Para Gilvan de Oliveira, do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, interesse surge da inserção internacional do idioma
Blanca Zayas estuda português há 10 meses e também se sentiu motivada pela economia. “Eu comecei a trabalhar com o mercado brasileiro em novembro do ano passado e achei que os jornalistas gostariam de fazer entrevistas comigo em português em vez de inglês”, afirma Blanca, que é responsável pela comunicação de uma empresa de turismo. Para ela, o idioma se tornará cada vez mais relevante, “especialmente com todos os eventos que serão realizados no país nos próximos anos e a crescente importância do Brasil como potência econômica”.
De fato, acontecimentos como a visita do papa Francisco ou a Copa do Mundo têm atraído novos estudantes. “Este ano, cheguei a preparar um grupo de mais de 45 jovens que foram ao Rio visitar o papa e fazer trabalho voluntário”, conta Maíra Soares, brasileira radicada em Madri, ponderando que esses alunos queriam apenas um contato superficial com a língua, suficiente para contextos de viagem. “Não sei se retomarão as aulas depois”.
Esses e outros exemplos são resultados não só do crescimento econômico brasileiro, como também da expansão do idoma, defende Gilvan Muller de Oliveira, diretor-executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa.
Doutor em lingüística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Oliveira diz que é dessa descentralização das línguas e da inserção internacional dos países de língua portuguesa que surgem homenagens como a que o Brasil recebeu na Feira do Livro de Frankfurt, que termina neste domingo (13/10).
Frankfurter Buchmesse/Divulgação
Brasil é o país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt deste ano
Maior do setor
O evento, o maior do setor, teve mais de 7 mil expositores de todo o mundo e a previsão era de receber 300 mil visitantes. A cada ano, um país é escolhido para apresentar sua literatura. O Brasil levará oficialmente uma delegação de 70 autores, escolhidos por um conselho curador.
A escritora gaúcha Verônica Stigger está entre eles. “Estou curiosa para saber como eles vão reagir às nossas leituras. Sempre que se lida com um público estrangeiro, há o risco de que este busque confirmar na literatura certa imagem exótica do Brasil. Se for o caso, espero decepcioná-los”, diz Verônica, bem-humorada.
O escritor Julián Fuks, que estará em Frankfurt a convite da instituição alemã Léttretage, concorda com Verônica. “O recente protagonismo brasileiro em âmbitos econômicos, seja ele legítimo ou ilegítimo, parece ter atiçado entre europeus uma consciência de como sabem pouco sobre o país”, diz.
Para Fuks, “o interesse pela nossa literatura talvez seja mais um entre outros interesses: econômicos, sociais, políticos.” Autor de ‘Procura do Romance’ e ‘Histórias de Literatura e Cegueira’, lançados pela Record, ele alerta que “o risco é justamente que projetem uma expectativa única sobre a literatura brasileira, que queiram ver refletida em suas páginas apenas essa ascensão, essa pujança, esse otimismo. Se assim for, a decepção é quase certa, porque nossa literatura parece estar, a um só tempo, aquém e além disso tudo”.
O autor é pessimista quanto ao espaço que a literatura brasileira ocupa atualmente: “é bastante exíguo e lateral”. Segundo ele, “afora best-sellers de qualidade duvidosa, e alguns bons autores apreciados com pouca ênfase e muito atraso, quase se poderia dizer que a literatura brasileira padece de uma invisibilidade internacional”.
Lusofonia em alta
Para Oliveira, o momento é, de qualquer forma, muito “benigno” para o conjunto da lusofnia. Isso pode ser uma vantagem, já que permite uma expansão mais concreta.
Frankfurter Buchmesse/Divulgação
Fachada da Feira do Livro de Frankfurt: interesse no Brasil é mais econômico que literário
“A partir de 2002, quando termina a guerra civil em Angola e esta se projeta como potência média na África, quando o Timor Leste tem sua independência e quando há uma retomada importante do processo de desenvolvimento no Brasil, temos uma nova inserção dos países de língua portuguesa no mundo”, diz.
Resultado de todo este processo: o português é, hoje, a quarta língua mais falada no mundo, após o mandarim, o espanhol e o inglês. E é a mais falada do hemisfério Sul, de acordo com o Observatório da Língua Portuguesa.
O inglês, apesar de ainda ser a língua mais falada na internet, representa hoje apenas 26,8% do total, seguido de perto pelo mandarim, com 24,2%. O português é o quinto idioma mais usado: dados divulgados pela União Internacional de Telecomunicações revelam que mais de 82,5 milhões de pessoas utilizam-no para se comunicar online. Entre 2000 e 2011, o uso do português na web aumentou em 990%. No mesmo período, o árabe foi o idioma que mais cresceu (2.501%), enquanto o inglês registrou um acréscimo de apenas 1,4%.
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“Na década de 1990, o inglês ocupava quase 90% da internet. Hoje, ocupa 40%. Não porque ele tenha diminuído, mas porque as outras línguas cresceram. Nesse momento, muitas línguas orientais vão tendo uma importância enorme na internet. Eu acompanho a ideia que muitos especialistas têm divulgado que a língua do século XXI vai ser o plurilinguismo e a tradução eletrônica. Quer dizer, nós vamos viver num mundo muito mais plural, o que é benéfico de modo geral”, comenta Olivera.
“Há um mercado internacional de línguas que está organizado a partir de línguas centrais e outras pivôs, que orbitam em torno delas, e sem dúvida alguma continuamos tendo o inglês na cabeça dessa estrutura”, relata. “Mas essas relações são móveis e se modificam na medida em que se modificam as tecnologias linguísticas, que estão em plena revolução”.
Fonte: OperaMundi