Inácio Arruda lembra dificuldades do Haiti antes do terremoto


Ao expressar seu apoio integral à proposta de aumento do efetivo militar brasileiro no Haiti, o senador Inácio Arruda (PCdoB) lembrou detalhes da história do país antes do terremoto de 7 pontos de magnitude que, no dia 12 de janeiro, deixou centenas de milhares de mortos e desabrigados.

O senador observou que, devido a uma trajetória de guerras civis, boicote internacional, preconceito e miséria, que data do período colonial, o Haiti já carregava uma "herança social brutal". Frisou, porém, que o "povo haitiano é um povo de luta".

– O Haiti não sairá do \’ai de ti\’ se não for pelas mãos de seu próprio povo – disse.

A declaração foi feita durante sessão da Comissão Representativa do Congresso Nacional, convocada para examinar mensagem do governo que solicita o aumento do número de militares brasileiros na Missão das Nações Unidas (ONU) no Haiti de 1.300 para 2.600. O Brasil comanda a missão de paz naquele país.

Inácio Arruda elogiou o trabalho das forças de paz e lamentou a morte dos 18 militares brasileiros no terremoto, assim como dos três civis, especialmente da doutora Zilda Arns, coordenadora da Pastoral da Juventude. 

 Íntegra do Pronunciamento:

O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB – CE. Para discutir. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiro, um grande 2010 para todos, que a gente consiga conduzir o nosso País a bom termo, assim como vem sendo conduzido nos últimos anos, especialmente durante o Governo de Lula.

Quero, Sr. Presidente, prestar inicialmente as minhas homenagens à Drª Zilda Arns, aos militares brasileiros, ao nosso diplomata Luiz Carlos da Costa, que deixaram marcado no solo do Haiti a presença do amor, do carinho e do esforço brasileiro para que aquela nação consiga finalmente encontrar seu caminho.
Quero também me congratular com as Nações Unidas, mostrando o seu papel de busca da paz numa nação tão sofrida como é o Haiti.

Dizia, Sr. Presidente, que o Haiti não é aqui. O Brasil é um país forte, próspero, capaz, organizado, temos enfrentamentos, diferenças de ponto de vista, mas o nosso País é capaz de enfrentar muitas tragédias. Já vivenciamos muitas tragédias e saímos de forma positiva de todas elas.

Aqui não é o Haiti. E diria que ai de ti, Haiti, pela luta brava do teu povo, primeiro nesse período mais conhecido da humanidade, esse mais recente, que nós brasileiros podemos falar desde a chegada dos portugueses, espanhóis, holandeses, franceses, ingleses e tantos outros, que chegaram nessa região e, segundo Darcy Ribeiro, nosso Senador, devastaram essa região do mundo, exploraram-na de forma truculenta e brutal, dizimando os chamados “povos originários”, destruindo uma nação, como a nação tupinambá, que ia do Amapá a Buenos Aires falando uma única língua; uma única língua falava esse povo. Foram destroçados; um genocídio brutal, de lesa-humanidade, que pouco se faz referência nos dias atuais. Mas foi isso que ocorreu.
Ai de ti Haiti, porque o Haiti foi a primeira nação neste período, desde o período das grandes navegações – final do século XV, início do século XVI –, desde lá até aqui foi a primeira nação a libertar os escravos, mesmo antes dos ingleses, que arvoram esse direito, reclamam para si esse direito de ter sido a primeira nação. Quer dizer, poderíamos dizer que os ingleses foram os campeões de tráfico de negros pelos oceanos. Haiti libertou-se da escravidão, mas quando libertou-se, o seu país já estava devastado, o seu país já tinha sido destruído. Ecologicamente hoje? Não, já estava devastado pelas grandes plantações de cana-de-açúcar que destruíram toda a sua floresta, arrasaram todo o seu país. Já era um povo destruído.

