Pronunciamento do Senador Inácio Arruda, em homenagem ao centenário de nascimento do Poeta Patativa do Assaré.


Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, quero registrar que, desde domingo, dia 1º de março, até amanhã, dia 5 de março, da Serra de Santana até a sede do Município de Assaré, não se fala em outra coisa senão em Patativa, um dos maiores poetas da língua portuguesa. Não esteve em nenhuma academia – não que não merecesse –, mas é um imortal. Está imortalizado pela sua obra fabulosa.

E quero registrar este momento, porque amanhã ele completaria exatamente 100 anos, e esta data não poderia passar em branco no Senado da República. Farei o maior esforço frente às nossas atribuições no Senado da República e farei o maior esforço para, amanhã, estar em Assaré para, junto com o povo cearense, fazer essa festa popular de homenagem a Patativa.

Sr. Presidente, acho que todos nós deveríamos reverenciar essa figura, porque o considero assim um grande imortal das letras. Ele não podia nem escrever, porque teve seis meses de escola só na vida, mas transformou-se num dos maiores poetas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para registrar o centenário de nascimento do poeta Patativa do Assaré. Reverenciar sua memória significa preservar o alcance universal da obra desse cearense que sempre teve, em sua terra natal, sua fonte de inspiração. Poucas vezes a frase “se queres ser universal, fala da tua aldeia” foi tão bem representada, a frase de Tolstoi, do russo, e, mais do que isso, tão esplendidamente vivida quanto em Patativa do Assaré.

Dizia ele:
Seu doutor, me dê licença
Da minha história contar
Hoje eu tô em terra estranha
E é bem triste o meu penar
Eu já fui muito feliz
Vivendo no meu lugar
Eu tinha cavalo bom
Gostava de campear
Todo dia eu aboiava
Na porteira do curral
Eeeeeiaaa, êeeeeee, vaca Estrela
Ôooooo, boi Fubá.

Nascido Antônio Gonçalves da Silva, em 5 de março de 1909, num sítio na Serra de Santana, a três léguas distante do Município de Assaré, Patativa era o segundo filho do agricultor Pedro Gonçalves da Silva e de Maria Pereira da Silva. Aos oito anos, já órfão de pai, precisou deixar a escola para, com o irmão mais velho, prover o sustento da família, cultivando a terra herdada do pai.

Aos 13 anos, já compunha versos para divertir familiares e vizinhos; aos 16, tornou-se violeiro e cantador em festas e celebrações religiosas; aos 21 anos, migrou para Belém do Pará, onde se destacou e ganhou o apelido de Patativa – pássaro conhecido na região pela beleza de seu canto –, que o acompanharia para o resto de seus dias e se prolongaria para muito além, por meio de sua obra. Na mesma ocasião, Patativa obteve seu primeiro reconhecimento “por escrito”, pelo também cearense José Carvalho de Brito, autor da obra O matuto cearense e o caboclo do Pará. Depois da experiência no Norte do País, retornou à sua terra, onde permaneceu pelo resto da vida a compor seus versos e canções.

Embora admirado por aqueles que tomavam contato com sua obra, a projeção maior de Patativa do Assaré só ocorreu em 1956, com a publicação do livro de poesias Inspiração Nordestina. Outras coletâneas foram editadas, respectivamente: em 1966, Cantos do Patativa; em 1970, Patativa do Assaré. Mas foi com Cante Lá que eu Canto Cá, de 1978, depois de ser provocado por poetas acadêmicos, que se deu o maior reconhecimento de sua genialidade. Sempre com a intervenção de seus admiradores, que organizaram os volumes, em 1988, veio a lume Espinho e Fulô; em 1995, Aqui tem coisa.

Entre as obras musicais mais conhecidas, podemos citar A triste partida, gravada em 1964 por Luiz Gonzaga, com aquela sua voz magnífica. A triste partida constitui verdadeiro tratado sociológico, econômico e psicológico da saga do migrante, com uma conclusão profética e ousada para a época: “É triste o nortista/ tão forte e tão bravo/ viver como escravo/ no Norte e no Sul”.

