A última loa


A sede do maracatu Az de Ouro, no bairro Jardim América, viveu, ontem, um dos dias mais tristes de sua história. Entre fantasias, adereços e estandartes foi realizado o velório do Mestre Juca do Balaio, símbolo da agremiação. Aos 83 anos, o balaieiro morreu, às 2h15min da madrugada, ali mesmo, onde também morava com a família


O caixão chegou ao número 395 da rua Edith Braga no final da manhã debaixo de palmas. Até o sol parecia querer se esconder para demonstrar seu pesar. Em poucos minutos foi cercado por amigos e familiares, dentre os quais o mais emocionado era o irmão do Mestre, José Gomes Barbosa. “Tão querido, meu Deus, só fazia o bem e a alegria das pessoas!”, lamentou ele debruçado sobre o caixão, que, à tarde, foi transferido para o Palácio da Abolição. O enterro aconteceu no início da noite no Cemitério São João Batista.


Mestre Juca, cujo nome de batismo era Joaquim Pessoa de Araújo, vinha lutando contra um câncer de próstata fazia três anos. Nos últimos seis meses, contudo, é que a doença passou a dar sinais mais claros de que o venceria. “Apesar do tratamento, ele estava sofrendo muito, com dores constantes”, contou o sobrinho e presidente do Az de Ouro, Marcos Gomes. “Como se entoasse uma loa pela última vez, ele ergueu os braços minutos antes de morrer. Era um forte”.


O Carnaval deste ano foi o primeiro no qual Mestre Juca não desfilou em 60 anos. Debilitado, apenas assistiu as agremiações e escolas de samba desfilarem em sua homenagem. Em fevereiro, também foi lembrado num evento realizado no Theatro José de Alencar.


Para Marcos, mesmo com as dificuldades enfrentadas pelo tio na defesa do maracatu, ele morreu feliz com o reconhecimento. “Mestre Juca costumava dizer que queria ser homenageado em vida. E foi”, disse. “A morte dele só servirá para fortalecer nossa luta pela cultura”.


“Um perda irreparável”. Era o que repetiam durante o velório o casal de pretos velhos da Az de Ouro, Eliane Souza e Alexandre Costa. “A sensação é de vazio. A matéria pode ter partido, mas o espírito dele vai continuar aqui quando estivermos preparando as fantasias para o próximo Carnaval”, ressaltou ela.


O presidente do Maracatu Vozes D’África, Cláudio Correia, mal conseguia conter as lágrimas e revelou ter perdido um amigo. Segundo ele, Juca era um referencial de cultura para o Estado e que serviu como exemplo para diversas gerações de balaieiros, que terão a partir de agora a missão de continuar o trabalho do Mestre.


Para Cláudia Leitão, secretária de Cultura do Estado, o Ceará está de luto. “Mestre Juca era um ícone do nosso patrimônio imaterial; o mais antigo brincante de Fortaleza. Ele tinha a consciência da importante manifestação do Carnaval. A arte dele não se separava de sua vida. Até o final, sobreviveu e viveu da arte”, declarou. “Mestre Juca não morre, ele se encanta e fica como referência de mestre no mundo imaterial.


O mundo está muito indelicado. Precisamos valorizar esses líderes afetivos que trabalham a solidariedade e o compartilhamento, sem qualquer intelectualização teórica”.