Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores,
O último dia 27 de junho marcou o centenário de um dos maiores gênios literários que o Brasil conheceu: Guimarães Rosa. Primeiro dos sete filhos de Francisca Guimarães Rosa (dona Chiquitinha) e Florduado Pinto Rosa (seu Fulô), João Guimarães Rosa nasce em 1908 em Cordisburgo, pequena cidade do interior de Minas Gerais que tinha como cenário montanhas e fazendas de gado, no vale do rio dos Velhos, entre Curvelo e Sete Lagoas, nas imediações da gruta de Maquiné.
Tão importante como o cenário que vai marcar para sempre seu coração e sua memória, está a casa onde morou Guimarães Rosa. Era uma casa grande de esquina, em frente à estação de ferro e a um curral de embarque de gado. No térreo da casa funcionava o estabelecimento comercial de seu Fulô.
Guimarães teve, em seu tempo de criança, elementos raros de se conjugar na contemporaneidade, tais como, uma casa com pai, mãe, avó, irmãos, quintal com árvores, papagaios e cachorros. A literatura roseana é um testemunho destes tempos e lugares nos quais Rosa conviveu.
Foi na venda de seu pai que conheceu personagens, como garimpeiros, fazendeiros, caçadores, praças de polícia, vaqueiros que chegavam com boiadas vindas do alto sertão para o embarque nos trens de ferro.
Gostava de estudar geografia, a fauna e a flora dos lugares pelos quais andava. Em um verso de Carlos Drummond dedicado a Rosa, o poeta nos fala dos devires roseanos traduzidos pela poética inventiva, animal, vegetal e mineral. E assim fala Drummond:
João era fabulista?
Fabuloso?
Fábula?
Sertão místico disparado no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha?
A quinta face das coisas inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
Para disfarçar, para farçar
O que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buriti, plantados no apartamento?
No peito?
Vegetal ele era ou passarinho, sob a robusta ossatura com
Pinta de boi risonho?
A vida do menino João foi uma experiência com tesouro de bens culturais, no sentido de uma história real e imaginária, repleta de afetos que, como dobras barrocas, vão tornear sua vida de escritor, modelando assim, um escritor para nos falar de um Brasil Profundo e de um espaço nação – o sertão.
Em um ato confessional disse:
“Escrevi Grande Sertão: Veredas como um ato de minha vida para aprender a viver. Era como se fosse o meu testamento. As minhas preocupações, os meus conflitos ali se refletem e se resolvem. Até os 14 anos eu não sabia viver. Um dia deitei na cama com a intenção de não me levantar mais. Até que fui me encontrando nas coisas, nas leituras”.
Aos oito anos de Rosa, o doutor Jose Lourenço, médico de Curvelo descobre a miopia do garoto. Essa patologia foi tão importante que marcou a sua vida literária ao recriar em ‘campo geral’ o magnífico personagem Miguilim, menino míope, sofrido, que ao colocar pela primeira vez os óculos descobriu o mundo.
Um outro fato importante a respeito da miopia foi o pedido que Rosa fez, que ao ser sepultado, deveria estar no seu rosto os seus óculos, para quando chegasse no outro mundo tudo parecesse visível. E realmente esse fato aconteceu.
Adolescente, estudou em Belo Horizonte, no colégio Arnaldo, onde também estudava Carlos Drummond de Andrade e Gustavo Capanema.Em 1925 ingressa na faculdade de medicina da Universidade de Minas Gerais, formando-se em 1930. Foi colega na faculdade de Pedro Nava e, no hospital da Santa Casa de Belo Horizonte, fica amigo do futuro presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Inicia sua carreira de médico em Itaguara, município de Itaúna em Minas Gerais, como diria, um sertãozinho sem luz, com estrada de terra e à noite, estrelas no céu.
Casou-se com dona Lygia, que lhe deu sua primeira filha, Vilma, em 1931. Declara-se decepcionado com a realidade da Medicina. Dizia ele: “Falta-me o amor pela profissão, à adaptação, às tarefas cotidianas. (…) Não nasci para isso, penso… só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro do subjetivismo. Sou um jogador de xadrez – nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol”.