Outra canção conhecida é Vaca Estrela e Boi Fubá, gravada por Raimundo Fagner em 1980, a qual, num tom melancólico, celebra as raízes nordestinas de um migrante.Entre os cordéis, encontramos tanto a adaptação de clássicos, como Aladim e a lâmpada maravilhosa e obras satíricas, a exemplo de As façanhas de João Mole; Patativa foi contundente também na crítica social, como é o caso do cordel ABC do Nordeste flagelado, um dos retratos mais incisivos do sofrimento do sertanejo.

Patativa era detentor de escolaridade formal mínima – apenas seis meses –, o que não o impediu, contudo, de se tornar leitor dos maiores clássicos da literatura em língua portuguesa. Leu, admirado, Camões; Gonçalves Dias; um outro mestre, Casimiro de Abreu; Castro Alves, a quem ele adorava e por quem era fascinado; Juvenal Galeno, outro poeta cearense fantástico, entre outros, que consistiram em suas fontes de inspiração.

Do ponto de vista da forma, seus versos eram compostos em quadras, sextilhas, mas também em décimas e outros metros clássicos; quanto à temática, era capaz de cantar as belezas rudes do sertão, mas também de fazer contundentes críticas políticas. Além da grande versatilidade, o poeta destacava-se por sua prodigiosa memória. Seu método de composição era peculiar: elaborava os versos enquanto trabalhava na roça e os guardava de cor, não importando a extensão que tivessem. Posteriormente é que eram transcritos para o papel.

Patativa jamais deixou de ser um trabalhador rural, voltando sempre para sua terra, não importando quão longe fosse o seu reconhecimento. Tal faceta merece especial atenção num momento em que as culturas regionais ganham tanta relevância como forma de resistência às ondas de homogeneização ditadas pela chamada globalização – um pouco despedaçada, atualmente, mas que tinha o objetivo, até se chegou à ousadia de se propor um pensamento único. Patativa era lá, do seu cantinho, do sertão, da terra, da produção, do cultivo da semente.

Em um de seus poemas, dizia:
Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olha para a fome, pergunto o que há.
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará.

Embora estudada, objeto de várias teses e pesquisas, a produção de Patativa permanece enigmática e misteriosa, pois para compreendê-la em toda a sua profundidade e amplitude será preciso talvez vê-la com os mesmos olhos de poeta com os quais Patativa enxergou o mundo ao seu redor.

Embora considerado poeta universal, sua obra tem a marca profunda da brasilidade. Por conhecer de perto a dura realidade de sua gente, de seu povo e compreender as causas de seu sofrimento, ele fez de sua poesia um instrumento de denúncia, expressão de sua indignação contra as injustiças sociais.

Nas três últimas décadas de sua vida, Patativa declamou para platéias em feiras e teatros do País e participou de inúmeros congressos universitários, ocasiões em que recebeu justas homenagens, como a Medalha José de Alencar, com a qual foi agraciado em 1995.
Patativa jamais se furtou em participar de momentos significativos da luta do povo brasileiro, sendo figura atuante na luta pela redemocratização do País, pela anistia, pela reforma agrária, pelos direitos dos trabalhadores e por um Brasil livre e soberano.
Inspirado nessa vertente combativa, Patativa escreveu, a pedido de Dom Hélder Câmara, outro centenário, o poema: O Padre Henrique e o Dragão da Maldade, que, na forma de versos populares, relata o assassinato de um jovem padre ligado à Teologia da Libertação. Antônio Henrique, de apenas 29 anos, foi torturado e morto no período da ditadura militar – esta que agora foi anunciada, lastimavelmente, nas páginas da Folha de S. Paulo, como a “ditabranda”. Ditadura militar, cruel, que assassinava e torturava. No dia 27 de maio de 1969, foi a morte de Padre Antônio.

E, em duas estrofes, porque é um poema belíssimo e de muitas páginas, mas em duas estrofes:
Por causa do seu trabalho
que só o que é bom almeja
o espírito da maldade
que tudo estraga e fareja
fez tristes acusações
contra D. Hélder e a igreja
(…)
Será que ser comunista
é dar ao fraco instrução,
defendendo os seus direitos
dentro da justa razão,
tirando a pobreza ingênua
das trevas da opressão?