Livres, Napoleão na França resolveu – porque hoje quem leva a civilização para o mundo são os americanos; mas, naquela época, o Imperador Napoleão era quem levava a civilização para o mundo –, resolveu perguntar como eram as colônias antes da libertação dos escravos. E responderam a Napoleão: “Eram prósperas”. “Ora, se eram prósperas, então, vamos restabelecer a escravidão.” Assim, mandaram dezenas de navios cheios de soldados franceses para restabelecer a escravidão em ex-colônias no Haiti. Ali, os soldados franceses que restabeleciam a escravidão foram derrotados pelos negros que se tinham libertado.

Ai de ti, Haiti! Aí está o problema central. É daí que vem a tragédia do Haiti: teve de pagar uma dívida para garantir sua liberdade que hoje chegaria a preço de US$21,7 bilhões ou a 44 orçamentos anuais do Haiti de hoje. Foi isso que os negros do Haiti tiveram de pagar. Pagaram caro para ter sua liberdade, seu país já devastado, destruído e sem ecologia. Falar em ecologia hoje no Haiti é como se disséssemos que os negros não conseguem conviver ecologicamente, ou que os negros é que são o mal, ou que esse povo é que não presta.
Não é verdade. Não é verdade. O povo haitiano é um povo que luta, é um povo que não se curva, é um povo que não tem deixado o seu país ser dominado para sempre.

Derrotados os franceses, surgiu uma outra civilização, também libertária. Em 1915, os fuzileiros navais, então, resolveram levar a civilização para o Haiti. Ficaram 19 anos. A primeira coisa que fizeram foi ocupar a alfândega e o escritório de arrecadação de impostos. O exército de ocupação reteve o salário do Presidente haitiano até que este assinasse a liquidação do Banco da Nação, que foi substituído sabe por qual banco? Citibank, de Nova York. O Presidente e todos os demais negros tinham entrada proibida nos hoteis, restaurantes e clubes exclusivos do poder estrangeiro. Os ocupantes não se atreveram a restabelecer a escravidão, mas impuseram o trabalho forçado para obras públicas. Passaram 19 anos, até 1934.
O chefe guerrilheiro Charlemagne Peralte, que lutava pela libertação do seu povo, foi morto, pregado numa cruz contra uma porta e exibido em praça pública como lição: “Ai de ti, Haiti.”

Em visita recente, meu caro Presidente Sarney, meu caro Relator, Mauro Benevides, brilhante, talvez pudesse me dizer que inenarrável é a tragédia que esse povo sofre antes de qualquer terremoto.

A herança deixada foi uma guarda nacional, fabricada pelos americanos, e um ditador conhecido, Duvalier, já citado aqui por Zequinha Sarney, e seu herdeiro, Baby Doc. Segundo S. Exª informou aqui – e eu não sabia – anda ainda passeando pela França e etc e tal. A França que cedeu a Estátua da Liberdade aos americanos e companhia limitada!

Sr. Presidente, faço essa incursão na história para percebermos o que ocorre. Essa ilha virou uma espécie de ilha rebelde que não aceita a sua dominação, não se deixa dominar, luta pela sua liberdade. Depois de Duvalier, de Baby Doc, surge Aristides como um rebelde, um padre rebelde. Vocês sabem que poucos meses depois ele foi derrubado pelos homens da civilização atual, pelos fuzileiros navais americanos. Foi levado para os Estados Unidos. Voltou meio que enquadrado pelos americanos. Mas o enquadramento não deu muito certo. Derrubaram novamente Aristides, junto com os franceses, diga-se de passagem – americanos e franceses. Esse é um pouco da história antes do terremoto.

Há pouco um missão nossa esteve no Haiti cultivada pelo trabalho de afinco feito pelo Senador Azeredo na Comissão de Relações Exteriores. Uma Comissão do Senado visitou o Haiti.

Mas, hoje, o Haiti é como uma grande sucata à espera não apenas de apoio, de solidariedade internacional, mas da compreensão do mundo de que aquele país não sairá do “ai de ti” se não for pelas mãos do seu povo e pela democracia instalada pelas mãos do seu povo.
Muito obrigado, Sr. Presidente.