A programação comemorativa ao aniversário de morte de Patativa do Assaré foi aberta com a celebração de uma missa, na quadra de esportes da Igreja de São Francisco, no Crato, que contou com a participação de mais de duas mil pessoas. A programação prossegue amanhã, em Assaré, com um almoço de confraternização da família do poeta que morreu no dia 8 de julho de 2002, há sete anos.
No Crato, o ato religioso foi celebrado pelo padre Raimundo Elias, que reside em Portugal e encontra-se de férias no Cariri. De violão em punho, o celebrante abriu a cerimônia interpretando a música de sua autoria “Canta Patativa”, que identifica o poeta como um missionário da fé, da oração e da solidariedade.
Durante o ritual, que durou mais de duas horas, foram apresentadas músicas e poesias de Patativa, declamadas pelo radialista e comerciante Chiquinho Feitosa. Na homilia o padre Raimundo Elias justificou que a celebração teve como objetivo resgatar os valores que foram defendidos pelo testemunho de vida de Patativa, um homem simples, pobre, sofrido e sábio, que encarnou princípios éticos e religiosos que foram esquecidos pela maioria da população atualmente.
“É a missão da expressão da nossa nordestinidade, estas características de cada povo, de cada gente, através das quais, nós somos reconhecidos”, definiu o celebrante, acrescentando que Patativa encarnou muito bem esse jeito de ser do nordestino. Além dessa identificação com o povo da região, o poeta resgatou os mais originais valores da comunidade.
O primeiro deles, segundo Padre Elias, foi à valorização de sua terra. Mesmo sendo obrigado a viajar, Patativa passou a maior parte de sua vida em Assaré, sua terra natal. Quem quisesse vê-lo, teria que subir a Serra de Santana. Este amor telúrico à terra natal representa o apego que o nordestino, o retirante, que é obrigado a deixar o sertão, tem pelas suas origens.
Valorização do povo
Outra virtude de Patativa era a valorização de sua gente, as pessoas iguais a ele, o que foge um pouco desse estereotipo de valorizar sempre pessoas diferentes, mais importantes, ricas e sábias. Segundo destacou o pároco, o poeta valorizava sua gente, a partir dele mesmo. Sabia a capacidade que tinha os valores e, com simplicidade, sabia se impor.
Outra virtude lembrada pelo padre Elias é que o poeta valorizava seu trabalho. Um trabalho simples, humilde, braçal que ele nunca abandonou. Sempre que podia, pegava o chapéu de palha, a roupinha surrada, a enxada e tomava o caminho da roça. Ele mostrou aquilo que os sábios de hoje já destacam em suas palavras: “que não há uma atividade superior, sublime ou sagrada. Há uma maneira sagrada de executar todas as coisas”.
Padre Elias afirmou que Patativa podia ser rico. No entanto, não aceitava concessões, dinheiro fácil. Sempre que alguém lhe oferecia presentes, ele fazia algumas reservas, porque não queria mudar seu estilo de vida. Nada que alterasse aquilo que foi opção dele, uma vida modesta. Nem por isso deixou de viver 93 anos, com bastante felicidade.
Nas homenagens, também foi mostrado que o poeta da nordestinidade era uma pessoa desapegada, que se mantinha independente em relação a coisas e pessoas, assegurando a sua liberdade. “Ele sempre defendeu a sua condição de homem livre. Nunca se curvou diante dos poderosos. Sua poesia missionária estava acima de todas as ideologias e partidos políticos”, afirmou.
A figura do servo sofredor também foi apontado durante o cerimonial. Na explicação do padre Elias, é o Patativa que se mostra como aquele que sofre todas as amarguras e dificuldades que o nordestino sertanejo sofre. “Pobre, sozinho e, por último, cego. No entanto, soube vencer o sofrimento pela capacidade de sofrer”.
Mas, como contraponto, também se pode ver no poeta o homem alegre e bem humorado. Basta ler as entrelinhas das poesias. É uma alegria bíblica que lembra a aparição do anjo à Nossa Senhora: “Alegra-te porque o Senhor está contigo, disse o anjo. Patativa tinha esta consciência muito lúcida de que Deus nos protege”, afirmou padre Elias.
Outro aspecto destacado foi o homem silencioso e solitário, que gostava de escutar a voz da consciência para depois falar alguma palavra abalizada.
EXEMPLO DE DETERMINAÇÃO
Na vida, poeta declara amor ao sertão
Crato. Antônio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu a cinco de março de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. É o segundo filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Foi casado com dona Belinha, de cujo consórcio nasceram nove filhos. Publicou cerca de dez livros de poesias. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Está sendo estudado na Sorbonne, Paris, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do professor Raymond Cantel.
O poeta era unanimidade no papel de poeta mais popular do Brasil. Para chegar aonde chegou, tinha uma receita prosaica: dizia que para ser poeta não era preciso ser professor. “Basta, no mês de maio, recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão”, declamava com maestria.
Cresceu ouvindo histórias, os ponteios da viola e folhetos de cordel. Em pouco tempo, a fama de menino violeiro se espalhou. Com oito anos trocou uma ovelha do pai por uma viola. Dez anos depois, viajou para o Pará e enfrentou muita peleja com cantadores. Quando voltou, estava consagrado: era o Patativa do Assaré. Nessa época os poetas populares vicejavam e muitos eram chamados de “patativas” porque viviam cantando versos. Ele era apenas um deles. Para ser melhor identificado, adotou o nome de sua cidade.
Filho de pequenos proprietários rurais, ele inspirou músicos da velha e da nova geração e rendeu livros, biografias, estudos em universidades estrangeiras e peças de teatro. Também pudera. Ninguém soube tão bem cantar em verso e prosa os contrastes do sertão nordestino e a beleza de sua natureza. Talvez por isso, ele ainda influencie a arte feita hoje.
Como todo bom sertanejo, Patativa começou a trabalhar duro na enxada ainda menino, mesmo tendo perdido um olho aos quatro anos. No livro “Cante lá que eu canto cá”, o poeta dizia que no sertão enfrentava a fome, a dor e a miséria, e que para “ser poeta de vera é preciso ter sofrimento”.
Patativa só passou seis meses na escola. Isso não o impediu de ser Doutor Honoris Causa de pelo menos três universidades. Não teve estudo, mas discutia com maestria a arte de versejar. Desde os 91 anos de idade, com a saúde abalada por uma queda e a memória começando a faltar, Patativa dizia que não escrevia mais porque, ao longo de sua vida, “já disse tudo que tinha de dizer”. Patativa morreu em 8 de julho de 2002 na cidade que lhe emprestava o nome.