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PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 70 DE 2007
Institui a Política Nacional de Combate e Prevenção à Desertificação e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta lei institui a Política Nacional de Combate e Prevenção à Desertificação, a qual tem por objetivos:
I – apoiar o desenvolvimento sustentável nas áreas susceptíveis à desertificação, por meio do combate à pobreza e às desigualdades sociais, do estímulo ao uso sustentável dos recursos naturais, da conservação do meio ambiente e do fomento de uma prática agrícola adaptada às condições ecológicas locais;
II – prevenir a desertificação em áreas de risco e recuperar as áreas afetadas, em todo o território nacional;
III – instituir mecanismos de proteção, conservação e recuperação de vegetação e de solos degradados, nas áreas de risco ou afetadas pela desertificação;
IV – estimular a política de gestão de recursos hídricos que assegure a necessária integração territorial dessa gestão às ações de prevenção e combate à desertificação, articulando adequadamente os diferentes usos da água e a proteção do ambiente;
V – estimular o desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas voltadas ao aproveitamento sustentável dos recursos locais;
VI – fomentar pesquisas e a ampliação do conhecimento sobre o processo de desertificação e a ocorrência de secas no Brasil;
VII – promover a agricultura alimentar e a segurança alimentar nas áreas de risco ou afetadas pela desertificação;
VIII – promover a educação ambiental das comunidades afetadas e dos diferentes setores da população, inclusive gestores, sobre o problema da desertificação e sobre a promoção de tecnologias sociais de convivência com a seca;
IX – fortalecer as instituições responsáveis pelo combate à desertificação;
X – fomentar os sistemas agroecológicos, bem como a diversificação de produtos destinados ao consumo familiar e ao mercado.
Parágrafo único. Para efeitos desta Lei, entende-se por desertificação a degradação das terras nas zonas semi-áridas e sub-úmidas secas resultante de fatores diversos, entre os quais as variações climáticas e as atividades humanas capazes de causar redução ou perda da complexidade do solo e da produtividade biológica ou econômica.
Art. 2º A Política Nacional de Combate e Prevenção à Desertificação deverá ser implantada com base nos seguintes princípios:
I – participação das comunidades afetadas ou situadas em áreas de risco no processo de elaboração e de implantação das ações de combate à desertificação;
II – democratização do acesso à terra e à água;
III – incorporação do conhecimento tradicional sobre uso sustentável dos recursos locais;
IV – planejamento das ações com base na bacia hidrográfica, em sintonia com as disposições do Plano da Bacia Hidrográfica;
V – integração entre ações locais, regionais e nacionais, visando otimizar a aplicação dos recursos financeiros;
VI – articulação com os programas dos diversos ministérios que tenham ações afins com a Política Nacional Prevenção e Combate à Desertificação e o Programa Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-BRASIL), em especial aqueles dedicados à erradicação da pobreza, à reforma agrária e à conservação ambiental;
VII – cooperação entre órgãos de governo e organizações não-governamentais.
VIII – estímulo às inter-relações entre os procedimentos de aplicação da Política Nacional de Combate e Prevenção à Desertificação em consonância com a Convenção de Combate à Desertificação (CCD) e as convenções para a Conservação da Biodiversidade e Mudanças Climáticas.
Art. 3º Cumpre ao Poder Público:
I – diagnosticar o avanço do processo de desertificação e degradação ambiental nas áreas afetadas;
II – definir um plano de contingência para mitigação dos efeitos da seca;
III – definir Sistema de Alerta Precoce para a Seca;
IV – ampliar e alargar os apoios à manutenção dos sistemas agrícolas tradicionais geradores de externalidades ambientais positivas;
V – estimular o extrativismo sustentável e controlar a superexploração dos produtos florestais, em especial a extração de lenha;
VI – divulgar informações e capacitar as comunidades locais para a participação na tomada de decisões;
VII – capacitar os técnicos em extensão rural no tocante a sistemas de agricultura familiar e de agricultura ecológica;
VIII – facilitar o acesso dos pequenos produtores a fontes de financiamento e ampliar o crédito subsidiado para implantação e melhoria da infra-estrutura produtiva e de aquisição equipamentos;
IX – promover a instalação de sistemas de captação e uso da água da chuva em cisternas e barragens, entre outras tecnologias, para abastecimento doméstico de comunidades difusas;
X – implantar bancos comunitários de sementes de variedades tradicionais adaptadas à instabilidade climática e aos agroecossistemas, abastecidos pelos próprios produtores locais;
XI – promover a troca de saberes entre técnicos extensionistas e agricultores, para disseminação de tecnologias de convivência com o semi-árido;
XII – estimular a constituição de agroindústrias artesanais e familiares;
XIII – implantar programas de educação voltados ao desenvolvimento de práticas agrícolas ambientalmente saudáveis, do associativismo, do cooperativismo e da agricultura orgânica;
XIV – promover o desenvolvimento de agroindústrias baseadas em alimentos ambiental e culturalmente adaptados ao semi-árido;
XV – implantar feiras de produtos agroecológicos de agricultura familiar;
XVI – ampliar as ações de saneamento ambiental nas cidades de pequeno e médio porte, especialmente na zona rural;
XVII – implantar tecnologias de re-utilização da água, em zonas urbanas e rurais;
XVIII – criar e implantar unidades de conservação da natureza, de proteção integral e de uso sustentável;
XIX – estimular a manutenção e a recuperação das áreas de preservação permanente e de Reserva Legal, nos termos da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que instituiu o Novo Código Florestal;
XX – reforçar e apoiar o fortalecimento de sistemas de prevenção de incêndios florestais.
