Oscar Niemeyer: o arquiteto do sonho socialista


O arquiteto carioca Oscar Niemeyer morreu aos 104 anos na noite da quarta-feira (05), no Rio de Janeiro, devido a uma infecção respiratória, afirmou o hospital onde estava internado desde o início de novembro. O arquiteto completaria 105 anos em 15 de dezembro. Niemeyer deixa a mulher, Vera Lúcia, 67, com quem se casou em 2006. Deixa ainda quatro trinetos, 13 bisnetos e quatro netos, filhos de Anna Maria – sua única filha, morta em junho passado, aos 82 anos –, fruto de seu casamento com Anita Baldo, de quem ficou viúvo em 2004.

Através de seu perfil pessoal no twitter, o senador Inácio Arruda prestou homenagem ao arquiteto: “Comunista, arquiteto, culto, popular, louco pelo Brasil e seu povo. Todas as honras a Oscar Niemeyer!”

O senador Inácio Arruda foi autor de projeto de lei que tornou o ano de 2007, Ano Nacional Oscar Niemeyer, por ocasião do centenário do arquiteto. Inácio Arruda também foi um dos autores do requerimento para a realização da sessão especial no Senado. Durante o discurso, o senador destacou o humanismo do arquiteto e o fato de que o homenageado sempre esteve ligado às causas do povo brasileiro. Ele definiu Niemeyer como um “militante incansável das nobres causas do povo brasileiro”.

Para Inácio Arruda, o “camarada Oscar” é arquiteto do sonho socialista e uma referência de luta por um mundo melhor, mais justo, mais rico, mais generoso e mais humano. Entre as obras de Niemeyer voltadas para os movimentos sociais, Inácio Arruda citou o Memorial da América Latina; o Monumento Tortura Nunca Mais e o projeto da nova sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, entre outros.

Confira íntegra de pronunciamento em homenagem a Oscar Niemeyer, por ocasião do seu centenário:

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PcdoB – CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) – Exmo Sr. Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Senador Garibaldi Alves Filho; Exmo Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Arlindo Chinaglia; Ilmo Carlos Oscar Niemeyer Magalhães, neto do nosso querido homenageado; Ilma Srª Edenize Sousa, gerente do Espaço Cultural Oscar Niemeyer e representante da Fundação Oscar Niemeyer; Sr. Igor Campos, Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil; Sr. Gibson Paranhos, Vice-Presidente da Regional Centro-Oeste do Instituto dos Arquitetos do Brasil; Srª Elza Bastos, Presidente do Sindicato dos Arquitetos do Distrito Federal; Sr. Paulo Henrique Paranhos, Presidente da Bienal de Arquitetura de Brasília; Exmos Srªs e Srs. Embaixadores e demais representantes do corpo diplomático, Exmos Srªs e Srs. Deputados Federais, Exmos Srªs e Srs. Senadores, quero me dirigir ao nosso homenageado, uma das mais ilustres personalidades da vida política brasileira, um gigante do século XX que adentra o século XXI. Para que essa homenagem pudesse ter a participação direta do nosso homenageado, nós tivemos que nos socorrer do nosso Interlegis, uma instituição do Senado Federal que tem dado grande contribuição aos trabalhos desta Casa. Quero agradecer a todos os seus funcionários, que permitiram que nós pudéssemos, neste momento, interagir com Oscar Niemeyer. Agradeço a todos os seus servidores e funcionários em nome do Sr. Márcio Sampaio Leão Marques, Diretor da Secretaria Especial de Programas do Interlegis.

 