Em Barbacena, Rosa torna-se amigo de Geraldo Façanha de Lima, futuro escritor e membro da Academia Brasileira de Letras. Este amigo incentiva-o a entrar para o Itamaraty. Os biógrafos de Rosa atestam que ele estudou com toda sua potência para esta seleção, nas madrugadas frias mineiras: “Às vezes o corpo resistia. Sabe o que ele fazia? Enchia a banheira de água gelada e se atirava dentro, para receber a chicotada que desperta o espírito e a pré-disposição ao trabalho”.
Em 1934 presta concurso para o Itamaraty. Em julho do mesmo ano é nomeado Cônsul de terceira classe, ingressando na carreira diplomática e indo morar no Rio de Janeiro com a família, onde irá residir por quase quatro anos, trabalhando na Secretaria do Ministério das Relações Exteriores, Palácio do Itamaraty.
Seu primeiro livro foi Sagarana, publicado em 1946. Em maio de 1938, com 30 anos, Guimarães Rosa é nomeado Cônsul-Adjunto em Hamburgo. Permanece na Alemanha quatro anos, no início da Segunda Guerra Mundial. Lá conhece dona Aracy Noebius de Carvalho, funcionária graduada do Consulado que será até o fim de sua vida sua mulher e seu grande amor.
Quando Rosa terminou a sua obra prima, Grande sertão: Veredas, não dedicou o livro à Aracy, como de praxe acontece, mas deu-lhe assim dizendo: “Esse livro pertence a Aracy”. Neste período da segunda grande guerra, Rosa, além dos compromissos oficiais do cargo de cônsul-adjunto, como recepções, jantares com diplomatas de outros países e viagens, anota os programas culturais e passeios, sempre registrando os bombardeios cotidianos.
Paralelamente à jornada no consulado, trabalhava em casa reescrevendo contos.
Em uma entrevista que Rosa conferiu em 1965 ao seu tradutor Günther Lourenz, ele se refere à sua atuação em conceder uma grande quantidade de vistos a judeus para o Brasil (coisa arriscada para um diplomata). Afirma Rosa que assim procedeu devido o “amor pelo homem”, que o teria levado a “se arriscar perigosamente, arrebatando judeus das mãos da Gestapo”. Sobre isso, fala Rosa: “foi coisa assim, mas havia também algo diferente: um diplomata é um sonhador e por isso pude exercer bem essa profissão (…) Eu, homem do sertão, não posso presenciar injustiças.
No sertão, um caso desses imediatamente a gente saca o revólver, e lá isso não era possível. Precisamente por isso idealizei um estratagema diplomático, e não foi assim tão perigoso”.
Aracy, na época funcionária do consulado, acobertava tudo. Casados em Hamburgo, escondiam em sua casa judeus e traziam-lhes comida. Ela, ao despachar com o cônsul-geral, misturava junto à papelada vistos para judeus.
Rosa preocupado dizia-lhe: “um dia você desaparece”. De fato, nos trâmites burocráticos da época era realmente uma operação arriscadíssima; O Brasil vivia em pleno Estado Novo e aplicava secretamente uma política anti-semita de imigração.
Segundo Dora Ferreira da Silva, poeta e tradutora, Rosa é assim descrito: “João Guimarães Rosa foi um inventor de mundos e um viajante do sertão, um homem sentimental e um diplomata erudito. Rosa foi um bardo do Brasil, a nossa Paidéia, o nosso Homero. Tudo nele soava com pureza, como algo inconfundível, o gosto do que é amplo e verdadeiro”.
Guimarães Rosa é um escritor no meio do redemoinho, do humano demasiadamente humano. Fala Rosa: “Todos os meus livros são simples tentativas de rodear, devassar um pouquinho o mistério cósmico, esta coisa movente, impossível, pertubante, rebelde a qualquer lógica, que é chamada de ‘realidade’, que é a gente mesmo, o mundo, a vida.”.
