O Congresso Nacional homenageou, com uma sessão solene realizada nesta quinta-feira (), a partir das 10 h, a memória do cardeal Aloísio Lorscheider, que foi presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e arcebispo de Fortaleza e de Aparecida, falecido em dezembro passado.
Ao presidir a sessão, o 1º secretário do Congresso, deputado Osmar Serraglio, chamou para compor a Mesa frei João Inácio Müller, provincial dos Franciscanos do Sul (província de dom Aloísio); dom Raymundo Damasceno Assim, arcebispo de Aparecida (SP) e presidente da Conferência Episcopal Latinoamericana; e dom José Freire Falcão, arcebispo emérito de Brasília.
Após citar os fatos mais marcantes dos 83 anos de vida de dom Aloísio, Serraglio afirmou que o Brasil ficou mais pobre depois do seu falecimento. Segundo o deputado, o país está cada dia mais carente de homens do porte do arcebispo, com coragem de defender seus ideais.
O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) destacou em seu discurso, que a trajetória de dom Aloísio, como ser humano, “foi excepcional”. Lembrou que o cardeal, mesmo no “anos de chumbo”, sempre lutou por questões que, na época, não estavam nos planos dos governantes, como a reforma agrária e a luta em favor das minorias.
Durante a cerimônia, que durou quase três horas, falaram os deputados Mauro Benevides e Ciro Gomes, além de Osmar Serraglio. Pelo Senado, discursaram Tasso Jereissati (PSDB-CE), Patrícia Saboya (PDT-CE), Pedro Simon (PMDB-RS), José Nery (PSOL-PA) e Mão Santa (PMDB-PI).
A solenidade também reuniu várias autoridades eclesiásticas militares e diplomáticas que conheceram dom Aloísio e se tornaram seus admiradores. Ao fundo da sala, uma imagem de telão mostrava dom Aloísio e seu lema episcopal preferido: “Na Cruz, a salvação e a vida”.
Confira a íntegra do discurso:
HOMENAGEM A DOM ALOISIO LORSCHEIDER
Senhor Presidente,
Senhoras e senhores senadores,
É com emoção que ocupamos hoje esta tribuna para homenagear um frade franciscano brasileiro que, com seu jeito tranqüilo e postura corajosa, desempenhou um papel crucial para a construção da democracia em nosso país, durante as duas décadas da ditadura militar e nos anos de normalidade política que se seguiram. Ainda muito jovem, tive a honra de conhecer Dom Aloísio Lorscheider, recém-nomeado Arcebispo de Fortaleza, minha cidade natal. No período compreendido entre 1973 e 1995, este sacerdote apoiou com enorme firmeza os movimentos sociais que despontavam em nosso Estado, e dos quais eu participava ativamente na qualidade de militante, ganhando assim o respeito e a estima da sociedade cearense, em especial dos segmentos mais pobres.
Sua atuação pastoral, que pude testemunhar ao longo de nosso convívio, foi caracterizada por um incansável compromisso com os valores republicanos: fraternidade, liberdade e igualdade. São tantas as iniciativas deste ser humano extraordinário que não caberiam neste curto pronunciamento. Portanto, senhores e senhoras Senadores, peço licença para me ater ao aspecto de sua trajetória que considero de maior relevância para o atual contexto político: a luta pelos direitos das camadas, histórica e socialmente discriminadas, em nossa nação e na América Latina.
Não por outra razão, Sr. Presidente, Dom Aloísio enfrentou diversas vezes os generais que dominavam o Brasil e os países vizinhos, sempre contestando os regimes ditatoriais que aqui se instalaram sob pressão do imperialismo norte-americano, o que lhe acarretou constrangimentos e, até mesmo, perseguições políticas.
Vale lembrar que, em um dos momentos mais tensos da ditadura militar, os anos de 1968 a 1978, este ilustre sacerdote ocupou a Secretaria-geral e, logo a seguir, por dois mandatos consecutivos, a Presidência do órgão máximo representativo do clero brasileiro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB. Desde o início, o desempenho marcante à frente desta entidade lhe granjeou admiração entre seus pares, que o elegeram Vice-presidente e Presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano/CELAM, em uma época igualmente de extrema violência em todo o Continente, de 1972 a 1978. Naquele momento, os órgãos de segurança brasileiros e latino-americanos recrudesciam a ofensiva contra padres e seminaristas, a exemplo do que ocorreu com o estimado Frei Tito, religioso cearense, e tantos outros presos e torturados por suas críticas ao totalitarismo e por suas convicções democráticas.
