Os rumos do festival Cine Ceará


Em entrevista ao Caderno 3, Wolney Oliveira fala sobre novidades e rumos do Cine Ceará e o atual momento do audiovisual no Estado. Apontando a necessidade de uma de retomada da produção de longas-metragens no Ceará, sustenta que o festival, mesmo se tornando ibero-americano, não restringe o espaço para a produção cearense. ´Ano passado tivemos o longa ´As Tentações do Irmão Sebastião´, do Zé Araújo, na mostra competitiva. Foi o único finalizado no Ceará e competiu. Este ano tem o meu longa na abertura. Se não tem mais nada, é porque não se tá produzindo como em anos anteriores´, credita. O cineasta critica a gestão passada da Secretaria de Cultura e diz que, apesar do arrocho financeiro nos primeiros meses de governo, está confiante na convergência de idéias entre o festival e a atual Secult, ambos interessados em um maior diálogo entre a cena cultural cearense e a América Latina. Confira a entrevista



Quais as novidades desta 17a edição do Cine Ceará?


A grande novidade é que a partir deste ano o festival adotará anualmente um tema relacionado a audiovisual e educação. Abrindo essa temática, faremos dois grandes seminários. O primeiro é sobre a Telesur, a TV feita em parceria pela Venezuela, Cuba, Bolívia, Colômbia, e que o Brasil tá entrando também. Traremos nomes como o Beto Almeida, diretor da Telesur no Brasil; o Aram Aharonian, diretor geral da Telesur; o Orlando Senna, que além de ser secretário nacional do Audiovisual é membro do Conselho Diretor da Telesur, e o senador Inácio Arruda, membro do parlamento do Mercosul e histórico apoiador do festival e do audiovisual cearense. Esse debate é pra que as pessoas conheçam o que é a Telesur, como é a programação, como podem ter acesso. O secretário (de Cultura do Governo do Estado) Auto Filho também estará compondo a mesa. Recebemos com surpresa e contentamento a proposta dele, de colocar o Ceará no link da cultura latino-americana. Uma proposta que o Cine Ceará já vem fazendo há mais de 10 anos, mas que no ano passado foi efetivada com o festival tornando-se ibero-americano. E vamos fazer também um seminário pra debater a importância do documentário como formação cultural e educativa. Tivemos nos últimos sete anos uma retomada mundial da produção de documentário, que também cresceu muito no Brasil. A gente tá trazendo três nomes: o Silvio Tendler, que fez um documentário sobre o geógrafo Milton Santos; o Vladimir Carvalho, que fez um documentário sobre José Lins do Rego, e o Marcos Vilar, que fez seu primeiro longa documentário, “O Senhor do Castelo”, sobre Ariano Suassuna.


E quanto às mostras de filmes?


Basicamente o formato continua o mesmo. O que vai mudar é que ano passado selecionamos 26 curtas. Este ano vão ser no máximo 16. Porque a gente não pode fazer uma programação que termine muito tarde, até por uma questão de acesso à Praça do Ferreira e de segurança. Logicamente, o Ceará vai ter um peso maior nessa seleção, em relação aos outros estados, até porque o festival é cearense e a gente tem que defender e divulgar a produção cearense. Não quer dizer que os curtas cearenses selecionados não vão ter condições de competir. Hoje o cinema cearense pode concorrer em qualquer festival do país ou do mundo. Os curtas vêm ganhando vários prêmios, com o Márcio Câmara, o Joy Pimentel, a Margarita Hernandez… A animação do Márcio Ramos, por exemplo, o “Vida Maria”, que tá ganhando vários prêmios, não posso anunciar porque não foi selecionada ainda, mas é uma tendência.


Você sempre destaca o Cine Ceará como um dos seis maiores festivais de cinema no País. Mas como está o evento este ano, dentro da disputa dos festivais por longas inéditos?


Bem, a gente vai selecionar de oito a nove filmes, com uma tendência de que seja selecionado um longa brasileiro e o restante de países ibero-americanos. E essa disputa entre os eventos continua. Os grandes festivais, Fortaleza, Gramado, Recife, Brasília, Rio, São Paulo, todos eles lutam por filmes inéditos. Agora, como o festival mudou o foco pra ibero-americano, a gente tem um diferencial em relação aos festivais do Nordeste. Recife continua brasileiro e o Ceará é ibero-americano. Logicamente, quando mais longa inédito, melhor. Ano passado tivemos 10 de 11 longas.


Apesar dessa diferenciação em relação ao festival de Recife, adotar uma abrangência ibero-americana não seria repetir o que já é feito no Festival de Gramado?


Não, porque essa história de festival ibero-americano não é gratuita. Eu me formei na Escola de Cinema de Cuba. O Marcus Moura, professor da Casa Amarela, também, a Jane Malaquias, o Amauri Cândido… O Ceará tem um intercâmbio fortíssimo com a escola. Então, não é uma forçação de barra. Se a gente analisar o histórico do Cine Ceará, a partir de 1995 a gente tinha a pré-estréias brasileiras e a mostra competitiva de curtas. Não era competitiva em longa. Em 96, criamos a Mostra Internacional dos Novos Talentos, pra diretores de qualquer país. A partir de 2000 temos mostra competitiva de longas brasileiros e retrospectiva de uma cinematografia de difícil acesso. Ano passado vimos que era fundamental a transformação em festival ibero-americano, por nossa locução com o cinema latino.


