Inácio lamenta morte de Neuton Miranda e Luiza Gurjão Farias


O senador Inácio Arruda comunicou ao Senado a perda de duas personalidades importantes para a história brasileira: Neuton Miranda e Luiza Gurjão Farias. O Plenário aprovou dois requerimentos de autoria do parlamentar para que o Senado envie suas condolências aos familiares de ambos.

O parlamentar lembrou que Neuton Miranda, presidente do PCdoB no Pará, dedicou sua vida à luta pela defesa das liberdades e da democracia no Brasil: “Durante a ditadura, ele foi perseguido e teve de ir para a clandestinidade. Com a anistia, voltou ao Pará e reorganizou o partido no estado”, disse. Neuton foi vítima de um enfarto fulminante no último sábado.

Já Luiza Gurjão Farias faleceu no domingo (), aos 95 anos, em Fortaleza, também por parada cardíaca. O senador lembrou o fato de que Luiza precisou aguardar por algumas décadas até que o corpo de seu filho pudesse ser enterrado. O filho de Luiza, Bergson Gurjão, foi morto durante o regime militar, no início da década de 1970, quando participava da guerrilha do Araguaia. O corpo de Bergson foi identificado no ano passado, sendo enterrado em setembro.

O senador José Nery (PSOL-PA) também homenageou Neuton Miranda, ressaltando "seu destemor ao denunciar os crimes do latifúndio no Pará". Nery também elogiou a atuação parlamentar de Inácio Arruda, "um dos que atuaram ao lado de Neuton Miranda". Os Senadores Flexa Ribeiro, Rosalba Ciarlini e o vice-presidente do Senado, Marconi Perillo, também associaram-se ao voto de pesar.

Leia íntegra do pronunciamento

Sr. Presidente, Senador Mão Santa, quero dizer que o faço com muita alegria, em função da irmandade nossa, do Piauí, do Ceará e, como sempre se fala, do Maranhão. Há muita aproximação entre nós. No caso do Ceará e do Piauí, essa irmandade se soma às relações que estabelecemos entre nossos Municípios vizinhos ali. Nós tivemos sempre uma grande compreensão disso, assim como os piauienses, e lutamos juntos para defender nosso solo sagrado, o Brasil. O sangue dos cearenses está presente na Batalha de Jenipapo, assim, como é evidente, o sangue do povo piauiense, em defesa da nossa Pátria.

Sr. Presidente, quero fazer referência a duas figuras da nossa história, por meios diferentes. Nesse sentido, apresento dois votos de pesar ao Senado Federal e peço a V. Exª que possa acolhê-los. Um deles é uma homenagem a uma figura extraordinária do povo paraense, que é filho de Marabá, mas que também tem uma forte relação com o Ceará, pois sua avó materna era cearense.

Trata-se de Neuton Miranda, presidente regional do Partido Comunista do Brasil no Estado do Pará. Neuton Miranda é daqueles que saíram da sua aldeia para ajudar a construir a luta heróica do povo brasileiro em defesa das liberdades e da democracia.

Dedicou toda a sua vida de estudante universitário – estudava muito, era muito inteligente e muito capaz – à causa libertária do povo brasileiro nos períodos difíceis de um regime discricionário, militarizado, em favor das elites econômicas brasileiras. Neuton Miranda teve de ir para a clandestinidade, foi perseguido e condenado pelos atos institucionais e ressurgiu com a anistia, retornando ao Pará para reorganizar o Partido Comunista do Brasil. Ali, militou a vida inteira, constituiu família, teve uma filha, que é pesquisadora.

Sua esposa é chamada Leila. Eles estavam irmanados ali nessa defesa. Livre o Brasil do período da ditadura militar, Neuton Miranda se dedica a organizar o povo, os movimentos sociais, as organizações de moradores e de camponeses, junto com outra figura extraordinária – está aqui outro cearense, Senador pelo Estado do Pará, José Nery –, que era Paulo Fonteles, assassinado pelo latifúndio.

