Entrevista – Cine Ceará


Em entrevista ao OPovo o cineasta Wolney Oliveira faz um balanço do 19º Cine Ceará, que terminou ontem, rebate acusações de que o festival vai mal das pernas e antecipa mudanças para a edição do ano que vem.

A 19ª edição do Cine Ceará terminou ontem, com a premiação dos vencedores das mostras competitivas e a exibição hors-concours do longa Siri-Ará, de Rosemberg Cariry. Na noite anterior, o diretor geral do festival, Wolney Oliveira, aceitou o convite do O POVO para fazer um balanço geral do evento.

Em pauta, o suposto encolhimento do festival, a programação de comemoração das suas duas décadas e as mudanças que devem ocorrer nas próximas edições. Confira os principais trechos da entrevista.

O POVO – Como você avalia a 19ª edição do Cine Ceará?
Wolney Oliveira – Em relação à programação, o festival ganhou coisas fundamentais, entre eles a mostra Che, Olhares no Tempo, que foi um grande sucesso de público e crítica; o fato de ter trazido o Fisín (Luis Carlos Gutierrez), o dentista cubano que alterou o rosto de Che para as guerrilhas no Congo e na Bolívia; a presença do ator Santiago Cabrera, do elenco de Che, o Argentino. A própria estreia nacional desse filme do (Steven) Sorderbergh aqui dois meses antes de ele ser lançado no Brasil. O problema do som e do ar condicionado que a gente finalmente conseguiu resolver. A questão da frequência de público, que mesmo a gente concorrendo com as outras várias atrações da última semana de férias conseguiu estar com a sala lotada quase todas as noites não só aqui no São Luiz, como nas outras mostras. Tem mais: a clínica de projetos do Steve Solot, o edital Fortaleza Verde Imagem, as mostras de acessibilidade… Enfim, é um saldo muito positivo.

OP – Realmente é muita coisa. Mas o curioso é que, olhando de fora, a impressão que se tem é que o festival encolheu.
Wolney – Uma impressão equivocada. Na verdade, o festival cresceu. No ano passado, por exemplo, ocupamos uma sala do Espaço Unibanco, este ano estamos ocupando as duas. Trabalhamos praticamente com o mesmo orçamento de 2008 e aumentamos o número de mostras e filmes exibidos.

OP – Mas você há de convir que o Cine Ceará adotou uma nova postura, digamos assim. Tem um novo direcionamento, diferente daquele que tinha no final da década de 1990 e começo dos 2000.
Wolney – Sem dúvida. Foi nesse período, na época do Instituto Dragão do Mar, que a gente ganhou visibilidade nacional. Era outro momento.

OP – Foi nessa época que o festival atraiu o maior número de estrelas e tinha sessões disputadíssimas. Hoje, essa 19ª edição é, no meu entender, a mais marxista de todas…
Wolney – (Risos) Você tem razão, essa edição é a mais marxista mesmo – se bem que a gente sempre teve uma relação muito forte com Cuba. Mas você veja bem, eu considero o Cine Ceará o festival mais político e mais politizado do nosso circuito. E isso, como não poderia deixar de ser, fica cada vez mais claro.

OP – O que o aproxima ideologicamente do Festival de Brasília e, por consequência, o afasta do Festival de Gramado, que é uma coisa mais “Castelo de Caras”.
Wolney – Exatamente. Dialogamos conceitualmente com Brasília. E não acho interessante que o Cine Ceará vire Gramado. Nós não temos esse tipo de interesse.

OP – Durante muito tempo o Cine Ceará e o Cine PE competiram entre si para estar no Top 5 do circuito nacional de festivais (os demais são Gramado, Brasília, Rio e São Paulo). Como está esse ranking hoje? Essa competição se mantém?
Wolney – Não, não. Não vou negar que houve um certo mal estar, mas quando nós mudamos nosso foco para uma disputa de longas ibero-americanos esse acirramento se desfez, porque Recife tem um festival nacional. Então, o que acontece hoje é que o Cine PE tem um público absurdo, e esse é seu diferencial. Agora, e essa é uma pergunta que eu me faço sempre, será que se a gente mudasse de lugar e fosse para uma sala com capacidade para 3 mil pessoas a gente conseguiria encher a sala? Eu, sinceramente, não sei.

OP – Esse fenômeno de público que o Cine PE tem conseguiu lhe dar um prestígio maior que o do festival cearense?
Wolney – Não, de jeito nenhum. O que acontece hoje é que não temos mais um Top 5, e, sim, um Top 6, onde entram os dois festivais. Uma boa prova do vulto que o Cine Ceará tem hoje é o patrocínio do BNDES, que este ano entrou com R$ 350 mil de patrocínio direto, não foi através de renúncia fiscal. Se o festival não tivesse respaldo, não teríamos esse tipo de investimento. Sem falar na repercussão nacional – e internacional – das nossas mostras. Você acha que se a gente não tivesse respaldo a Europa Filmes toparia fazer a primeira exibição da segunda parte de Che no Cine Ceará?

OP – Tradicionalmente, o Cine Ceará acontece no primeiro semestre. Por que a mudança?
Wolney – Foi uma questão de sobrevivência do festival. Se não tivéssemos mudado a data não teríamos conseguido fazer o festival. A crise mundial realmente afetou a produção cultural. Para o ano que vem, vamos fazer o Cine Ceará na última semana de junho e na primeira de julho. Essa mudança é uma questão estratégica, precisamos reposicionar o festival em relação a alguns eventos, como o Festival de Cannes, por exemplo.

OP – Que outras mudanças serão implementadas na edição 2010?
Wolney – Devemos diminuir o número de filmes selecionados. Dois longas numa só noite não é legal. Devemos fazer como Brasília, que seleciona 10 curtas. Esse ano nós selecionamos 15, dos quais quatro cearenses. Ano que vem deveremos ter um longa e dois curtas por noite.

OP – Em 2010, o Cine Ceará chega à sua 20ª edição. Algo especial já programado?
Wolney – Sim, há mais de um ano começamos a pensar nessa comemoração. Teremos uma série de eventos, entre eles está o lançamento de um livro contando o que foram esses 20 anos, registrando a história do festival. Quem está coordenando o projeto é o Luiz Falcão, juntamente com o Firmino Holanda e a Maria do Rosário Caetano. Enfim, ninguém imagina o trabalho que dá fazer um evento desses, a gente passa um ano todo trabalhando para conseguir realizá-lo. Ainda mais difícil foi mantê-lo por 20 anos ininterruptamente. Mas eu costumo dizer que os dois dias em que sou mais feliz é quando o festival abre e quando ele encerra. A sensação é dever cumprido.