Srs. Senadores, para ilustrar a sensibilidade fora do comum e a determinação a enfrentar muitas lutas – duas características inerentes à figura de Dom Aloísio, recorro-me aqui de trechos de uma entrevista concedida pelo querido e amigo Padre Ermanno Allegri, diretor executivo do portal Adital-Brasil, que conviveu com Dom Aloísio num trabalho pastoral em Fortaleza por sete anos.
Nessa entrevista, Padre Ermanno relembra alguns momentos dessa convivência: Diz ele: “Sempre apreciei duas coisas ao trabalhar com Dom Aloísio. A primeira era a sua confiança nas pessoas e no trabalho pastoral que desenvolvia. Ao conversar sobre um determinado assunto, após ouvir e sugerir algumas coisas, ele dizia: “agora você vai lá e trabalha”. Essa atitude demonstrava a confiança que tinha nas pessoas para a execução de tarefas.
Continua o Padre Ermanno: “A segunda coisa que eu observava e também ouvia de outros colegas era sobre o seu aspecto humano, ou seja, a grandeza de Dom Aloísio era ser simplesmente humano. Ele sabia ouvir, conversar, prestava atenção no que as pessoas tinham a dizer. Essa atitude nos ajudava a perceber como o nosso trabalho poderia, sobretudo, ajudar o próximo. Afinal, se não partimos dessa humanidade, todo o discurso de fé cai por terra ou se torna um discurso que fica pairando no ar, sem uma sustentação real”.
Em seu testemunho sobre Dom Aloisio Lorscheider, Padre Ermanno relembra um dos vários trabalhos na capital cearense que levaram a marca muito especial da dedicação de Dom Aloisio: a criação do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, destinada a trabalhar em especial pelo direito à terra e à moradia da população de baixa renda de Fortaleza e região metropolitana. Essa entidade, que comemora 25 anos de existência, vem auxiliando sobremaneira muitas pessoas a construírem suas casas, e, principalmente, colaborando na mobilização por políticas públicas voltadas para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, o princípio franciscano de ajudar a todos os irmãos, sem distinções entre si, convivendo fraternalmente, encontrou em Dom Aloísio Lorscheider uma referência. Durante toda sua trajetória, ele permaneceu leal a esses princípios, manifestando sua simplicidade em todos os lugares onde levava sua mensagem: na periferia das grandes cidades; no campo, com o pessoal da roça; entre os mais humildes; ou entre notáveis autoridades. Desprovido de qualquer pretensão, Dom Aloísio dedicava-se a reacender a chama da vida onde, para muitos, restavam apenas cinzas.
Um fato revelador dessa aptidão excepcional ocorreu em 15 de março de 1994. Ao ser feito refém dos presos durante uma rebelião no Instituto Penal Paulo Sarasate, no Ceará, Dom Aloisio não apenas manteve-se calmo durante todo o tempo, negociando a libertação dos demais reféns e um fim pacífico para o motim, como ainda retornou ao presídio, para realizar a tradicional cerimônia de lava-pés dos mesmos detentos que o haviam ameaçado. Depois desse episódio, ele afirmou que sua vontade de ajudar os presos havia aumentado. Disse Dom Aloísio: “Para mim, aumentou o amor por essa gente, e a necessidade de dedicar-me mais ainda aos presidiários, que são os excluídos da sociedade.”
Sr. Presidente, finalizo este meu pronunciamento salientando que o grande legado de Dom Aloísio consiste, sem dúvida, em sua capacidade de olhar atentamente para os problemas da sociedade e no empenho em buscar soluções para eles, dando vazão à uma sensibilidade humana fora do comum. Essa atitude tão própria de Dom Aloísio, de buscar caminhos que de fato valorizem e dignifiquem o ser humano, deve prosseguir, ganhando espaço não só no âmbito de atuação da Igreja, mas também em todos os setores da sociedade.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.