Esses homens deram a vida, toda a sua vida, a causas sociais. Eles são como aquelas figuras de Brecht, são os imprescindíveis à causa do povo brasileiro. Embora muitos tenham seguido seus exemplos, sabemos que a dedicação, o empenho, a vontade e a determinação desses homens em defesa do Brasil, do povo brasileiro, da causa socialista e da transformação social do nosso País os tornam imprescindíveis.

Então, rendo esta homenagem simples. Ontem, encontramo-nos, eu e José Nery, no velório de Neuton Miranda. E queremos dedicar este momento a essa figura extraordinária do meu Partido. Eu o acompanhei nos últimos instantes, digamos assim, porque estivemos juntos na última reunião do Comitê Central. Ele, numa alegria extraordinária, imensa, falava sobre a regularização fundiária num Estado em que a situação é difícil. Não é fácil fazer regularização fundiária no Pará. A gente fica sempre pensando que é alguma coisa de sonho que a gente está vivendo.

E ali estava Neuton Miranda realizando, materializando um sonho acalentado por milhares de paraenses, muitos oriundos de outros Estados, especialmente do Nordeste. Piauienses, maranhenses, cearenses às levas, digamos assim, sonhavam com esse título em suas mãos. E Neuton praticava esse trabalho quando um infarto o pegou, surpreendendo nosso Partido, que perdeu seu dirigente máximo naquele Estado.

Ontem, ao me dirigir aos nossos militantes e filiados, eu dizia que Neuton Miranda, olhando para aquela cena do seu próprio velório, diria que choraríamos e sentiríamos uma dor imensa com sua perda, mas que nossa dor tinha de ser transformada em energia capaz de fazer com que nosso Partido, a militância do campo popular pudesse se agigantar diante da dor, para sair mais forte, para sair maior daquele momento difícil que estávamos vivenciando. É assim que penso que sairá nosso Partido desta tragédia circunstancial que é perder um grande militante.
Senador Nery, V. Exª tem o aparte.

O Sr. José Nery (PSOL – PA) – Senador Inácio Arruda, solidarizo-me com V. Exª, com o Partido Comunista do Brasil, com seu comitê central nacional, com todos os dirigentes e militantes do Partido Comunista do Brasil do Estado do Pará, que, neste momento, sofrem a perda de um líder, de um revolucionário, de alguém dedicado à luta pela transformação social, que foi capaz, durante sua longa trajetória de militância nas lutas populares dos estudantes, dos camponeses, dos trabalhadores do Pará e do Brasil, de enfrentar todo o tipo de violência, de intimidação. Todos nós nos orgulhamos da trajetória desse paraense tão bravo, tão lutador! Ontem, como V.

Exª mesmo disse, tivemos aquele rápido encontro, no hall da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, que, nesses dois dias, recebeu a visita de centenas de pessoas que foram levar sua solidariedade à família do Neuton, à professora Leila, à sua filha, aos irmão Péricles, ao Tião Miranda, que, inclusive, foi Prefeito de Marabá, e também aos seus companheiros de luta e de Partido. Hoje, pela manhã, Neuton Miranda foi enterrado e sepultado no cemitério de Belém com grande acompanhamento.

Houve o testemunho de companheiros nossos que estiveram lá, na manhã de hoje, sem dúvida, prestando ali a última homenagem a um lutador do povo. Tive a oportunidade de conviver com Neuton Miranda em muitas lutas. Lembro das manifestações contra a violência e a impunidade no campo ainda na década de 1990; lembro do seu destemor ao denunciar os crimes do latifúndio no Estado do Pará, o que, inclusive, levou à morte vários militantes e dirigentes do PCdoB. V. Exª lembrava, há pouco, o Deputado Paulo Fonteles, mas assim foi com os Canutos em Rio Maria, no sul do Pará.

Sem dúvida, tive oportunidade de participar de algumas lutas, inclusive lutas políticas e eleitorais. Lembro que, em 2002, quando havia duas chapas da coligação do campo, da esquerda, para o Senado, eu era candidato a suplente de senador na chapa com a hoje governadora Ana Júlia, e Neuton Miranda era o líder da outra candidatura ao Senado. Tivemos oportunidade de viajar, de trabalhar, de defender as teses que interessavam às mudanças, às transformações tanto no Pará quanto no Brasil. Ele obteve, naquela eleição, uma votação extraordinária para um dirigente, um militante comunista da marca, da história, da estirpe de Neuton Miranda.