Art. 4º Nas áreas susceptíveis à desertificação, a reforma agrária deverá priorizar as terras próximas a cursos de água e a obras hídricas e acessíveis aos mercados, assim como as áreas onde se constate trabalho escravo ou o plantio de produtoras de substâncias psicotrópicas.
Art. 5º No tocante à agricultura irrigada, o Poder Público deverá:
I – nas áreas suscetíveis à desertificação promover, o levantamento das áreas com potencial irrigável;
II – diagnosticar as áreas cujos solos sejam suscetíveis à salinização e acúmulo de compostos de sódio;
III – fomentar a recuperação de solos afetados por salinização e acúmulo de compostos de sódio;
IV – promover a agricultura familiar nos perímetros irrigados de projetos governamentais;
V – difundir tecnologias poupadoras de água e controlar o desperdício de água nas áreas irrigadas;
VI – promover o uso de sistemas eficientes de drenagem, nas áreas suscetíveis a salinização.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor cento e oitenta dias após a data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
O Brasil é um dos cem países que assinaram a Convenção Internacional de Combate à Desertificação e à Seca, que foi promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1993/1994. Essa Convenção foi adotada em continuidade à implementação das metas da Agenda 21.
Segundo a Agenda 21, define-se desertificação como "a degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas resultantes de fatores diversos tais como as variações climáticas e as atividades humanas" e degradação da Terra como "a degradação dos solos e dos recursos hídricos; a degradação da vegetação e da biodiversidade; e a redução da qualidade de vida da população afetada".
Os estados brasileiros mais afetados e mais sujeitos à desertificação de suas terras são do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo. As áreas do País, suscetíveis de desertificação e que se enquadram na Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação ocupam uma área total de 980.711,58 km2, o que representa 11,5 % do território nacional.
Apesar do grande potencial produtivo dessas regiões, fatores históricos e estruturais vêm condicionando seus padrões de organização social e exploração dos recursos naturais, provocando perdas econômicas e ambientais significativas, destruindo a produtividade da terra e contribuindo para o aumento da pobreza.
O desmatamento, que além de comprometer a biodiversidade, deixa os solos descobertos e expostos à erosão, ocorre como resultado das atividades econômicas, seja para fins de agricultura de sequeiro ou irrigada, seja para a pecuária, quando a vegetação nativa é substituída por pasto, seja diretamente para o uso da madeira como fonte de energia (lenha e carvão).
O uso intensivo do solo, sem descanso e sem técnicas de conservação, provoca erosão e compromete a produtividade, repercutindo diretamente na situação econômica do agricultor. A cada ano, diminuem a colheita, possibilidades de acumular reservas de alimentos para o período de estiagem. É comum verificar-se, no semi-árido, a atividade da pecuária ser desenvolvida sem levar em conta a capacidade de suporte da região, o que pressiona tanto pasto nativo como o plantado, além de tornar o solo endurecido, compacto.
A irrigação mal conduzida provoca a salinização dos solos, inviabilizando algumas áreas e alguns perímetros irrigados do semi-árido: o problema tem sido provocado tanto pelo tipo de sistema de irrigação, muitas vezes inadequado às características do solo, quanto, principalmente, pela maneira como a atividade é executada, fazendo mais um umedecimento que uma irrigação.
Além de serem correlacionados, esses problemas desencadeiam outros, de extrema gravidade para a região. É o caso do assoreamento de cursos d´água e reservatórios, provocado pela erosão, que, por sua vez, é desencadeada pelo desmatamento e por atividades econômicas desenvolvidas sem cuidados com o meio ambiente.
Em decorrência da degradação ambiental, os problemas econômicos crescem, principalmente no setor agrícola, com o comprometimento da produção de alimentos, além do custo quase incalculável de recuperação da capacidade produtiva de extensas áreas agrícolas e da extinção de espécies nativas.
Com o empobrecimento das regiões atingidas pela desertificação, estas se tornam frágeis frente às outras regiões do País, provocando a superexploração dos recursos disponíveis e a perda de seus técnicos que migram, principalmente, para o Sudeste, dificultando, ainda mais, a busca de soluções. Dentro desta perspectiva, pode-se esperar um aumento significativo de desnutrição, falência econômica, baixo nível educacional e concentração de renda.
Com isso, a população tende migrar para os maiores centros urbanos. Procurando condições mais favoráveis de sobrevivência, esses migrantes promovem o agravamento dos problemas de infra-estrutura (transporte, saneamento, abastecimento, dentre outros) já existentes nesses centros urbanos, além do impacto sobre oferta de emprego, educação, moradia e desestruturação das famílias.
Historicamente, as políticas públicas têm investido recursos financeiros para o combate à seca. No entanto, tais políticas têm se mostrado pouco eficientes para mudar a realidade da sofrida população nordestina. Um dos principais erros é considerar a seca um problema e buscar soluções somente quando ela já está instalada.
A seca é um fator climático natural daquela região e, portanto esse fator deve ser considerado na elaboração de todas as políticas públicas agrícola, de preservação ambiental, macroeconômicas, de expansão urbana, entre outras.
O que a região do Polígono das Secas precisa é ter instrumentos e recursos financeiros para conviver com o clima semi-árido. Muitas experiências bem sucedidas já foram realizadas pelas comunidades afetadas e temos vários centros de referência aptos a dar suporte técnico para a elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento econômico e social sustentável naquela região, diminuindo o impacto negativo do clima.
Pelas razões expostas consideramos de elevada importância a participação dos nobres parlamentares no esforço para a aprovação do presente projeto de lei.
Sala das Sessões,
Senador INÁCIO ARRUDA
SENADO FEDERAL
GABINETE DO SENADOR INÁCIO ARRUDA PCdoB-CE