Crateús “só fala” na seca e no campus da universidade federal


Na entrada do hotel, na praça, no posto de gasolina, na escola, na prefeitura. Não importa onde. Dois assuntos sempre aparecem nas conversas em Crateús: a chegada de um campus da Universidade Federal do Ceará (UFC) e a seca impiedosa, que impõe ao município um racionamento de água dia sim, dia não.

 
Na cabeça das autoridades locais, os dois temas são análogos e determinantes para o futuro da cidade de 73 mil habitantes, localizada no Semiárido cearense, na divisa com o Piauí. Está em ação em Crateús um plano de desenvolvimento econômico centrado no ensino superior desenhado para pensar a realidade e os potenciais do Sertão nordestino. A inspiração vem de Campina Grande. A partir dos anos 70, a segunda maior cidade da Paraíba viu sua população e economia crescerem com a formação de um polo universitário, composto hoje por três universidades públicas e cerca de 20 instituições particulares. Essa estrutura foi importante para modernizar a agropecuária e atrair empresas de tecnologia e indústrias de diferentes atividades.

 

 

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Os três principais cursos do futuro campus da UFC em Crateús serão engenharia ambiental, civil e de mineração. Cada disciplina foi estruturada com base na demanda socioeconômica dos 16 municípios do Sertão dos Inhamuns, região pobre e seca do centro-oeste do Ceará, com 500 mil habitantes.Crateús é a cidade mais rica e o maior centro comercial desse território.

 

Estudos para definir a expansão da universidade mostraram a necessidade de formação de profissionais que “dialoguem” com o setor agropecuário num contexto de estiagem, como especialistas em projetos de irrigação e construção e controle de açudes. O curso de engenharia civil pretende suprir a forte demanda regional do mercado imobiliário, fortemente estimulado pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida. Segundo o reitor Josevaldo Pereira Farias, mineração é uma atividade pouco explorada na região, embora seja rica em ferro, cobre e calcário. Além das engenharias, fecham a grade curricular dois programas acadêmicos de tecnologia: engenharia da informação e computação.

 

“Podemos aproveitar, com estudo, pesquisa ou recursos humanos, a riqueza da radiação solar, por exemplo. Na agricultura, por que não pensar sobre o modelo de Israel, que transformou o deserto num grande produtor de alimentos? [A presença de] uma universidade alinhada com a realidade local amplia as oportunidades de desenvolvimento”, avalia Farias.

 

As obras da nova unidade da Universidade Federal do Ceará em Crateús começaram no mês passado e as aulas estão agendadas para o segundo semestre do ano que vem, com um calendário parcial. De acordo com o reitor, o campus vai estar completamente pronto no segundo semestre de 2015, com os cinco cursos. Em 2013, está garantida a liberação de R$ 12 milhões para o custeio da construção e o lançamento de concurso para a contratação dos primeiros funcionários. O projeto todo sairá por R$ 38 milhões. Em cinco anos, a instituição terá 200 professores, 50 técnicos administrativos e 2 mil estudantes matriculados.

 

Os números fazem os olhos do prefeito de Crateús, Carlos Felipe Saraiva (PCdoB), brilharem. Somente o valor da obra é quase metade do orçamento anual da cidade, de R$ 88 milhões, sendo apenas R$ 4 milhões compostos por receitas tributárias próprias, e o restante proveniente de transferências estaduais e federais. Saraiva destaca o peso que a folha de pagamento do campus terá na economia local. “É R$ 1 milhão todo mês que vai circular na cidade, incrementar as receitas e permitir que a gente tenha um modelo de desenvolvimento como o de Campina Grande”, fala.

 

Empresários também estão ansiosos. Os setores mais aquecidos atualmente são serviços e o imobiliário. Ao lado do terreno de 300 mil m2 onde está sendo erguido o campus, às margens da BR-226, funciona um estande com maquetes e vendedores de plantão de três grandes empreendimentos: um condomínio residencial, um empresarial e um shopping center, o primeiro de Crateús.

 

Mas ainda não há data para o início das obras. “Estamos na fase de vendas, mas falta pouco. Tem muito investidor interessado, gente de Fortaleza, até de São Paulo”, conta Max Medeiros, representante comercial da Placar, imobiliária e construtora de Crateús responsável pelos empreendimentos e doadora do terreno onde a universidade federal será instalada. Além da venda dos imóveis, a Placar também fatura com o aluguel do maquinário usado no canteiro de obras do campus.

 

Embora todo o investimento usado na construção da universidade seja federal, o poder público municipal tenta acompanhar o passo com aportes para melhorar a infraestrutura da cidade. Segundo o prefeito, que está em seu segundo mandato, houve avanços na pavimentação, coleta de lixo e abertura de creches e unidades de saúde. Mas a cidade precisa melhorar a taxa de fornecimento de água encanada, que chega em 88% dos domicílios, e a cobertura urbana de esgoto, que atende a apenas 40% das casas de Crateús.

 

O reitor da UFC chama atenção para a formação de profissionais qualificados para atuar no setor de serviços, que passará a ter uma demanda maior e mais exigente. Para ilustrar, apesar de seus 73 mil habitantes, Crateús não tem um cinema e o único teatro está desativado. “De 2010 até o início das obras, muita coisa mudou: um novo hotel, restaurantes, setor imobiliário firme, com preços subindo. Mas os serviços precisam melhorar bastante, serão 250 servidores públicos com renda acima do padrão local que vão morar lá”, diz Farias.

 

Nesse campo, o prefeito conta com mais ajuda federal e do governo do Estado. Crateús tem uma unidade de ensino técnico e superior do Instituto Federal de Educação Profissional e Tecnológica e recebe investimento de R$ 8 milhões para a ampliação de uma escola técnica estadual. As duas unidades preparam jovens para as áreas de administração de empresas, enfermagem, comércio, hotelaria, informática. Além disso, a prefeitura deCrateús é demandante de cursos de curta duração do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Módulos nas áreas de construção civil, gestão empresarial e contabilidade estão em andamento.

 

“Estive com o reitor da UECE [Universidade Estadual do Ceará] e fechamos uma parceria para ampliar as instalações que já existem na cidade. Eles têm R$ 3 milhões para dobrar os atuais cursos de licenciatura e pedagogia, e nós já temos o terreno para a construção do novo prédio”, conta o prefeito Saraiva, acrescentando que a única faculdade particular da cidade, que oferece graduações de assistência social e enfermagem, abrirá em breve um curso de direito.

 

Edivan Barros, dono de uma lanchonete e revelador de jovens talentos do futebol de Crateús, conta que não fez ensino superior porque nunca quis trocar de cidade para estudar. Agora comemora a possibilidade de realizar dois sonhos: “Daqui um tempo, minha filha vai poder tirar o diploma e, o que é melhor ainda, não vai precisar ficar longe do pai enquanto está na aula.”

 

Fonte:  Luciano Máximo – Valor Econômico

 

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