A composição das comissões permanentes da Câmara dos Deputados confirmou o poderio de dois aspectos na hora da escolha dos presidentes e dos membros: a força dos acordos internos entre grupos políticos e a ligação econômica (totalmente legal, por meio de financiamento de campanha) entre os indicados e as grandes empresas de cada setor.
Por Maurício Hashizume, na Carta Maior
O deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), de apenas 28 anos, comandará a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), instância estratégica em que a triagem inicial relativa à normas constitucionais e os consensos preliminares para a tramitação das propostas legislativas são promovidos. O nome de Picciani resultou de uma exigência da bancada do PMDB do Rio de Janeiro, estado que mais elegeu deputados () no partido com maior bancada () da Casa.
Filho de Jorge Picciani, deputado estadual e presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o novo presidente da CCJ é sócio da empresa Agrovás Agropecuária Vale do Suiá S.A., proprietária da fazenda Agrovás, em São Felix do Araguaia, no Mato Grosso. Em junho de 2003, um grupo de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) flagrou 39 trabalhadores em condições análogas à escravidão na Agrovás (leia matéria sobre a denúncia e o relatório da inspeção). Desde então, a fazenda da família Picciani passou a constar da “lista suja” do trabalho escravo, da qual foi excluída apenas em 2005, diante da não reincidência do crime e da quitação das pendências trabalhistas (leia matéria do site Repórter Brasil).
Negociações internas do PT também acabaram determinando o nome do presidente da Comissão de Finanças e Tributação (CFT), outro importante e disputado cargo do Parlamento. Tido como nome certo para a vaga, o deputado Vignatti (PT-SC), tendência Articulação de Esquerda (AE), acabou perdendo a posição para o experiente Virgílio Guimarães (PT-MG), do Movimento PT – mesma corrente do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), mais próximos ao chamado Campo Majoritário do PT.
A preferência por Guimarães – que apresentou o publicitário Marcos Valério ao então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, mas nega qualquer participação no caso do chamado “mensalão” – fez parte de um amplo acordo que prevê uma alta rotatividade em postos estratégicos entre os parlamentares das diversas tendências. O líder do partido, por exemplo, será trocado ano a ano [Luiz Sérgio (PT-RJ), do Campo Majoritário, assumirá em 2007; em 2008, será a vez de outro representante do mesmo grupo, Maurício Rands (PT-PE), com a promessa de que os dois anos seguintes da Legislatura ( e 2010) ficarão por conta de outros deputados]. Vignatti acabou ficando com a relatoria do Plano Plurianual (PPA), enquanto os relatores da Lei Orçamentária Anual (LOA) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), serão José Pimentel (PT-CE), do Campo Majoritário, e Paulo Rubem Santiago (PT-PE), da tendência Democracia Socialista.
Em geral, porém, as comissões foram ocupadas por parcela significativa de deputados que receberam financiamento de empresas das respectivas áreas temáticas. Matérias publicadas nesta quinta-feira () pelo jornal Correio Braziliense, apresentam um cruzamento desses dados. “A Comissão de Minas e Energia conta com uma aguerrida bancada de deputados financiados por mineradoras. Na de Agricultura, predominam os parlamentares bancados por empresas de fertilizantes, agrotóxicos e produtos similares. Na de Finanças, marca presença a bancada dos bancos. E nas comissões que lidam com obras públicas o mais difícil é encontrar parlamentares que não tenham recebido alguma contribuição de construtoras”, crava o diário da capital nacional.
Na Comissão de Viação e Transportes da Câmara, que será presidida pelo ex-ministro Eliseu Padilha (PMDB-RS) – acusado de desvios de recursos públicos por meio de precatórios (leia artigo sobre o tema) em sua gestão durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) -, 11 dos 18 titulares receberam contribuições de campanha de empresas do setor, relata o Correio. No total, segue o jornal, “foram R$ 3,9 milhões para 27 deputados que assumiram a Comissão de Viação e Transportes da Câmara”. “Apenas um grupo de seis deputados mineiros titulares da comissão recebeu R$ 1,84 milhão”, completa.
