Em temporada na Caixa Cultural, a cantora Ithamara Koorax encontra o filho de Baden Powell, Marcel, para reler a obra de Vinicius de Moraes
No início dos anos 1960, Vinicius de Moraes recebeu do compositor Carlos Coqueijo um disco de sambas-de-roda e cantos de candomblé. Recheado de batuques, toques de berimbau e cânticos em uníssono, o presente comprado na Bahia marcou a vida do Poetinha, que não o tirava da vitrola. Aquele mesmo som, cheio de africanidade, embalou muitos dias e noites divididas por ele com o violonista Baden Powell, que, na época, também viajara até Salvador para conviver de perto com o candomblé.
Essa dose forte de religiosidade e música cheia de percussão abriu um veio novo na cabeça dos compositores, que se sentiram impulsionados a criar algo naquela linha. Primeiro veio “Canto de Pedra Preta”, que já anuncia “Pandeiro quando toca faz Pedra preta chegar”. Em seguida, em torrente, saíram “Berimbau”, “Samba da benção”, “Canto de Ossanha” e outras que foram registradas no mítico Os Afro-sambas de Baden e Vinicius, disco lançado em 1966.
Considerado o cume da obra de ambos, o disco ganha uma releitura íntima feita pela cantora Ithamara Koorax ao lado do violonista Marcel Powell, que será apresentada de hoje a domingo na Caixa Cultural de Fortaleza. Incluído numa programação que celebra o centenário de Vinicius de Moraes (fechado em 2013), o show Sambas para Vinicius inclui outros momentos luminosos da obra do poeta, como “Insensatez”, “Garota de Ipanema” e “Chega de saudade”.
Ithamara Koorax
Niteroiense reconhecida como uma das melhores vozes de jazz no mundo, Ithamara Koorax conheceu os afro-sambas em separado, através de versões de Luiz Eça, Sivuca e outros. Já o disco completo, ela só ouviu em 2006, quando coincidiu o lançamento de uma edição japonesa junto com uma turnê dela pela Ásia. “Foi aí que me apaixonei por ‘Bocochê’, música que acabei gravando ao fazer uma participação especial num disco do cantor Marcos Ozzellin”, lembra a cantora, por email.
Ithamara conta que conheceu Marcel Powell há cerca de três anos e já dividiram o palco diversas vezes. Já Baden Powell, ela conheceu ainda no início da carreira e até fizeram um especial para a extinta TV Manchete. De Vinícius, a intérprete elege as parcerias com o maestro Cláudio Santoro (1919 – 1989) como suas preferidas. “Vinicius foi, provavelmente, o mais importante letrista da música brasileira, em especial do período da bossa nova. Mas, na verdade, a obra dele transcende a bossa”, explica.
Marcel Powell
Já Marcel Powell, como filho de Baden, teve mais oportunidade de conviver de perto com as composições do pai e do poeta. “Aprendi a admirar o Vinicius através do meu pai, que sempre falava dele em casa, e através das composições que sempre tocávamos. Não conheci o Vinicius, mas é como se tivesse conhecido, pois através do meu pai me sentia bem próximo dele”, conta o violonista. Seu contato com os afro-sambas aconteceu na década de 1990, quando Baden regravou o disco clássico já sem o parceiro. A ideia era compensar as falhas técnicas que o original trazia por conta das limitações da época. “Lembro bastante do entusiasmo do meu pai convidando os amigos pra ouvir o disco. A casa ficou cheia. É uma boa lembrança que tenho”.
SERVIÇO
Sambas para Vinicius
Quando: quinta-feira, 29, a sábado, 31, às 20h; domingo, 1º/6, às 19h
Onde: Caixa Cultural Fortaleza (av. Pessoa Anta, 287 – Praia de Iracema)
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). À venda no local
Telefone: 3453 2770
SAIBA MAIS
Perfis e homenagens
Ithamara Koorax nasceu em Niterói e começou a carreira musical nos anos 1990, apadrinhada por Elizeth Cardoso. Foi considerada pela revista americana Downbeat, especializada em jazz, como a quarta melhor voz de jazz do mundo. Entre os 19 discos que lançou no Brasil e no exterior, o destaque fica para Bim bom (2009), onde regrava as raras composições de João Gilberto.
Filho e herdeiro artístico de Baden Powell, Marcel começou a carreira de violonista ao lado do pai, num disco de 1994 que também contava com o irmão Philippe. Francês de nascimento, Marcel também dividiu trabalhos com Maria Bethânia, Cauby Peixoto, Emílio Santiago. Seu último disco é uma homenagem a Zé Kéti feita ao lado do cantor Augusto Martins.
Até o mês de julho, a Caixa Cultural homenageia o centenário de Vinicius de Moraes com três eventos. Além do tributo feito por Ithamara Koorax e Marcel Powell, a cantora Vânia Bastos apresenta Poeta da canção, entre os dias 5 e 8 de junho. No show, a paulista faz um apanhado das canções do Poetinha que ela já gravou e junta com outras inéditas em sua voz. A terceira homenagem fica por conta da exposição O Haver. O artista gráfico Elifas Andreato convidou 14 nomes na música brasileira, como Chico Buarque e Toquinho, para criarem canções inspiradas no poema “O Haver”. Unindo música e artes visuais, a exposição fica até julho.