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um momento desses, auspiciosos, da vida do nosso povo, do povo brasileiro. Nós vamos encerrar os trabalhos quase que em conjunto. Eu pediria ao Senador Garibaldi Alves Filho e ao Presidente da Câmara, Deputado Arlindo Chinaglia, que, em conjunto, transformassem a sessão solene do Senado em uma sessão solene do Congresso Nacional, para que as duas Casas pudessem se pronunciar. Porque temos, inclusive, Deputados Federais aqui presentes. É uma solicitação a V. Exª para que faça essa transformação imediata, a requerimento, tenho certeza, subscrito por todos os Senadores e Deputados aqui presentes.
O SR. PRESIDENTE (Garibaldi Alves Filho. PMDB – RN) – V. Exª será atendido neste momento, de acordo com o Regimento, porque na verdade o homenageado merece receber esta homenagem de todo o Congresso Nacional. E o Deputado Arlindo Chinaglia vai dizer aqui do seu justo orgulho de também poder integrar a Câmara dos Deputados a esta homenagem.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PcdoB – CE) – Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
Srs. Presidentes, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados, estamos no espaço de Niemeyer; aqui é o espaço de Niemeyer. O Congresso Nacional é uma das suas grandes obras.
Estamos dentro do espaço de Niemeyer e a um passo da Praça dos Três Poderes, que também é um espaço de Niemeyer, e de tantos arquitetos sob o seu comando, sob a sua orientação, ou em um coletivo, para fazer mais uma homenagem a um homem que na vida inteira reafirmou os seus ideais socialistas e comunistas. Nesse espaço coletivo, ele buscou produzir a sua arte, colocando-a a serviço do povo brasileiro e de várias nações no mundo.
Por isso, Srªs e Srs. Senadores, convidados e familiares que aqui comparecem em honra ao nosso querido camarada Oscar Niemeyer, arquiteto das formas esplêndidas e do sonho socialista, referência viva da luta por um mundo melhor, mais justo, mais rico – isso mesmo, mais rico –, mais generoso e sobretudo mais humano. Esse é o mundo de Niemeyer.
Esta sessão solene que o Congresso Nacional realiza hoje presta uma justa, fraterna e singela homenagem, meu caro Oscar Neto, ao transcurso do centenário de nascimento do arquiteto e humanista Oscar Niemeyer.
Artista universal, Niemeyer é reconhecido e admirado em todo o mundo. Sua obra é profundamente marcada pela brasilidade. Seu traço é de ousadia. Ousadia na busca da simplicidade e do novo que molda o concreto e o transforma em suave beleza, como uma bachiana, digamos assim.
Oscar carrega consigo a fibra e a garra de um sertanejo e a leveza e maestria de um valente jangadeiro, singrando os mares do nosso País. Suas obras geniais encontram-se espalhadas em vários continentes, oito países, 39 cidades brasileiras. Trabalhou e trabalha, incansavelmente, quase todos os dias de sua vida. Em um século de existência, desenhou, riscou, rabiscou uma infinidade de projetos que se transformaram em obras magistrais que nos causam deslumbramento.
Emprestou seu talento para as causas populares, projetando vários monumentos em homenagem aos movimentos sociais. Podemos aqui citar alguns que estão sempre à nossa vista, especialmente quando percorremos o nosso País, como o Memorial da América Latina – lá está a mão estendida do povo latino –; o Tortura Nunca Mais, para que nunca mais se perseguisse o povo pelos seus ideais; o túmulo do brasileiro Carlos Marighela; o Memorial dos Operários, lá em Volta Redonda; o monumento aos sem-terra assassinados em Eldorado dos Carajás; o monumento erigido em Crateús, lá no sertão do Estado do Ceará, em homenagem à epopéia da Coluna – antes era conhecida como Coluna Invicta e só depois recebeu o nome de Coluna Prestes –, que percorreu o País inteiro para conhecê-lo. A Coluna era uma coluna de progresso, de desenvolvimento, de gente brava, que percorria o Brasil para poder entendê-lo melhor e desenhar um projeto de Nação.
Homenagem, portanto, a essa epopéia da Coluna e que em seguida chama-se Prestes. E, mais recentemente, o projeto da nova sede da gloriosa União Nacional dos Estudantes, lá na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro; e o Memorial dos Povos do Araguaia, em homenagem em memória à Guerrilha do Araguaia.
Oscar Niemeyer é um militante incansável das nobres causas do povo brasileiro. Entre as suas muitas qualidades, a que mais se destaca é o seu elevado comprometimento humano. Seu espírito fraterno, solidário e amigo é sintetizado por uma frase do poeta Vinícius de Moraes: “Amigo? Amigo é Pixinguinha e Oscar Niemeyer”.
Podemos afirmar, com certeza, que Niemeyer, juntamente com outros gigantes como Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Barbosa Lima Sobrinho, Raymundo Faoro, Antônio Cândido, Florestan Fernandes, que esteve nesta Casa conosco, e tantos outros grandes nomes do pensamento brasileiro nos brindaram com uma preciosa e indispensável contribuição ao entendimento de nosso País, buscando alternativas para a construção de uma Nação forte, próspera e soberana.
Homem de forte convicção política e ideológica, Niemeyer nutriu forte amizade com o Cavaleiro da Esperança, Senador da República, Luís Carlos Prestes, a quem chegou a ceder seu escritório para que servisse de sede do comitê do Partido Comunista. Com simplicidade, solidariedade e firmeza, disse ele a Prestes: “Fica com esta casa. O seu trabalho é muito mais importante que o meu”. Assim é Oscar Niemeyer.
Em recente nota divulgada por ocasião do centenário de seu nascimento, o Presidente Nacional do PCdoB, Renato Rabelo, ressaltou o papel destacado de Oscar Niemeyer: “O Partido Comunista do Brasil destaca, entre tantos méritos de um dos arquitetos mais influentes do mundo, o fato de que sua obra tem projetado o Brasil de forma marcante. Um país se torna forte com a riqueza produzida pelo seu povo, mas também pela contribuição indelével de seus talentos, como o de Oscar Niemeyer. Por outro lado, devemos ressaltar sua coerência e o compromisso com o povo, com os oprimidos e com a causa do comunismo e da liberdade”.
Niemeyer, dentre as suas inúmeras entrevistas, afirmou recentemente ao jornal britânico The Times que simplesmente não consegue recusar um novo projeto. Sem titubear, assegurou na entrevista: “O que me faz levantar todas as manhãs é o mesmo de sempre: a luta, a vontade de trabalhar, o comunismo puro e simples”. Assim respondeu Niemeyer.
Permitam-me aqui rememorar um episódio contado pelo escritor Fernando Morais, em livro sobre a biografia do Marechal Montenegro, um cearense visionário que, em 1950, criou o CTA (Centro Tecnológico Aeroespacial) e o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). Segundo Fernando Morais, Montenegro e Eduardo Gomes tinham concepções diferentes do que deveria ser o ITA. Eduardo Gomes defendia um centro de engenharia aeronáutica para apoio tecnológico à FAB. Já Montenegro pensava mais alto: sonhava: com uma instituição que produzisse conhecimento tecnológico para toda a sociedade como um todo, nos moldes do MIT, nos Estados Unidos.
O Marechal Montenegro fez um concurso para a construção do Centro Tecnológico de Engenharia Aeronáutica, e o projeto vitorioso foi o de Oscar Niemeyer. Ele recebeu a notícia em Nova York, onde se encontrava com grandes arquitetos, entre eles Le Corbusier, que tinha uma forte ligação com Niemeyer. O projeto era o de Niemeyer! Então, encheu-se de felicidade. Mas, em seguida, recebeu uma segunda notícia de que seu projeto havia sido vetado, porque o Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, chegou à seguinte conclusão: “O projeto não pode ser de um comunista, porque vai influenciar os oficiais, os pesquisadores e os cientistas que se formarão no ITA. Será uma influência comunista.”
Mas o Marechal Montenegro insistiu tanto que chamou Niemeyer: “Venha ao Brasil, em São José dos Campos, Niemeyer. Você topa alterar esse projeto, colocando-o no nome de dois colegas seus para que ele possa ser aprovado e o contrato ser firmado com a Aeronáutica e o Governo?” Oscar Niemeyer disse: “Não tem problema”. Chamou dois colegas, eles assinaram o projeto, fizeram o contrato, e Niemeyer foi lá para dentro da obra. Tudo o que precisou ser alterado, modificado, foi alterado e modificado. Até os móveis daquele complexo de educação superior, ligado ao mesmo tempo a civis e militares, que é o CTA, foram construídos como mais uma dessas obras de Niemeyer, entre tantas outras que tiveram o seu traço, embora ele não aparecesse.
Podemos citar a própria Organização das Nações Unidas. Lá está o traçado de Niemeyer, embora, no final, o nome de Niemeyer não esteja ali, numa placa. Mas assim era Niemeyer. O mais importante para ele era que construíssemos aquele centro com o projeto vitorioso.
Temos, portanto, Sr. Presidente, inúmeras razões para externar nossa homenagem. Bastaria esse gesto – houve tantos outros –, para que nós pudéssemos olhar e dizer que esse gigante do povo brasileiro merece a nossa homenagem, pela sua forma de agir, pela sua simplicidade.