“Minha vida sempre e cedo se teceu de sutil gênero de fatos. Sonhos premonitórios, telepatia, intuições, série encadeadas fortuitas, toda sorte de avisos e pressentimentos…sou um contemplativo fascinado pelo Grande Mistério”.
“Quando escrevo um livro, vou fazendo como se estivesse ‘traduzindo’, de algum alto original, existente alhures no mundo astral ou no ‘plano das idéias’, dos arquétipos”.
“Todos os meus personagens existem. São criaturas de Ninas: jagunços, vaqueiros , fazendeiros, pactários de Deus e do Diabo, meninos pobres, mulheres belas, moradores de Urucuia e redondezas.”
Esta afirmação nos leva a compreender o escritor como um arqueólogo literário que, de caneta em punho e cadernetas, percorreu a imensidão sertaneja, anotando histórias, palavras, fatos, compondo assim, seus afrescos; projetando sobre esses papéis a matéria-prima que encontrou nas escavações do cotidiano do povo e dos lugares comuns desta grande alegoria chamada Brasil.
Confirmando isso, Rosa nos diz: “Nós, homens do sertão, somos fabulistas por natureza… No sertão, o que pode uma pessoa fazer de seu tempo livre a não ser contar histórias? A única diferença é simplesmente que eu, em vez de contá-las, escrevia… Trazia sempre os ouvidos atentos, escutava tudo que podia e comecei a transformar em lenda o ambiente que rodeava, porque este, em sua essência, era e continua sendo uma lenda”.
A Antropologia Simbólica tem como um de seus paradigmas a afirmação que o imaginário é tão real como o real é imaginário. Esta questão de ordem metodológica é de fundamental importância para compreendermos ou traduzirmos a realidade social, prática exercida em toda sua dimensão por João Guimarães Rosa.
Rosa, leitor de Plotino, compreendeu muito bem quando este escreveu: “Porque em todas as circunstâncias da vida real, não é a alma dentro de nós, mas sua sombra, o homem exterior, que geme, se lamenta e desempenha todos os papéis neste teatro de palcos múltiplos, que é a terra inteira”.
Inspirado em Plotino, escreve Rosa em Grande Sertão: Veredas uma passagem anunciada por Riobaldo: “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Somente com alegria é que a gente realiza o bem – mesmo até as tristes ações”.
Passemos agora a refletir sobre a grande obra de João Guimarães Rosa que ano passado, em 2007, completou 50 anos, Grande Sertão: Veredas. Estudiosos da vida de Rosa, como Willi Bolle, Antonio Cândido, Benedito Nunes e Neuma Cavalcante, dentre outros, apontam a obra como o mais importante romance da literatura brasileira do século XX. A obra é considerada como um romance de formação do Brasil, em comparação com os ensaios de formação de Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Raymundo Faoro, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, que constituem o cânone dos retratos do Brasil.
O narrador que nos apresenta esse “estudo pátrio”, em forma de uma imensa rede labiríntica, é o Jagunço Riobaldo, letrado e professor. Segundo Bolle, “A figura do professor é desenvolvida por Guimarães Rosa de forma muito diferente das histórias edificantes. Em vez de dedicar-se a ensinar os mais necessitados, esse ‘professor de mão cheia’ que fará o pacto com o Diabo, aceita uma vantajosa oferta como preceptor particular de um dono do poder. Mas é justamente por ser uma história da formação a partir do Mal que ela revela mais sobre as estruturas sociais e políticas do que o padrão dos bem-intencionados programas escolares. O discurso desse narrador luciférico aguça a nossa sensibilidade para as formas do falso no espaço público, para o que eu chamo a função diabólica da linguagem”.
“A tese aqui discutida é que o romance de Guimarães Rosa é o mais detalhado estudo de um dos problemas cruciais no Brasil: a falta de entendimento entre as classes dominantes e as classes populares, o que constitui um sério obstáculo para a verdadeira emancipação de um país. (…) É um romance da formação do país, na medida em que o autor, através da invenção da linguagem, refinou o médium para este Brasil se pensar a si mesmo”.