E por aí ele ia para poder chegar até Padre Henrique, que, como Dom Hélder, era acusado de comunista quando tocava nas causas da pobreza e da miséria do povo brasileiro, mas era tido como santo quando fazia caridade, fornecendo o pão, o arroz, o feijão, para salvar da fome milhares de nordestinos e de cariocas, porque começou a fazer caridade lá no Rio de Janeiro, não foi no Ceará nem em Pernambuco, foi no Rio de Janeiro, que era a capital do País, talvez um dos Estados mais ricos, mais ricos até hoje, imagina naquela época que era capital.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como forma de prestar uma justa homenagem a esse grande nome da cultura brasileira que foi Patativa, estão programadas várias atividades em comemoração ao seu centenário. O Senado Federal se irmana na celebração da data, por meio de uma sessão solene e na aprovação de um projeto de lei que encaminhamos a esta Casa, instituindo o ano de 2009 como Ano Nacional Patativa do Assaré. Dessa maneira, estaremos contribuindo para que o Brasil celebre a mais autêntica forma de manifestação da arte popular brasileira, estendendo o conhecimento da obra de Patativa por todas as regiões do País, particularmente para as novas gerações.

Srs. Senadores, Srªs Senadoras, embora muitos sejam os adjetivos que se possam aplicar a Patativa do Assaré, a denominação poeta simplesmente resume todas as suas qualidades, por ser considerado um cordelista, pois escreveu e publicou algumas dezenas de folhetos dessa arte verbal. Igualmente pode ser chamado de compositor, pois, além das gravações com a própria voz, mereceu interpretação de suas obras por Luiz Gonzaga e Raimundo Fagner. Também se pode denominá-lo como poeta lírico, pois descreveu como ninguém o meio ambiente, as belezas do sertão e a vida no campo. Não se pode deixar de reconhecer, do mesmo modo, a natureza épica dos seus versos, pois contam a saga da seca nordestina e da vida dos migrantes.

Falando das dores e alegria de sua gente, Patativa conseguiu superar, na profundidade de seus versos, a dicotomia que reduz toda riqueza cultural de um povo entre os conceitos de popular e erudito. Sua obra, internacionalmente reconhecida e estudada em várias universidades do mundo, ainda causa espanto pela beleza rítmica que brota do coração sertanejo de Patativa.
Meus versos é como semente
Que nasce arriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte,
Das obras da criação.

Sua poesia possui o cheiro da terra molhada, o som do aboio do vaqueiro e é livre como as aves de arribação que voam pelo mundo afora mas retornam sempre para o sertão, onde está a sua morada e sua inspiração para voar sempre mais. Das duras lidas do dia-a-dia, a poesia de Patativa nasce como um juazeiro, “verde na monotonia cinzenta da paisagem”, como nos descreve a igualmente notável Raquel de Queiroz na magistral obra O Quinze.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por muitas vezes, escapa aos estudiosos o significado dessa aparente contradição, que faz surgir de um homem de mãos calejadas a simplicidade de versos que surgem a partir de cenas corriqueiras e fatos do cotidiano, agigantando-se na medida em que a rima perfeita traduz a inesperada riqueza literária tantas vezes enaltecida. A poesia de Patativa é a chuva que reverdece a terra árida, transformando cenas despretensiosas do cotidiano em jóias lapidadas de incomparável beleza; uma poesia singela, mas que tem o condão de encantar a todos que dela tomam conhecimento.
Poeta, cantô da rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.
Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisa
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá. (…)
Aqui findo esta verdade.
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio,
Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá.
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá que eu canto cá.

Era a resposta a certos intelectuais que se arvoravam em donos do saber e do conhecimento e desrespeitavam aquele sertanejo calejado, meu caro Cristovam Buarque, na sua luta para tirar do chão o sustento e também fazer rimas para encantar a sua família, o povo do Assaré, o povo do Ceará e o povo brasileiro.

