Especial: Uso de animais em pesquisa


A pesar de o Brasil ser o 15º país em número de pesquisas, até hoje não existe por aqui lei que regulamente o uso de animais por cientistas. Depois de 13 anos em discussão na Câmara, o PLC 93/08, que trata do assunto, está sendo analisado pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado.

O objetivo é definir normas que garantam uso realmente justificável, menor sofrimento e melhores condições de vida para os animais. Se aprovado na CCT, o projeto segue para sanção do presidente da República.

– Até agora não existe controle. E controle é o que estamos buscando há 13 anos – observa o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente da Sociedade Brasileira de Biofísica, Marcelo Morales.

Para o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), relator da matéria nas comissões de Justiça (CCJ) e de Educação (CE), o texto supre lacunas na área.

– Tal vazio causa entraves ao progresso da ciência em nosso país e prejudica os animais usados – afirma o senador.

Conselho autoriza pesquisa

O projeto cria o Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (Concea), responsável por credenciar as instituições para criação ou uso de animais em ensino e pesquisa; e por formular e zelar pelo cumprimento das normas. As instituições terão que criar comissões de ética para o uso de animais composta por veterinários, biólogos, professores e pesquisadores, e um representante de sociedade protetora de animais.

A proposta da Câmara dos Deputados inclui mamíferos, aves, peixes, anfíbios e répteis – que, segundo Marcelo Morales, representam 98% dos animais que são usados em laboratório.

Os que mais ajudam

As pesquisas científicas recorrem à ajuda de diversos tipos de animais, sendo que cinco espécies são as convencionais de laboratório: camundongo, rato, hamster, cobaia e coelho. Os macacos, pela semelhança genética com os seres humanos, também são bastante usados. Conheça as espécies e algumas de suas funções nas pesquisas científicas:

Os cientistas criam animais para pesquisa de duas maneiras, de acordo com o objetivo do trabalho. Na primeira, a heterogênica, o objetivo é conseguir indivíduos o mais diferentes uns dos outros possível, à semelhança do que ocorre com a população humana. Nesse caso, é impedido o cruzamento entre irmãos e a preocupação é com a variedade da herança genética de cada um.

Na segunda, a isogênica, o objetivo principal é o maior grau de parentesco possível, até chegar ao que os cientistas chamam de isogenidade. Mantêm os acasalamentos entre irmãos, conseguindo uma semelhança genética por volta de 96,9%.

Camundongo – É a espécie mais usada em pesquisa, principalmente a relacionada ao câncer, e muito ajudou no entendimento de várias doenças.

Rato – A principal linhagem usada nas pesquisas é a Wistar, um rato branco. Existem ratos heterogênicos e isogênicos. Desde o século passado, o papel do rato mudou de portador de doenças contagiosas para auxiliar indispensável em ensino e pesquisa. Foi no rato que se desenvolveram vários estudos sobre os medicamentos para depressão, câncer de mama e de próstata.

Hamster – Comparado com o de ratos e camundongos, o uso de hamster na pesquisa biomédica é menos expressivo e está voltado para estudos de doenças virais e anomalias congênitas.

Cobaia – Conhecida como porquinho-da-índia, é usada nos testes de controle de qualidade de praticamente todas as vacinas e soros.

Coelho – São muito empregados no desenvolvimento da quimioterapia.

Macaco – Por sua semelhança com o homem, os macacos são muito usados em pesquisa, principalmente para verificar a presença de anticorpos de diversas doenças virais humanas, como sarampo, rubéola e herpes.

Métodos alternativos são caros, mas ideais

A comunidade científica tem procurado trabalhar com métodos alternativos para diminuir o uso de animais em pesquisas e experimentos, mas são raros os casos em que é possível substituí-los completamente.

– São pouquíssimos os métodos alternativos validados. Em alguma fase da pesquisa é preciso testar em animais – afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Biofísica, Marcelo Morales.

Técnicas de laboratório e simulações em computador podem ajudar a diminuir o uso de animais nas primeiras fases da pesquisa.

– É possível matar uma célula cancerosa num tecido cultivado em laboratório, mas, para saber se a substância usada não é tóxica, é preciso testá-las nos animais antes de ser aplicá-la em seres humanos – explica Morales.

Ele afirma que esse procedimento inicial pode evitar o teste em até 150 animais, de forma que só cinco ou seis recebam a droga.

Na década de 1950, o teste da talidomida, substância usualmente usada como sedativo, antiinflamatório e hipnótico, em número insuficiente de animais acabou provocando malformações congênitas nos bebês cujas mães tomaram o remédio para combater enjôos.

– Antes do ser humano, a droga tem de ser testada em duas ou três espécies, porque, se aplicada em apenas uma, os efeitos tóxicos podem não aparecer – esclarece o especialista.

No caso da talidomida, os testes em roedores não acusaram problemas. Só mais tarde experimentos em coelhos e primatas apontaram malformações nos fetos. Segundo Marcelo Morales, os cientistas estão cada vez mais preocupados em oferecer melhores condições de vida aos animais.

– Um animal mal tratado prejudica os resultados da pesquisa. Com a exigência da lei de que todos os experimentos passem antes por uma comissão de ética, muitos vão pensar dez vezes antes de solicitar autorização para pesquisa – aposta.

Algumas empresas, em especial de cosméticos, já conseguem usar somente métodos alternativos.

– Todos os países estão buscando substituir os animais por outras opções, mas é algo que custa muito caro – diz a coordenadora da Comissão de Ética para o Uso de Animais da Fiocruz, Norma Labarthe.

Pesquisador deve justificar a necessidade

Uma das primeiras instituições de pesquisa a adotar uma comissão de ética para o uso de animais foi a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Há dez anos, todos os projetos realizados com o uso de animais precisam receber aval da comissão, que, no ano passado, reprovou 20 das 123 solicitações apresentadas.

– Na dúvida, não liberamos o projeto. É preciso mostrar que há relevância no trabalho, se o estudo a ser feito se justifica, qual técnica será adotada, se os animais receberão quantidades suficientes de anestésicos, se serão devidamente armazenados e alimentados, qual a quantidade de exemplares por gaiola, entre outras questões – expõe a coordenadora da Comissão de Ética para o Uso de Animais da Fiocruz, Norma Labarthe.

Além disso, a comissão exige inclusive que os animais não fiquem entediados. Para os macacos, por exemplo, o ambiente deve ter galhos, cordas, pneus e outros objetos que os permitam brincar.

Ela explica que inicialmente os pesquisadores tinham resistência à atuação da comissão, mas com um trabalho educativo houve conscientização sobre a importância do trabalho feito pelo grupo.

Depois que o pesquisador envia seu projeto para análise, ele é discutido e somente após consenso entre os membros do colegiado recebe parecer pela aprovação, pela melhoria ou é rejeitado por completo.

– A maior parte volta ao pesquisador para que seja melhorado – diz Norma.

Ela diz que o PLC 93/08 traz tranqüilidade ao determinar limites: "Hoje, os pesquisadores têm bastante liberdade e quase não há controle. Esse é um marco legal que define como as pessoas deverão agir", avalia.