Quero, finalmente, Senador Inácio Arruda, dizer-lhe que, no último encontro que tivemos, no final do mês de novembro, tratamos da sua intervenção, sobretudo, na área de projetos que se instalaram na região de Barcarena e que se apropriaram de áreas públicas indevidamente. Hoje, há dezenas de ocupações urbanas, e algumas ocupações estão em áreas da União. Era preciso efetivar sua regularização. Fruto desse debate, desse nosso encontro, houve algumas iniciativas do então Superintendente Regional do Patrimônio da União.

Neuton Miranda, no último sábado, entregou mais de trezentos títulos a ribeirinhos e moradores da região rural do Município de Barcarena, próximo de Belém, materializando o compromisso assumido na discussão que fizemos e o sonho de milhares de paraenses que lutam para ter direito à terra para produzir e para morar. Ele, com destemor, com competência, com seu brilho, com sua luta, conseguiu avançar a questão da regularização fundiária, a cargo da União, sobretudo, em áreas chamadas terra de Marinha. Da parte do Neuton, houve esse compromisso, e o resultado disso, a cada ano, vinha tendo cada vez mais importância. Neuton faleceu vítima de enfarte, mas sempre no campo de batalha no oeste do Pará, no Município de Belterra.

Portanto, aqui, em nome do Partido Socialismo e Liberdade, rendo minhas homenagens à memória, à luta, à história, à dedicação, ao exemplo que ele nos deixa. Tudo isso deve ser preservado e seguido por todos aqueles que acreditam que é possível construir um Brasil mais democrático e justo, onde todos tenham direito ao pão, onde todos tenham direito ao ter e ao saber, onde todos tenham direito à liberdade.

Ele, que lutou por tudo isso, merece sempre ser lembrado como um dos lutadores do povo por justiça e por liberdade. Ao mesmo tempo, saúdo V. Exª pelo destemor e pela coragem com que também carrega essa bandeira da luta socialista, da luta por um Brasil realmente transformado. Digo isso porque vejo na atuação de V. Exª a coragem do cearense, do brasileiro que honra a representação popular conquistada pelo voto do povo.

Neuton Miranda, que aqui homenageamos, preparava-se brilhantemente para ser, com certeza, um dos Deputados Federais mais votados do Pará, porque ele havia construído as condições políticas e havia articulado os apoios para que assim ocorresse. Então, a V. Exª, ao PCdoB e aos paraenses que lutavam ao lado de Neuton Miranda, as homenagens do nosso mandato e do Partido Socialismo e Liberdade! Muito obrigado.

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB – CE) – Sou eu que lhe agradeço o ilustrado aparte. V. Exª o conheceu. V. Exª conviveu, por longo tempo, com essa figura extraordinária do povo paraense.
Sr. Presidente, esse homem trabalhou até o último minuto da sua vida em defesa do seu povo, do povo do Pará e do povo brasileiro. Por isso, nossa homenagem, a homenagem do Senado Federal, a essa figura ilustre do povo paraense é merecida, não só porque ele fez em vida, mas porque ele deixa um exemplo a ser seguido por cada um de nós.

Em seguida, Sr. Presidente, quero render homenagem a outra figura extraordinária da luta do povo brasileiro. Trata-se de uma mulher cearense: Luiza Gurjão Farias. Ela aguardou, por algumas décadas, a chegada de volta do seu filho, que deixou sua vida no sul do Pará. Ele era um guerrilheiro. Bergson Gurjão Farias era estudante de Química, era uma inteligência fantástica, cantava, tocava violão e dava aula para os pobres da periferia de Fortaleza, para que pudessem ingressar na Universidade Federal, que era praticamente a única universidade que existia na sua época.

Quando V. Exª estava saindo, Bergson estava entrando na Universidade Federal do Ceará e dando aula para esses estudantes pobres da periferia. Não suportava injustiça. Ele era um atleta, era da seleção cearense de basquete. Jogava nos clubes elegantes da cidade. Havia bons times de basquete. Bergson, ao não suportar as injustiças, dedicou também sua militância ao Partido Comunista do Brasil, ingressou no Partido Comunista do Brasil. De lá, perseguido pela ditadura, que queria prendê-lo, ele também entrou na clandestinidade e, na clandestinidade, foi para o sul do Pará, onde eram conhecidos como paulistas.