Em termos de educação da língua, o contar desmanchado de Guimarães Rosa e os apelos lingüísticos são de potência revolucionária e escreve exatamente este livro numa época em que o discurso sobre educação é marcado sobretudo por estatísticas burocráticas, cogitações de lucro e a falta de ousadia e imaginação, as palavras diamante de Grande Sertão: Veredas que riscam o discurso das aborrecedoras mentes prosaicas podem despertar algo que o país já teve, mas que perdeu durante as ultimas décadas: a paixão pela formação”. Assim nos afirma Bolle.
Para Guimarães Rosa, “A linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho da sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isto significa que como escritor devo me prestar conta de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. O idioma é a única porta aberta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanha de cinzas”.
Existe uma linha que atravessa todo o romance, que é o problema da falta de diálogo social e como esta questão é trabalhada em todos os níveis. Por exemplo, o narrador é sertanejo, o ouvinte é letrado. Essa costura borda um cenário passado pela história de centena de falas de chefes políticos e de pessoas do povo, da representação de uma nação dilacerada e de uma utopia desejada.
A dificuldade da formação de uma cidadania para todos, evocada por meio de uma montagem de choque contrastante entre duas culturas, dois tipos de discurso: a grande eloqüência dos donos de poder, sempre no altar, e, nas baixadas, a fala da gente humilde. Forma-se aí um grande mosaico de termos figurativos da gigante desigualdade que racha a sociedade entre os que são donos de tudo e os que não podem nada, ou então, só podem ser vistos como coisa do Diabo.
Segundo Bolle, de fato, Grande Sertão:Veredas é a história de um fazendeiro endemoniado, um homem que faz um pacto com o Demônio não apenas para vencer o pactário Hermógenes, mas para ascender a classe dominante, a custa de seus companheiros. A história versa sobre “O que induz a gente para más ações estranhas” : enganar, usar, e explorar as pessoas, tirar prazer do seu medo e matá-las – um mal social que vem de longa data e em que pesa o legado de quatro séculos de regime escravocrata. Por isso, o romance de Guimarães Rosa nos apresenta o mais fascinante insigth da máquina do discurso e do poder, das estruturas sociais e mentais, isto é, da formação das subjetividades brasileiras. De um lado, um narrador dotado de uma prodigiosa capacidade de invenção e percepção e, de outro, a sustentação da potência lingüística da obra.
No discurso de saudação a Guimarães Rosa, no dia de sua posse na Academia Brasileira de Letras, feita por Afonso Arinos, pode se encontrar pepitas de ouro sobre a cartografia física e afetiva contida na obra roseana, como esta citação: “Homem, cavalo e boi se integram naquela vastidão unida e no entanto diversa; conjunta pela semelhança e contrastes. Securas de retorcidos chapadões e frescuras de buritizais nas veredas; paus de espinho e brancos véus-de-noiva; onças e catingueiros, gaviões e siriemas; unhas-de-gato e alecrim-do-campo: bravura e doçura em toda parte. Assim o homem e a mulher sertanejos, bravos e doces, como Riobaldo e Diadorin de Guimarães Rosa. O ouro e o diamante se colhiam e se apuravam nas catas e datas de beira-rio; o café cobria os morros desmatados juntos a torrentes; o gado alçado se criava às soltas nas grotas e suvacões, à fimbria das águas móveis”.
A nossa civilização segue vagarosa, a pé e pata pelas margens dos cursos d’água, o passo tardo do boi e do cavalo do vaqueiro entraram e se espalharam junto às águas, pelos tempos. Mineiros somos nós, homens de beira-rio, e é por isso que sinto na sua realidade mágica, essas criaturas são-franciscanas, cujas vidas, cujas almas, a força do vosso engenho veio revelar ao Brasil e, já agora, a cultura contemporânea.
