ONG denuncia maus tratos a refugiados palestinos no Líbano


Cerca de 410 mil refugiados palestinos vivem abaixo da linha da pobreza e enfrentam desemprego atualmente no Líbano, segundo dados da UNRWA, a agência da ONU (Organização das Nações Unidas) que presta assistência aos refugiados palestinos. A soma equivale a 10% da população total libanesa e a maior parte dos refugiados vive no país desde 1948, após a primeira invasão de Israel aos territórios palestinos.

Mesmo com esse número representativo, os palestinos enfrentam há mais de 60 anos condições de vida precárias no Líbano. Não possuem cidadania ou direitos civis e têm acesso limitado a serviços públicos de saúde e educação. A maioria depende completamente do atendimento da UNRWA, que possui 87 escolas e 25 postos de saúde espalhados pelos 12 campos de refugiados que existem no país.

"Os refugiados palestinos que vivem no Líbano tem as piores condições de vida de todo o Oriente Médio", afirma Nadim Houry, analista sênior da Human Rights Watch (HRW) para a Síria e Líbano. A ONG abriu no final do ano passado seu primeiro escritório na região, reconhecida internacional pelos frequentes casos de violações aos direitos humanos.

O mesmo não acontece no restante do mundo árabe. "Na Síria, a situação dos direitos humanos em geral é terrível, mas o governo tem sido generoso com os refugiados palestinos como forma de aumentar sua influência na região e, na Jordânia, eles tem plenos direitos e são cidadãos de primeira classe", explica Houry.

Antes de se tornar pesquisador na HRW, o advogado foi membro da investigação da ONU sobre o Programa "Oil-for-Food" (Petróleo por Alimentos) –estabelecido em 1995 para permitir que o Iraque vendesse petróleo no mercado internacional em troca de itens de necessidade básica e que foi alvo de escândalos de corrupção após ser desmantelado em 2003.

Subemprego

No Líbano, a legislação trabalhista proíbe os refugiados palestinos de trabalharem em 20 tipos de profissões, devido a um conceito de reciprocidade. "Brasileiros dentistas podem atuar no Líbano, porque libaneses podem ser dentistas no Brasil, mas isso não se aplica aos palestinos, que não possuem um Estado próprio", afirma Hoda El-Turk, porta-voz da UNRWA no Libano.

Para tentar reverter a situação, a agência da ONU possui centros de treinamento profissional (como aulas de costura e secretariado) e tem trabalhado em parceria com o governo libanês, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a OLP (Organização para a Libertação da Palestina).

Em 2007, criaram o Comitê para o Emprego dos Refugiados Palestinos no Líbano (FCEP, na sigla em inglês), com o objetivo de mapear a situação do emprego nos campos de refugiado do país e apontar soluções.

"Uma nova alternativa, que surgiu nos últimos dois anos, é o mercado de trabalho dos países da região do Golfo, principalmente na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes. Eles precisam de mão-de-obra qualificada e nós fornecemos serviços de colocação profissional de universitários. Fazemos a ponte com o empregador", acrescenta Hoda.

No entanto, na maioria dos casos a procura de emprego no mercado informal prevalece como alternativa para os refugiados palestinos. "Por conta das proibições, eles acabam buscando subempregos, trabalham como pedreiros e faxineiros e ganham muito abaixo do piso salarial", explica Benjamin Schuetze, estudante universitário alemão em intercâmbio com a Universidade Americana de Beirute (AUB na sigla em inglês).

Ele ensinou inglês para palestinos como voluntário durante os últimos seis meses no campo de refugiados de Chatila, em Beirute. Em 1982, o local foi alvo de um ataque de forças cristãs falangistas durante invasão de Israel no Líbano que resultou em mais de 2.000 mortos, a maioria composta por civis, mulheres e crianças. No mesmo ano, a Assembleia Geral da ONU reconheceu o episódio como genocídio.

Cena política

Passados 27 anos, a situação dos campos permanece caótica. "Os cortes de luz são constantes, falta água, não há rua asfaltada e os jovens estão desempregados", conta Schuetze. Desde 2005, o governo do Líbano instalou um Comitê de Diálogo Libanês-Palestino (LPDC, na sigla em inglês) para promover a melhoria das condições de vida dos refugiados, sem resultados efetivos ainda.

O problema foi abordado em recente relatório do centro de pesquisas International Crisis Group como uma das maiores violações dos direitos humanos no Líbano. "Hoje a questão dos refugiados está intrinsecamente relacionada às divisões sectárias libanesas. Os palestinos são em sua maioria muçulmanos sunitas e há o temor de que desequilibrem o cenário político do país se forem naturalizados", afirma o documento intitulado "Cultivando a instabilidade: campos de refugiados palestinos no Líbano".

No dia 7 de junho, o Líbano realizou eleições parlamentares, reconhecidas como pacíficas e idôneas por mais de 200 observadores internacionais. É a primeira vez que o pleito acontece em um dia, em vez de se prolongar por quatro fins de semana, como de costume. O cenário de tranquilidade deveu-se, sobretudo, à vitória da coalizão governista sobre a aliança liderada pelo grupo xiita Hizbollah.

Desde o assassinato do primeiro-ministro Rafik Hariri em 2005, o Líbano enfrenta frequentes crises políticas e o receio de outra Guerra Civil (-90) é uma constante no país dividido entre grupos políticos cristãos, xiitas, sunitas e druzos.