Guerrilha


A indenização de camponeses e a criação de um grupo de investigação sob a responsabilidade do Exército abriu caminho para o governo convencer as Forças Armadas a apontar onde foram parar os corpos dos guerrilheiros desaparecidos durante a Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1975. No centro do episódio por ter organizado a guerrilha, a direção do PCdoB diz que a solução está agora nas mãos do ministro da Defesa, Nelson Jobim, mas acha nunca houve um clima tão favorável à elucidação deste que é um dos mais fortes episódios dos anos de chumbo.

– Vejo disposição do governo, mas é importante que haja representação multilateral no grupo de trabalho criado pela portaria do Ministério da Defesa – diz o ex-deputado Aldo Arantes, dirigente do PCdoB, e um dos últimos militantes presos pelo regime militar na operação que resultou, em 1976, no assassinato dos membros do Comitê Central do partido em São Paulo, no episódio que ficou conhecido como a Chacina da Lapa. Ele quer que familiares dos desaparecidos participem das buscas que deverão ser realizadas no Araguaia, mesmo que seja como observadores, conforme prevê a portaria de Jobim.

Presente à cerimônia que julgou os processos, esta semana, em São Domingos do Araguaia, ao lado do presidente do partido, Renato Rabelo, Arantes afirma ue a indenização levou alívio aos camponeses, mas frisa que chegou a hora de o Estado mostrar o que efetivamente aconteceu no Araguaia. – O que nos interessa é saber como foi a ação dos militares, como eles agiram e o que foi feito com os corpos. Há notícias de companheiros que tiveram mãos e cabeças decepadas e de outros que teriam sido incinerados – lembra o dirigente.

Segundo ele, o governo já foi notificado e terá de cumprir a sentença da juíza Solange Salgado, da Justiça Federal de Brasília, determinando o detalhamento das ações militares e a localização dos corpos. As informações e documento sobre o período, afirma o dirigente, estão com o oficial do Exército que comandou a extinção da guerrilha, o ex-deputado e ex-prefeito de Curionópolis, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, arquivo vivo de todo o conflito, ocorrido entre 1972 a 1975. – Ele (Curió) tem toda a documentação e deve ser ouvido pelo grupo de trabalho que tem autoridade em fazer a pesquisa – diz Arantes.

Terras
Curió é o principal guardião da história da Guerrilha do Araguaia, mas não é o único. Outro militar que acompanhou é João Sarmento Santa Cruz, localizado na região por ex-soldados que combateram no Araguaia, integrantes de outra entidade que briga pela anistia, a Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia. Ouvido em 2003 pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Santa Cruz desconversou, mas nos últimos tempos passou a apontar locais onde poderiam estar os restos de mais de dez guerrilheiros. O problema, segundo um dos dirigentes da entidade, é que Santa Cruz quer dinheiro para dizer o que sabe. O ex-sargento e outros 15 guias recrutados pelo Exército para ajudar nas operações de remoção das ossadas dos guerrilheiros seriam hoje peças importantes na investigação sobre o paradeiros dos desaparecidos.

No final da guerrilha, os dois militares entraram em choque por causa da divisão das terras confiscadas pelo Exército e Curió ganhou a parada. Preso e incomunicável por ter seu nome citado num bilhete em que tratava da distribuição de frações de terra, Santa Cruz perdeu promoções no Exército e ainda acabou rebaixado para 3º sargento graças à interferência de Curió.

Resgate
Quando instalou-se no Araguaia, Curió usava o codinome de Doutor Luchini e se apresentava como coordenador do Incra na região, um cargo que, apesar de falso, ele acabou usando de fato para tocar o processo de distribuição das terras tomadas de posseiros e dos guerrilheiros. Estimativas extra oficiais apontam que o PCdoB comprou mais de dez áreas na região que se transformaria no circuito da guerrilha.

Eram fazendas com tamanho entre 300 a 400 hectares, adquiridas legalmente de posseiros antigos. Uma delas, num local conhecido como Faveira, em São João do Araguaia, abrigou os principais dirigentes do PC do B, João Amazonas e Maurício Grabóis, e era uma espécie de QG da guerrilha. Foi comprada do fazendeiro Pedro Frutuoso em Araguatins pelo único estrangeiro da guerrilha, o italiano Líbero Giancarlo Castiglia, com recursos cuja origem é ainda um mistério. Como a direção do PCdoB nunca admitiu que dinheiro obtido em assaltos por outras organizações fosse usado para estruturar a guerrilha rural, outra fonte provável pode ter sido o governo chinês, que apoiou o movimento. As outras duas posses mais conhecidas eram Gameleira, no município de Palestina do Pará – onde ficava um dos líderes, Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, e também o hoje deputado José Genoino Neto (PT-SP) – e Caianos, em São Geraldo do Araguaia. Nessa área ficava a fazenda do economista Paulo Mendes Rodrigues, tomada pelas Forças Armadas logo no início do conflito – e que acabou transformada numa das bases do Exército.

– Sobre as terras não há problemas. O que queremos efetivamente é conhecer a história e resgatar os corpos para dar aos companheiros um enterro digno – diz Arantes.