Mas esse leque mais amplo não traria também uma diminuição do espaço no festival pra produções nordestinas? Como ficam os longos cearenses, que já são tão poucos?


Concordo, a produção de longa no Ceará praticamente desapareceu. Quem continua heroicamente produzindo é o Rosemberg (Cariry) e eu. E mais ninguém. Por exemplo, o longa do Zé Araújo, “As Tentações do Irmão Sebastião”, que esteve no festival ano passado, é de 2001. O meu filme, “A Ilha da Morte”, também é de 2001. É muito tempo pra um filme! Nossa expectativa é que agora a Secult anuncie durante o festival o edital do Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo, uma conquista que tivemos durante o governo passado e que a gestão atual tá mantendo, com dois prêmios para longa no valor de R$ 600 mil. Agora, se você fizer uma comparação ao que foi, principalmente no período do (ex-secretário de Cultura) Paulo Linhares, que o foco da Secretaria da Cultura era o audiovisual, não tem como negar que foi o melhor momento da produção audiovisual no Estado. Hoje, enquanto Pernambuco e Bahia seguem produzindo, o Ceará teve uma queda brutal nos longas. Daí acho que não atrapalha o fato do festival ser ibero-americano. Ano passado tivemos o longa do Zé Araújo na competitiva. Foi o único finalizado no Ceará, e competiu. Esse ano tem o meu longa abrindo. Se não tem mais nada, é porque não se tá produzindo como em anos anteriores. Agora, sobre o Festival de Gramado, tem uma diferença grande. Acho absurdo que Gramado tenha mostras separadas para longas brasileiros e longas latinos, porque o cinema brasileiro não deve nada a ninguém.


Você destacou positivamente a sinalização do atual secretário de Cultura em incentivar um diálogo entre o Ceará e a América Latina. Mas que resposta vocês, do festival, vêm tendo até agora, considerando que o próprio Estado assume sua situação de dificuldade financeira?


Acho que o Auto Filho tem uma coisa muito boa, que é estar escutando todo mundo, colocando as cartas na mesa. A dificuldade não é nenhuma novidade, o próprio governo já colocou que a situação financeira do Estado só vai melhorar no segundo semestre. É um governo que só tem quatro meses, não dá ainda pra você ter uma avaliação. E tem a grande cobrança da população, que é a história da segurança. Mas acho que o Auto pode apresentar um bom resultado.


A gestão passada da Secult colocou várias vezes uma crítica, como política pública de cultura, à concentração de grande volume de recursos em um pequeno número de eventos de grande porte…


(Interrompendo) Eu sou totalmente contra a gestão passada. Leia-se bem, não o Lúcio Alcântara, sou amigo, tenho o maior respeito por ele. Agora, as minhas críticas à (ex-secretária de Cultura) Cláudia Leitão foram públicas, e eu continuo com a mesma visão. Acho que ela criou uma epidemia de “e-ventos” (com ênfase) que não vão se sustentar, que nem São Paulo nem Rio tem uma política de eventos como a que ela tentou implementar no estado. E as mudanças que ela implementou na Lei Jereissati não foram nada daquilo que foi discutido no Seminário Cultura XXI, feito pela própria Secretaria da Cultura, no início da gestão. Agora, eu critico, mas também reconheço o fato de ela, Cláudia, ter colocado no edital do Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo dois prêmios pra longa. Foi resultado de uma cobrança que ela atendeu. Parabéns pra ela. Sem o prêmio, acabou cinema cearense, não tem. Logicamente, a gente tem que procurar outros financiamentos. Quando fiz “Milagre em Juazeiro”, não tive nenhum centavo de nenhuma estatal. Até o final de 2002, nas tristes gestões do Fernando Henrique, a concentração de recursos pro audiovisual era de 80% no eixo Rio-São Paulo. A partir de 2003, no governo Lula, conseguimos recursos da Petrobras pela primeira vez. O Gil, o Ministério da Cultura, no governo Lula, fizeram um trabalho maravilhoso de descentralização geográfica dos recursos. No “Ilha da Morte” temos grana da Eletrobrás, do BNDES, de Furnas e dos Correios, quatro estatais, no total de quase um milhão de reais no filme, que tem um orçamento de três milhões. O Governo do estado entrou com R$ 500 mil, mas eu gastei aqui no Ceará mais de dois milhões, criando emprego, renda. Não dá pra você ver o audiovisual só como uma fórmula de gastar dinheiro. O audiovisual é também uma maneira de você trazer recursos pro Estado. Como o próprio Cine Ceará faz. A edição do ano passado custou de 1,8 milhão a dois milhões de reais. A nossa expectativa é captar em torno desse mesmo valor pra esse ano.


Qual o desafio do festival daqui por diante?


O desafio é o de sempre, de manter um evento 17 anos. Não é fácil. Todo ano é uma luta. O desafio é manter o evento.