Escritor ligado a terra, as limitações temporais e espaciais de uma certa terra brasileira, não sois, no entanto, um escritor regional, ou antes, o vosso regionalismo é uma forma de expressão do espírito universal que anima a vossa obra, e, daí, sua repercussão universal. Na vossa obra, ao contrário, perpassa uma série de frêmito coletivo e trágico da vida heróica; não são homens isolados, são bardos e multidões, não são destino, mas acontecimentos que, sem ser sobre-humanos, estão acima dos homens. O tipo se transforma em símbolo, o episódio vira gesta e a narrativa assume os contornos da epopéia”.
No decorrer da obra de Grande Sertão: Veredas pode se observar a desconstrução do olhar dicotômico e cartesiano pertencente a ordem lógica ocidental. Em um universo fluido, pantanoso, e marcado justamente por coexistência de opostos em constante tensão, toda a versão única e excludente de algo é desautorizada pela própria necessidade de conviver com outras que muitas vezes a contradizem, e a dúvida se instala, fazendo da narrativa um grande laboratório, uma teia de reflexão. Há um tecer ininterrupto que perpassa cada instante do relato, pondo em xeque todo o tipo de lógica alternativa, calcada em construção dicotômica, e abrindo espaço para outras possibilidades. “Tudo é e não é.” Tornando assim, avesso a tudo aquilo que se apresenta como fixo e natural, cristalizado pelo hábito e instituído como verdade inquestionável.
Segundo Eduardo Coutinho, Rosa se empenha em sua obra em corroer essa visão, e o faz por meio de recursos os mais variados, que se estendem desde a revitalização da linguagem stricto sensu até estratégias cuidadosamente elaboradas de desautomatização da estrutura narrativa.
Nas linhas de fuga do amor, Rosa trata desta questão concebendo também esta lógica. “Otacília, Nhorinhá e Diadorin forma uma espécie de tríade místico; estas são as três mulheres amadas por Riobaldo; cada qual no seu tom, mas misturadas ao mesmo tempo. Otacília é a donzela pura, a beleza platônica, sempre presente e ambicionada dos romances de cavalaria, a musa que inspira o cavaleiro e o prêmio que estende após vencer todos os obstáculos. Nhorinhá, a prostituta, a encarnação do amor físico, o doce toque de Eros que Riobaldo recebe num recanto do sertão e alimentou em sua mente para o resto da vida.
Diadorin, finalmente a mulher travestida de guerreiro da tradição clássica e medieval, é a síntese desses dois tipos de amor e mais: a figura ambígua e misteriosa que abarca, pela sua androgenia, todas as forças contraditórias que iluminam e gratificam o homem, mas ao mesmo tempo o impelem para o abismo da própria existência. Diadorin é luz e trevas, bem e mal, Deus e o Demo, amor e morte, homem e mulher e, em seu nome, já traz em si a dualidade que a integra, como bem indicou Augusto de Campos.”
Segundo Coutinho, essas tensões produzem imagens não de simples opostos, mas opostos em tensões, cartografando assim, o rizoma diabólico das emoções humanas, capaz de levar Guimarães Rosa, ao traduzir Diadorin, dizer: “Suspirava de ódio como se fosse por amor”, “Não largava o fogo de gelo daquela idéia”.
Grande Sertão: Veredas é um sítio arqueológico sem fim das veredas do desejo humano. A genialidade de Rosa foi possibilitar a eclosão deste desejo a partir de uma fala poética ou então, faca amolada, ou então, tatuada, na neblina da condição existencial que traça a curva trágica da existência humana.
No dia 27 de junho de 2008, se vivo fosse, João Guimarães Rosa teria feito cem anos, e para saudá-lo cito as últimas frases de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. “Alegremo-nos suspensas ingentas lâmpadas. E: ‘Sobe a luz sobre o justo e dá-se ao teso coração alegria!’— desfere então o salmo. As pessoas não morrem, ficam encantadas.
Soprem-se as oitenta velinhas.
Mais eu murmure e diga, ante macios morros e fortes gerais estrelas, verde o mugibundo buriti, e a sempre-viva-dos-gerais que miúdo viça e enfeita: O mundo é mágico.
– Ministro, está aqui CORDISBURGO”.
Salve! João Guimarães Rosa
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.