Escolha de Mantega sinaliza prioridade para o desenvolvimento


Guido Mantega é um professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (SP), com perfil predominantemente técnico. Sua segunda frase na primeira coletiva de imprensa depois de ser indicado ministro da Fazenda foi “A política econômica não mudará”. Diz-se em Brasília que sua indicação se deveu à reação negativa dos círculos financeiros em relação ao senador Aloizio Mercadante (PT-SP), outro nome que chegou a ser cogitado.


Porém Mantega é também é também um homem de convicções próprias. Como presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), manteve o rumo desenvolvimentista implantado por seu antecessor, Carlos Lessa. E ainda este mês comprou uma ácida polêmica pública com um dos principais membros da equipe de Palocci, Joaquim Levy (secretário do Tesouro Nacional), quando este tentou mostrar o salário mínimo como vilão dos gastos públicos.


Para inácio, “um bom sinal”


O líder do PCdoB na Câmara, deputado Inácio Arruda (CE), avalia que a indicação de Mantega para a Fazenda é um “forte indicativo” da opção do governo pelo desenvolvimento. “Mesmo que Mantega não pressione para mudanças com velocidade, a indicação do nome dele é um bom sinal”, afirmou Inácio. O deputado lembrou que as declarações de Mantega sempre foram de críticas as taxas de juros altas, que impedem o crescimento.


“O presidente Lula agiu corretamente ao substituir Palocci por Mantega, sinalizando para o conjunto da sociedade brasileira que o desenvolvimento é a questão-chave para o Brasil”, disse Inácio. E mostrou que, mais de uma vez, Mantega notabilizou-se por defender metas de desenvolvimento mais ousadas. O líder comunista comenta, no entanto, que “mudanças substanciais na política econômica não acontecem da noite para o dia”.


Polêmica com Levy: “Nenhum burocrata…”


A polêmica Mantega-Levy ajuda a lançar luz sobre o novo ministro da Fazenda.


Pouco depois do carnaval, a secretaria do Tesouro — dirigida por Levy — divulgou nota detalhando os componentes do gasto público em 2005. Ao interpretá-los a nota chamava a atenção para o peso das despesas decorrentes da elevação do salário mínimo. Mantega retrucou que esta era uma visão “não sintonizada” com a política do governo. Levy fez a tréplica.


O contra-ataque de Mantega veio com um vigor de fazer inveja à ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), outra que andou comprando brigas com a equipe da Fazenda. Ele criticou Levy por ter “uma visão conservadora, que não está sintonizada com a política social do governo Lula”.


“Eu contesto os dados do estudo, pois ele estão equivocados”, afirmou, sobre a nota da Secretaria do Tesouro. “Este governo deliberadamente tem por objetivo elevar o valor do salário mínimo e executar os programas sociais. Isto é o que diferencia este governo. Nenhum burocrata pode impedir que o presidente o faça. Quem for contra isso está em outro governo e não neste”, acrescentou.


O papel do “esqueleto” de FHC


Para Mantega, Levy não levou em conta outros gastos públicos, decorrentes de “esqueletos” deixados pela administração anterior. “Havia um esqueleto da época do governo Fernando Henrique Cardoso, que este governo foi obrigado a pagar”, explicou. Em 2005 o “esqueleto” custou entre R$ 5,5 bilhões e R$ 6 bilhões; seu custo total foi estimado em R$ 11 bilhões.


O então presidente do BNDES qualificou de “um grande equívoco” Levy dizer que os gastos previdenciários subiram 16% por causa do salário mínimo. “Se o custo do esqueleto for descontado do total das despesas da Previdência Social em 2005, verifica-se que a elevação dos gastos provocada unicamente pelo aumento do salário mínimo foi bem menor”, argumentou.


Para Mantega, o presidente tinha que cumprir sua promessa de campanha de elevar o salário mínimo e ampliar os programas sociais. “A estratégia definida pelo presidente Lula foi a de promover o crescimento econômico com maior criação de emprego e melhor distribuição de renda. Este é o novo modelo de crescimento”, disse.


Mantega também criticou a tese de Levy sobre uma contradição entre reduzir juros e elevar o salário mínimo, por causa do impacto sobre a demanda agregada. “A taxa de juro não tem nada a ver com salário mínimo. Fazer essa relação é sofisma, é forçação de barra”, disparou. “O Banco Central tem espaço para reduzir ainda mais as taxas de juros, mesmo com os aumentos que estão sendo dados ao mínimo”, defendeu.


De malas prontas


O mesmo Levy declarava ontem à Agência Estado que Guido Mantega será “um ótimo ministro”. Mas Levy deve deixar seu cargo na Fazenda dentro de alguns dias, para assumir uma vice-presidência no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), com sede em Washington, DC.


O secretário-executivo do ministério, Murilo Portugal, segundo homem depois do ministro na hierarquia do ministério, pediu exoneração do cargo imediatamente depois da nota de Palocci. O mesmo ocorreu com o assessor de imprensa, Marcelo Netto, suspeito de ter vazado para a revista Epoca o extrato bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa.


Outras passagens


Guido Mantega, 56 anos, participa desde o início do primeiro escalão do governo Lula. Inicialmente foi ministro do Planejamento. Elaborou então o projeto do Plano plurianual 2004 a 2007, onde defendeu que o superávit primário (dinheiro que o governo arrecada mas reserva para pagar juros) não tivesse uma meta fixa de 4,25% do PIB, mas variasse dependendo do desempenho da economia — o chamado superávit anticíclico. A idéia foi derrotada na equipe da Fazenda.


Em novembro de 2004 Lula transferiu-o para a presidência do BNDES, no que ele considerou “uma promoção” devido ao orçamento do banco, de R$ 60 bilhões. No BNDES, deu continuidade à linha do presidente anterior, Carlos Lessa, que deixou o cargo depois de trombar com a Fazenda.


No início de 2005, envolveu-se em outro debate público com , Joaquim Levy e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Dessa vez o ponto de desacordo era a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo, aplicada aos empréstimos do BNDES). Para Levy e Meirelles, créditos direcionados como os do BNDES tiram eficácia da política monetária. Mantega respondeu que “seria uma catástrofe eliminar o crédito direcionado”, pois isto atingiria a agricultura, toda a política industrial e todos os créditos atrelados à TJLP, aumentando a média da taxa de juros cobrada na economia.


O substituto de Palocci é também, ao lado de Marcadante, o economista mais próximo de Lula. Foi membro da Coordenação do Programa Econômico do PT nas eleições presidenciais de 1989, 1994, 1998 e 2002. Em 1989-1992, participou da administração de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo. É autor de livros como “Economia Política Brasileira” (), “Acumulação monopolista e crises no Brasil” () e “Conversas com economistas brasileiros” ().