Noel, como a de que a música “Com que roupa” teria cunho autobiográfico, escrita após ter as roupas rasgadas por sua mãe que tentava impedir que Noel caísse na boemia. Nas lembranças de Almirante, o termo “Com que roupa” era uma espécie de moda de linguagem do carioca instaurada por volta de 1927. O samba é de 1931.
Sobre a polêmica com Wilson Batista, com quem Noel Rosa trocou farpas em uma série de composições, Almirante detalha a sucessão de acontecimentos. Percebe-se, pela escrita, que, longe de ser algo midiático, os dois realmente se estranharam, e as ofensas de Wilson a Noel ainda nos anos de 1950, quando “No tempo de Noel Rosa…” foi escrito, incomodavam o Almirante.
Almirante contrapõe os “versos de elegância de mestre” assinados por Noel ao “desprimoroso”, de “insistência cansativa e sem o menor efeito” de Wilson. A “pá de cal” na polêmica, afirma, foi dada por Noel , que encerrou o assunto com o irônico “Deixa de ser convencido”, composto de improviso sobre melodia da música “Terra de Cego”, de Wilson Batista. “No picadeiro da vida, serei o domador, serás a fera abatida”, antevia Noel.
Escrito em linguagem simples, direta, oras em primeira pessoa, o livro reúne o vasto material do acervo de Almirante, as histórias que o mesmo tirou a limpo em conversas diretamente com os envolvidos e o testemunho do autor e o convívio, como amigo e parceiro que foi, com Noel Rosa. É, além da biografia oficial de Noel, uma fonte primária que registra passagens importantes da música popular brasileira por um de seus grandes nomes.
SAIBA MAIS
O Autor – O músico Henrique Foréis Domingues conheceu Noel Rosa em 1923, tendo feito parte de toda a atividade musical do artista até seu falecimento. No Bando de Tangarás, grupo formado pelo Almirante, o compositor compôs e gravou suas primeiras músicas
Cancioneiro – Noel Rosa ain da é um dos principais nomes da composição musical brasileira. Suas canções são marcadas pela sofisticação formal e a carga emotiva capas de agradar grandes plateias. Desde 2008, sua obra se encontra em domínio público