Juazeiro do Norte: uma cidade dentro da outra


Juazeiro do Norte, a metrópole do Cariri, que hoje comemora o centenário de sua fundação oficial, guarda em si uma cidade imaginária, muito maior que ela, que é também sua alma. Uma cidadela, um pouco mais antiga, que hoje vive asfixiada em meio à “civilização” dos bancos, do comércio e do turismo, com seus shoppings, carros de som, anúncios luminosos, automóveis, mansões, hotéis de luxo, condomínios fechados, balneários, esgotos a céu aberto, drogas, violência e igrejas suntuosas. 
 
 
Com tanta poluição visual e sonora, o antigo dístico do Padre Cícero, “em cada casa uma oficina e um oratório”, parece ter sido substituído por “em cada casa um cartão de crédito e cinco celulares”.
 
 
Um olhar mais apurado, porém, percebe que a Terra Santa do Meu Padim resiste, nas entrelinhas do Juazeiro, e vai muito além dele. É que os romeiros, mesmo nas mais adversas situações, vão reconstruindo sua Meca. Assim, nos lugares mais inesperados, no canto de uma loja de shopping, por exemplo, surge um oratório, e na escadaria do altar lateral de uma igreja recém construída aparece um novo rito.
 
 
A fundação de Juazeiro como terra santa teve seu marco no milagre protagonizado pela beata Maria de Araújo. Desde então ele foi construído pelos romeiros como duas cidades, uma visível e outra encantada, sendo que a primeira prepara a emersão da segunda.
 
 
Juazeiro do Padre Cícero é a Nova Jerusalém que no final da era desencantará. Daí a necessidade de construção, reconhecimento e renovação ritual de seus marcos, a cada nova romaria. Para o romeiro, a viagem ao Juazeiro é a vivência de um ritual de renovação do espírito, que precisa ser seguido em todos os seus passos, festivos ou expiatórios, para que se complete.
 
 
O rito de uma romaria tem início em seu local de origem, se estende pelo caminho e alcança toda sua permanência em Juazeiro. Ali se desdobra em caminhadas por marcos na própria cidade e tem seu ponto alto na subida do Horto pela estrada velha, passando pelo rio Jordão encantado no Salgadinho, parando em cada capela e estação, incluindo a Pedra do Joelho, chegando à grande estátua na Serra do Catolé, flui na ida por um atalho ao Santo Sepulcro, com seus procedimentos anímicos e gestuais mágicos em meio a um sítio de pedras, repleto de altares e inscrições.
 
 
Esses lugares sagrados se somam, se renovam e se reinventam a cada romaria. São marcos da cidade encantada construída pelo imaginário romeiro. Nela, muitos ficam, não para esperar o milagre ou o fim do mundo, mas para trabalhar como missão, fazer arte, como ferreiro, roceiro, poeta ou mestre de reisado. Preparam o terreno para o dia em que, do alto do Horto, o Céu se juntará a Terra, o Padrinho Cícero voltará para junto dos seus e os pobres, enfim, possuirão a terra.
 
 
Oswald Barroso – Escritor
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