O presidente dos EUA, Barack Obama, fez um discurso ao congresso na noite desta quinta-feira, 8, apresentando e defendendo seu projeto de “lei do emprego” como o caminho para superar a estagnação da economia, reduzir o número de desempregados, que chega a 25 milhões, segundo estimativas oficiosas, e reconduzir o país à liderança da economia mundial.
O pacote prevê gastos de US$ 447 bilhões e Obama fez questão de apresentá-lo como uma obra “bipartidária”, afiançando que não eleva o déficit público e contempla muitas bandeiras dos republicanos. “Tudo nesta proposta tem sido apoiado por democratas e republicanos e tudo [que for gasto] vai ser compensado”, assevera.
Alívio fiscal
De acordo com o presidente, o projeto “vai reduzir impostos que incidem sobre os salários pela metade para todos os trabalhadores norte-americanos e todas as pequenas empresas”.
O principal ponto do pacote, segundo o jornal Valor, é prorrogar e ampliar um alívio fiscal nos salários dos trabalhadores. A alíquota da previdência sobre os salários dos trabalhadores foi reduzida de 6,2% para 4,2% este ano e deixa de vigorar no final de 2011. O governo Obama quer prorrogar essa medida e ainda reduzir a alíquota para 3,1%, o que deve custar aos cofres do governo US$ 240 bilhões, incluindo um corte semelhante na alíquota da previdência paga pelos empregadores.
Cenário político
Obama, que enfrenta a mais baixa taxa de aprovação de seu governo e uma taxa de desemprego historicamente alta de 9,1%, também propôs prorrogar o benefício de auxílio-desemprego a um custo de US$ 55 bilhões, modernizar escolas por US$ 30 bilhões e investir em projetos de infraestrutura de transporte que vão custar outros US$ 50 bilhões.
No discurso, o presidente reconheceu o declínio da liderança econômica dos EUA no mundo e disse que seu plano pode reverter a tendência histórica. “Se dermos os incentivos corretos, a América vai ser a número 1 novamente”. Defendeu os investimentos em infraestrutura e educação, assegurando que “estamos trabalhando para reconstruir a América”.
Não na China
Registre-se referências diretas à grande rival do Oriente e à chamada deslocalização da indústria: “Vocês vão poder construir… aqui na própria América, não na China”. Obama também ambiciona mais exportações dos EUA, mais produtos ´made EUA´ no planeta, e para isto apregoa a necessidade de ampliar os acordos de livre comércio. “É hora de abrir caminho para uma série de acordos comerciais que vão tornar mais fácil às companhias norte-americanas vender seus produtos no Panamá, Colômbia e Coreia do Sul, e ao mesmo tempo ajudar os trabalhadores cujos empregos estão sendo afetados pela concorrência global”.
Para muitos ouvidos o discurso de Obama soou como uma cartada algo desesperada para a batalha política de 2012, na qual busca a reeleição. Republicanos classificam o pacote de demagogia eleitoral. Mas o fato é que a economia da maior potência capitalista do mundo resvala novamente para a recessão e parece óbvio que alguma coisa deve ser feita e com urgência.
Obama, que foi eleito com apoio massivo da classe trabalhadora prometendo uma solução para a crise, a redução do desemprego, o fim da guerra no Iraque, o fechamento da base de Guantânamo e tantas outras proezas, amarga hoje o mais elevado índice de desaprovação do seu governo. Ele talvez tenha imaginado que o assassinado de Bin Laden garantisse a reeleição, como a “guerra ao terror” de Bush em 2001, mas é notório, e indiscutível, que o desespero de milhões de trabalhadores amargando o desemprego já não pode ser ignorado.
Foco errado
O resultado da “lei do emprego” de Obama será melhor avaliado ao longo dos próximos meses. Mas não é difícil notar que a reação vem tarde. O governo e o Federal Reserve (FED, banco central dos EUA) gastaram o grosso da munição que o Estado dispõe para fazer frente à crise no resgate do sistema financeiro, negligenciando a necessidade de proteger a classe trabalhadora, o que significa investir na criação de empregos e no fortalecimento do setor produtivo. Não foi o que ocorreu.
Derramaram trilhões de dólares na economia. O déficit público subiu a 9,9% do PIB em 2009 e 10,6% em 2010, devendo alcançar 10,8% neste ano, segundo estimativas do FMI. A dívida pública extrapolou os limites e ensejou um conflito entre republicanos e democratas no Congresso que abalou os mercados de capitais e resultou no rebaixamento da classificação de risco dos EUA. Agora, com o governo de mãos amarrados pelo acordo em torno dos limites da dívida pública, as opções da Casa Branca são mais estreitas.
O governo chegou ao ponto de estatizar a GM para proteger um símbolo do poder industrial do império, mas ironicamente o plano de reestruturação da multinacional, com um custo estimado em R$ 50 bilhões, reduziu unidades produtivas e empregos da montadora nos EUA e estimulou a chamada deslocalização, via expansão dos investimentos na China e no Brasil. Neste caso, a intervenção do Estado foi responsável pelo aumento do número de operários desempregados. É a lógica da chamada globalização.
A proposta apresentada por Obama, com valor bem modesto comparado aos anteriores, não é muito convincente, apesar da aparente defesa da pequena empresa e do trabalhador. Quanto à pretensão de reposicionar a economia estadunidense no topo do ranking mundial, trata-se de uma grande, e inevitável, ilusão.