Integrante da bancada ruralista, o deputado Marcos Montes (PFL-MG) foi eleito para presidir a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. “Nada menos que 15 dos 40 titulares e mais nove suplentes da Comissão de Agricultura foram financiados por empresas que têm sua atividade regulada por ela como produtores de fertilizantes e agrotóxicos. As doações do setor agrário apenas para integrantes dessa comissão somam R$ 5,2 milhões”, contabiliza o Correio.
“Na Comissão de Minas e Energia, a maior bancada é pluripartidária, formada pelos deputados que receberam doações de empresas ligadas à Vale do Rio Doce. São oito titulares e seis suplentes. A Vale investiu R$ 25 milhões durante a campanha e ajudou a eleger 46 deputados federais. Um terço deles foi parar na comissão que cuida do setor de mineração”, continua o texto publicado na edição desta quinta-feira (). O próprio presidente da comissão, José Otávio Germano (PP/RS), recebeu R$ 100 mil da Gerdau Aços Longos S/A, de acordo com levantamento da prestação de contas enviada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Presidente da Comissão de Segurança Pública, o delgado de polícia civil João Campos (PSDB-GO), que recebeu recursos da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), da Taurus e de outras empresas de segurança disse à Folha Online que a culpa é da legislação eleitoral. “O sistema brasileiro criou essa situação, é natural que tenha relação com empresas ligadas à atividade parlamentar. Não teria como negociar com um laboratório químico, por exemplo”, afirmou.
Confirmado na presidência da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, o deputado Wellington Fagundes (PR-MT) foi citado pelo empresário Luiz Antônio Vedoin como um dos participantes do esquema da “máfia das sanguessugas”. Fagundes, que recebeu cerca de R$ 155 mil de empresas do setor industrial para a sua campanha no ano passado, nega.
O tucano Júlio Semeghini (PSDB-SP), novo presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação, também teve a campanha financiada por empresas do ramo. Semeghini (SP) declarou à mesma Folha Online que atua há oito anos na comissão e que as doações de empresas ligadas à área se devem ao fato de que seus projetos atraíram investimentos e beneficiaram o setor. “Isso incentivou as empresas a fabricarem no Brasil. Por ser conhecedor do setor, posso ser interlocutor com a sociedade”, disse.
A relação dos outros presidentes de comissões tem ainda: Amazônia – Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM); Defesa do Consumidor – Cezar Silvestri (PPS-PR); Desenvolvimento Urbano – Zezéu Ribeiro (PT-BA); Educação e Cultura – Gastão Vieira (PMDB-MA); Fiscalização Financeira – Celso Russomanno (PP-SP); Legislação Participativa – Eduardo Amorim (PSC/SE); Meio Ambiente – Nilson Pinto (PSDB/PA); Relações Exteriores – Vieira da Cunha (PDT-RS); Seguridade Social – Jorge Tadeu Mudalen (PFL-SP); Turismo – Lídice da Mata (PSB-BA); Trabalho – Nelson Marquezelli (PTB-SP); e Direitos Humanos – Luiz Couto (PT-PB).
Couto foi reeleito com uma campanha que arrecadou R$ 175 mil, dos quais cerca de R$ 120 mil saíram do seu próprio bolso, sem ajuda financeira de nenhuma empresa. As outras doações foram feitas por pessoas físicas ou por comitês de outros candidatos – a campanha de Lula para a Presidência da República destinou R$ 27 mil para a campanha de Couto. “O Congresso é a cara da sociedade. A influência do poder econômico na sociedade se reflete no Parlamento”, coloca o presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Na opinião dele, a transparência é fundamental para evitar que essa relação entre o poder político e o econômico acabe resultando em prejuízo ao interesse público. Por isso, apresentou projeto para acabar com o segredo de Justiça para processos envolvendo desvios de dinheiro público. “A população precisa ter acesso a isso. O eleitorado escolheu quem está aqui”. Na outra ponta, sugere, é urgente que sejam tomadas medidas para coibir a impunidade.
A Reforma Política que sempre aparece como prioridade nas falas nos parlamentares não pode deixar de tocar, na visão de Couto, em alguns pontos específicos. “A maioria das indicações são definidas por critérios como o carreirismo e o corporativismo da classe política. Precisamos dar mais valor a outros aspectos”.
Agência Carta Maior