Senado debate transposição do Rio São Francisco


Quatro comissões do Senado discutiram nesta quinta-feira () com autoridades do governo, pesquisadores, religiosos e ambientalistas, o projeto do governo federal para integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. O projeto, com custo estimado de R$ 4,5 bilhões, vai beneficiar, até 2025, 60 cidades e uma população de 12 milhões de nordestinos.

O debate foi promovido pelas Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), de Serviços de Infra-Estrutura (CI) e de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR).

Em sua intervenção, o Senador Inácio Arruda destacou que desde 1947 se discute no Ceará formas de minimizar o sofrimento da população com a falta de água.

 “Além de aplacar esse drama, das pessoas que não tem água para beber, precisamos raciocinar também sob o ponto de vista do impacto econômico que a transposição vai proporcionar. Garantindo os meios de sobrevida naquela região, a população não vai precisar migrar para o Sudeste ou Centro-Oeste do Brasil. Se houver água, passa a existir o meio vital para sua permanência na região”, avaliou Inácio.

O Senador discordou de que a transposição das águas beneficiaria apenas a população mais rica e os latifundiários: “Esse filete de água tirada do São Francisco significa para o Ceará que a barragem de Arneiroz, por exemplo, não vai ser preciso tirar água da barragem de Arneiroz, por exemplo, para abastecer Fortaleza. A água da barragem vai permanecer naquela região e lá beneficiar seus moradores”, explicou.

O Senador também refutou o argumento dos que são contra a transposição de que o Rio São Francisco primeiro deve ser revitalizado. Segundo Inácio, a região que abriga o rio vem recebendo royalties da Companhia Hidrelétrica do São Francisco e não se fez qualquer esforço no sentido de revitalizá-lo: “Essa discussão, sinceramente, é despropositada. Porque nesse tempo todo não se revitalizou? Agora, quando o que se quer é tirar uma cuia d´água para ajudar aqueles que não a tem para beber se cria uma discussão, de puro efeito simbólico. Essa polêmica, nem o inferno de Dante seria capaz de reproduzir”, criticou.  “As alternativas existentes se somam, não se separam nem se inviabilizam”, disse.

A reunião para debater o projeto de transposição do São Francisco começou pela manhã no plenário do Senado e seguiu até à tarde. Parlamentares, autoridades, pesquisadores, artistas, religiosos e ambientalistas se revezaram na tribuna defendendo argumentos a favor e contrários à realização da obra.

O bispo Luiz Flávio Cappio, da Bahia, afirmou que o projeto de integração do Rio São Francisco beneficiará grandes grupos econômicos e não objetiva o abastecimento humano e animal. O bispo avaliou que o projeto não adota a nova concepção de gestão da água, que prevê “cuidado e aproveitamento de cada gota de água disponível”.

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner, afirmou que as regiões nordestinas onde a água é abundante serão mais beneficiadas com a execução do projeto.

O deputado federal e ex-ministro Ciro Gomes condenou os argumentos dos críticos do projeto que, de acordo com ele, se baseiam na observação e induzem a “gravíssimos erros”. Ciro, que foi governador do Ceará, disse que, durante sua administração, a capital do Ceará chegou a enfrentar três anos de estiagem: “Após três anos de seca, Fortaleza, a quarta cidade em população do Brasil, ficou sem água”, observou. O deputado disse ainda que, “ao beneficiar 12 milhões de pessoas, o projeto não prejudica um único brasileiro”.

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, afirmou que a obra, ao mudar o leito do rio, vai trazer segurança e garantia hídrica a milhões de nordestinos que sofrem com o flagelo da seca. O ministro rebateu várias críticas feitas a ele e explicou que se trata de um projeto integrado de desenvolvimento, com medidas complementares e de revitalização do Rio São Francisco e que visam, inclusive, recuperar o meio ambiente.

O Bispo da Paraíba, Dom Aldo di Cillo Pagotto, acrescentou que o projeto de transposição conta com o apoio de religiosos de vários estados. Segundo ele, “quem tem sede apóia o projeto do governo federal. O projeto faz parte de uma política pública estruturante que não deve ser apenas de um governo ou de um partido, mas de todos que apóiam a integração nacional”, afirmou.

O representante da entidade Articulação para o Semi-Árido Brasileiro (ASA-Brasil), Luciano Marçal da Silveira, apontou a desigualdade social e econômica, e não a falta de água, como a principal causa dos problemas da população. Ele defendeu a mudança do modelo de desenvolvimento do país argumentando a favor da adoção de estratégias capazes de valorizar o semi-árido.

O deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB) esclareceu que a obra não tem a pretensão de resolver todos os problemas do Nordeste, mas, sim, trazer segurança hídrica à região. Gadelha afirmou ainda que o Nordeste vai precisar, em breve, importar água de algum lugar para atender a toda a demanda. “E o manancial mais próximo, mais abundante e mais barato é o Rio São Francisco”, disse o deputado.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Apolo Heringer Lisboa, afirmou que a transposição do São Francisco não vai resolver o problema de falta de água no Nordeste, pois, na sua avaliação, o projeto de integração de águas vai beneficiar prioritariamente os grandes empresários e fazendeiros.

A promotora de Justiça da Bahia Luciana Khoury afirmou que não há como realizar a obra de transposição de águas do Rio São Francisco sem sanar primeiro os danos ambientais à bacia do rio, que já foram detectados. Como coordenadora da Promotoria de Justiça do Rio São Francisco, ela afirmou que essa também é a opinião do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos dos estados da região.

O gerente do programa São Francisco, cujo responsável é o Consórcio Logos-Concremat, Rômulo Macedo, mostrou estudos da Agência Nacional de Águas (ANA) que mostram que o uso de 26 metros cúbicos de água por segundo do Rio São Francisco – previsto para a transposição – não irá alterar a situação do rio. “O problema da oferta não foi resolvido no semi-árido porque falta uma fonte de abastecimento permanente como o Rio São Francisco”, explicou.

O secretário de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional, João Reis Santana Filho, explicou que o rio vem sendo vilipendiado há séculos devido às demandas do processo de desenvolvimento do Brasil. Porém, de acordo com ele, antes do projeto e da polêmica gerada por ele, nada havia sido feito pela recuperação do rio. “Saio até da minha secretaria se alguém me provar que antes desse projeto alguém já havia realizado alguma coisa pela revitalização do São Francisco”, disse.

O ambientalista e coordenador do portal EcoDebate, José Henrique Cortez disse que existe muita fantasia em torno do tema e pediu a contribuição do Senado para realizar um pacto nacional destinado a discutir o desenvolvimento sustentável do Nordeste.

Os atores Osmar Prado, Letícia Sabatella e Carlos Vereza, integrantes do Movimento Humanos Direitos, também participaram da audiência pública que discutiu o assunto. Ao elogiar a Casa pela iniciativa de realizar o debate, Letícia Sabatella considerou tardia a discussão sobre o projeto, cujas obras já se iniciaram.

Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Canedo de Magalhães, “não há a menor dúvida de que é absolutamente necessário que seja acrescida a segurança de água para a região do semi-árido com a transposição de um regime qualquer que seja permanente, como o Rio São Francisco”, esclareceu.

Por fim, o bispo de Goiás, dom Tomás Balduíno, afirmou que é preciso ajudar a população ribeirinha de maneira participativa, dando oportunidade de desenvolvimento sustentado a todos é objetivo que deve ser buscado durante a execução do projeto de integração de águas do Rio São Francisco. Dom Balduíno aplaudiu a oportunidade de poder ouvir as pessoas favoráveis e contrárias ao projeto, cada lado especificando e defendendo seus argumentos.

BOX:

O que é o projeto de transposição do Rio São Francisco

De acordo com informações do Ministério da Integração Nacional, o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional é um empreendimento do governo federal destinado a assegurar oferta de água, em 2025, a cerca de 12 milhões de habitantes de cidades da região semi-árida dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. A integração do rio São Francisco às bacias dos rios temporários do semi-árido se dará com a retirada contínua de 26,4 metros cúbicos de água por segundo, o equivalente a 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (.850 metros cúbicos de água por segundo) no trecho do rio onde se dará a captação.

O governo pretende destinar este montante hídrico à população urbana de 390 municípios do agreste e do sertão dos quatro estados do Nordeste Setentrional. As bacias que receberão a água do Rio São Francisco são Brígida, Terra Nova, Pajeú, Moxotó e Bacias do Agreste, em Pernambuco; Jaguaribe e Metropolitanas, no Ceará; Apodi e Piranhas-Açu, no Rio Grande do Norte; Paraíba e Piranhas, na Paraíba.

O projeto prevê a construção de dois canais – o Eixo Norte, que levará água para os sertões de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte e percorrerá cerca de 400 km; e o Eixo Leste, que beneficiará parte do sertão e as regiões agrestes de Pernambuco e da Paraíba – e se desenvolverá por um caminhamento de 220 quilômetros. Os eixos de integração foram concebidos na forma de canais de terra, com seção trapezoidal, revestidos internamente por membrana plástica impermeável, com recobrimento de concreto, ainda de acordo com as informações do ministério.

Obra

Em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) cassou decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que havia suspendido as obras de transposição do Rio São Francisco, iniciadas em março de 2007, após autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O governo anunciou em janeiro deste ano a retomada das obras de transposição do Rio São Francisco pelo 2º Batalhão de Construção e Engenharia do Exército. Desde junho de 2007, os militares executam trabalhos de topografia e construção de uma barragem e dois canais de aproximação do rio com as estações de bombeamento, na região de Cabrobó (PE).