Sr. Presidente, essa foi uma simples homenagem a esse gigante da poesia brasileira, que digo já é um imortal, meu caro Cristovam Buarque, a quem concedo o aparte, com a licença do Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB – PI) – Pois não.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT – DF) – Senador, primeiro quero agradecer que não tenha concedido aparte no meio de seu discurso, porque este é um discurso que não deveria ser interrompido. É uma obra literária em si.

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB – CE) – Obrigado.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT – DF) – Segundo, a essa hora da noite não deveríamos mais estar dando apartes. Mas não posso deixar de registrar alguns pontos. Primeiro, porque o senhor prestou homenagem não só a esse grande poeta brasileiro, Patativa, mas a todos os cantadores do nosso Nordeste, que têm uma sabedoria tal que nenhuma ciência explica como são capazes de fazer suas rimas, como são capazes de fazer os seus debates entre eles. E é incrível, Srs. Senadores, como eles são bem informados de tudo que acontece no mundo, mesmo tendo pouco meses ou anos de escolaridade. Sou um fanático admirador deles, desde o meu tempo de Recife, e como Governador aqui participei muito na Casa do Cantador, que existe aqui em Brasília, nos diversos campeonatos.

Segundo, a essa hora do dia, já não deveria mais estar dando aparte. Mas não posso deixar de registrar aqui alguns pontos. Primeiro, que o Senhor prestou homenagem não só a esse grande poeta brasileiro – Patativa -, mas a todos os cantadores do nosso Nordeste, a todos eles, que têm uma sabedoria, que eu acho que nenhuma ciência explica como é que eles são capazes de fazer as suas rimas, como é que eles são capazes de fazer os seus debates entre eles. E é incrível, Senadores, como eles são bem informados de tudo o que acontece no mundo, mesmo tendo poucos meses ou anos de escolaridade. Eu sou um fanático admirador deles, desde o meu tempo do Recife, e como Governador aqui, participei muito da Casa do Cantador, nos diversos campeonatos. O segundo ponto é como os nossos Estados são entrelaçados, e, primeiro, pelo entrelaçamento de duas vidas. Fazem cem anos, quase no mesmo dia, Patativa e Dom Hélder Câmara.

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PcdoB – CE) – É verdade.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT – DF) – Dois nascidos no Ceará e dois que se entrelaçaram com Pernambuco, porque Luiz Gonzaga foi fundamental na divulgação da obra, e em si foi fundamental na grandeza que já tinha dentro dele Dom Hélder Câmara. Então, hoje, eu posso dizer que, ao mesmo tempo em que o Senhor homenageia os cantadores, homenageia o Ceará, termina o meu Pernambuco sendo também um pouco homenageado.

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PcdoB – CE) – É verdade.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT – DF) – Muito obrigado, Senador, pelo belo discurso que o senhor fez. E como eu sou seu vizinho de gabinete, eu espero, em breve, entrar lá e pegar esse discurso impresso, como eu já peguei diversos. Rimou, inclusive, hein?

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB – CE) – Vai ser um prazer poder oferecer esse texto para V. Exª, que tem buscado ilustrar, inclusive, aqui, os pronunciamentos de Senadores com o seu conhecimento, com a sua sabedoria, com os fundamentos que vêm desde a sua formação escolar. Eu tive contato com o Patativa, no livro, e já nas músicas do Luiz Gonzaga, escrito em um livrozinho chamado Edições Nordeste, dentro da escola de curso primário daquela época. Ele, Humberto Teixeira, Luiz Gonzaga, cantando aquelas dificuldades do sertão nordestino e a saga do povo nordestino para sobreviver, pois é isso que eles cantaram. E mais: eles se anteciparam na questão ambiental. A defesa do meio ambiente está em seus versos belíssimos, que, em uma homenagem que iremos prestar posteriormente, em uma sessão solene; aliás, duas sessões solenes: uma para homenagear Dom Hélder – que sou autor junto com V.Exª, mais o Senador Tasso Jereissatti e a Senadora Patrícia – e esta de Patativa que eu espero que a gente transforme este plenário do Senado numa comemoração alegre, festiva para quem cantou as dificuldades do povo, seu sofrimento, a vida política brasileira, mas cantou em poemas também a alegria do povo brasileiro e do povo nordestino.