No sul do Pará, médicos, químicos, enfermeiros, operários, trabalhadores, camponeses organizaram o que se chamou de Guerrilha do Araguaia, não porque a guerrilha tivesse enfrentado o Exército, mas porque o Exército resolveu enfrentar qualquer um que pudesse se comunicar com o povo, dizendo que estavam sendo praticadas injustiças e infâmias no Brasil, onde a liberdade se ausentara. E os paulistas faziam um pouco isto: atendiam o povo. Bergson estava ali, no sul do Pará.

É muito interessante. Ontem, eu conversava com o Félix, irmão do Neuton Miranda, e o Félix dizia que o Neuton estava desaparecido e que a conversa, como uma lenda que se espalhava pelo sul do Pará, era a de que Neuton tinha voltado para comandar a guerrilha e enfrentar a ditadura, junto com Osvaldão, que era conhecido na região, que era um negro forte, jogador de basquete também, como Bergson, e que percorria todas as comunidades, conversava com todos e ensinava as crianças a jogar basquete, lá no sul do Pará, lá em Marabá, numa quadra no meio da rua. Colocaram lá uma cesta e botaram a turma para jogar. Bergson estava ali. Ali, perdeu sua vida, resistindo bravamente à ditadura militar.

No ano passado, numa solenidade especialíssima no Ceará, os restos mortais de Bergson foram enterrados. Parecia um pouco que sua mãe, D. Luiza Gurjão Farias, esperava esse filho, aguardava esse filho há muitas décadas. E, numa solenidade extraordinária, com a presença de Ministro de Estado, do Governador do Estado, do Prefeito de Fortaleza, de vários outros Prefeitos, de Deputados Federais de todo o Brasil e de Senadores, fizemos o enterro de Bergson Gurjão Farias. Parecia que D. Luiza ficava, assim, leve, com a doçura que ela teve sempre. Ela estava como uma pluma. Ela recebeu seu filho. Tantos de nós estávamos chorando, e ela quase abria um sorriso, porque estava recebendo seu filho querido, para que ele fosse, finalmente, enterrado.

Nesse dia 21 também, de um enfarto, aos 95 anos, ela nos deixou. Rendo esta homenagem, porque se trata da mulher brasileira, dessas mulheres fortes do povo, que sabia que seu filho abraçara uma causa justa, honrada. Ela se dedicou, como nunca, à busca do seu filho, como muitas mães brasileiras se dedicaram, entregando-se completamente à luta em defesa da liberdade e da democracia no nosso Brasil.

Por isso, Sr. Presidente, quero render minhas homenagens à família de D. Luiza Gurjão Farias, às suas filhas, ao seu filho, que estiveram conosco, há poucos instantes, em Fortaleza, no enterro de D. Luiza, e juntar estas duas figuras extraordinárias do povo: uma é a mãe de Bergson Gurjão, que morreu no Pará; a outra é Neuton Miranda, que nasceu, criou-se e faleceu no Pará, mas com a avó do Ceará. Então, eles estão unidos por uma causa justa em defesa da liberdade, da democracia e da construção de um País socialmente justo, de um País socialista, esse alvo, esse objetivo com que eles sonharam e que é nossa responsabilidade, José Nery, que é responsabilidade do nosso Partido, do Partido de V. Exª, e de muitas lideranças políticas que, às vezes, não estão nos nossos Partidos, mas que são lutadoras por essa grande causa.

Então, Sr. Presidente, quero encerrar minhas palavras, dedicando este meu pronunciamento a essas duas figuras extraordinárias do povo brasileiro, que podem ser consideradas, para o mundo político mais amplo do Brasil, quase anônimas, que eram Neuton Miranda, um dirigente comunista, dedicado por toda vida, e D. Luiza Gurjão Farias, dedicada à causa da liberdade e da democracia e à causa de seu filho, um lutador do povo brasileiro.

Boa noite! Obrigado.