Quantas vezes inúmeros movimentos sociais chegaram a Niemeyer e disseram: “Niemeyer, precisamos que o senhor faça aqui um projeto nosso”. E ele nunca se recusou: “Vou fazer. Como é que você quer? Como é que você está pensando?” E ali ele puxava um traço, um risco e desenvolvia um projeto. Nunca se recusou a dar o seu apoio às causas justas do povo brasileiro.
Não há um momento da vida política brasileira em que a causa progressista, a causa avançada do povo tenha sido colocada em xeque, e Niemeyer não se tenha pronunciado, não tenha dado sua opinião.
Em todos os instantes da vida política brasileira, do século XX aos dias de hoje, Niemeyer está presente, com a sua força, com a sua energia, que vai encantando o povo brasileiro, dando um selo forte às causas que tem abraçado.
Recentemente, em visita a Oscar Niemeyer, ele se referia a essa situação peculiar em que vive o mundo. O Brasil e a América Latina, um momento auspicioso de governos mais avançados e progressistas, que não são comunistas ou socialistas, mas progressistas, avançados, ligados ao povo brasileiro, mais próximo da gente brasileira. Ele se referia também ao Presidente Lula e dizia que ele não é socialista, é um operário, um homem simples do povo, que ajuda a construir a Nação brasileira. Isso é bom, isso é bom para o Brasil, assim como é bom haver governos avançados e progressistas na Venezuela, na Bolívia, no Equador, na Argentina, no Chile, no Uruguai, pois representa o povo buscando tomar conta dos seus países, dando mais opinião, não se submetendo aos ditames das regras externas para conduzir a vida, a economia, a política, as relações sociais, a sua cultura. E isso enaltece a cultura popular.

 

São essas razões, Srs. Presidentes, que exigiram de nós a responsabilidade, por iniciativa, no Senado, minha, da Senadora Ideli Salvatti e do Senador Aloizio Mercadante, mas subscrita por todos os Srs. Senadores. Nós tínhamos a obrigação, diante dessas razões, de externar nossa homenagem a esse querido camarada, um irmão de luta e de fé na caminhada que a humanidade empreende, na dura e longa marcha pela construção do socialismo.

 

Não se trata de uma lenda, mas de uma vida, uma grande vida, uma vida extraordinária do povo brasileiro, a vida de Oscar Niemeyer, bravo Oscar Niemeyer. Viva Oscar Niemeyer e viva o povo brasileiro!

 

Parabéns, camarada forte do nosso povo! Um abraço. (Palmas).