Comunistas egípcios apelam à luta contra militares e burguesia


A Junta Militar que governa o Egito tarda em transferir o poder para os civis e não tomou nenhuma medida favorável às massas, acusa o Partido Comunista do Egito (PCE) em comunicado divulgado um dia depois de as autoridades terem desalojado violentamente o povo acampado na Praça Tahrir.

 
 
A nota do PCE foi difundida quando já não restava na simbólica praça situada no centro do Cairo nenhuma das muitas tendas montadas pelos milhares de pessoas que, sexta-feira, regressaram à Tahrir para exigir à cúpula constituída por militares e ex-responsáveis do regime de Hosni Mubarak que transfira o poder, revogue o estado de emergência, altere a lei eleitoral e cumpra as promessas de elevação das condições de vida populares.
 
 
Domingo não restava nenhuma estrutura porque, no dia anterior, as forças especiais cumpriram ordens do regente Conselho Superior das Forças Armadas (CSFA) e desalojaram com violência os manifestantes que pretendiam permanecer na praça até ao cumprimento das respectivas reivindicações.
 
 
O assalto a Tahrir foi seguido, de acordo com a Prensa Latina, de uma perseguição feroz pelas ruas adjacentes à praça, a qual conseguiu impedir que a multidão se dirigisse ao Ministério da Defesa.
 
 
Paralelamente, o CSFA reuniu sábado com cerca de 30 partidos a fim de estancar a contestação e obviar o previsível boicote às eleições legislativas convocadas para 28 de Novembro. Em causa está uma norma eleitoral que prevê que um terço dos lugares do parlamento sejam eleitos por via uninominal. As formações políticas e, sobretudo, o povo egípcio, temem que tal favoreça a manutenção nas dobras do poder dos antigos partidários da ditadura.
 
 
No balanço da reunião ficou a promessa da Junta Militar em revogar o polémico artigo, tal como ficaram outras promessas como a fixação de regulamentação sobre financiamento e propaganda eleitoral ou a extinção da vigência dos tribunais militares no caso de processos civis. Quanto a prazos e propostas concretas sobre estas matérias, nem uma palavra.
 
 
Forçar a mudança
 
Mas se a repressão da legítima indignação popular é das poucas coisas certas no Egito, o mesmo se aplica à manutenção do país na orla das nações capitalistas. Temendo que a revolta desencadeada há seis meses pudesse significar alterações políticas de fundo, o capital nacional e estrangeiro tem vindo a expressar reservas quanto ao futuro do território. E mais preocupada ficou a burguesia quando, no passado dia 21 de setembro, o Tribunal Administrativo do Cairo decidiu suspender a privatização de três empresas públicas.
 
 
Nesse sentido, o primeiro-ministro e ministro das Finanças, Hazem al-Beblawi, apressou-se em acalmar a burguesia, afiançando que "o país está comprometido com a economia de livre mercado" e com um regime "orientado pela lei", por isso cumprirá "todos os contratos subscritos anteriormente" desde que "estejam de acordo com a legislação".
 
 
Neste contexto, ganham relevo a análise e as advertências dos comunistas egípcios, para quem "passados os seis meses do prazo dado pelo CSFA para transferir o poder, não se verificou nenhuma alteração significativa favorável às massas". Pelo contrário, dizem no comunicado, "a situação está pior de dia para dia desde o referendo que os militares reclamam ter legitimado a sua governação", com "a liberdade manietada, as manifestações criminalizadas, a prática da polícia civil e militar, o julgamento de civis em tribunais militares e as milícias reaccionárias, ao mesmo tempo que a justiça social se tornou um sonho quando o governo recusa aumentar o salário mínimo e impor um salário máximo, aumenta preços e insiste em vender barato o gás aos inimigos do povo".
 
 
O PCE considera ainda que "o povo manifestou-se contra a pobreza, a fome, o desemprego, a inflação", saiu para a rua por "uma vida segura e protegida, mas a revolução de 25 de janeiro não produziu qualquer alteração de classe no poder".
 
 
Assim, sublinha o PCE, "as verdadeiras mudanças não terão lugar senão mediante a luta dos trabalhadores e dos camponeses, da totalidade do proletariado", os quais, insiste o Partido, "são os donos do interesse nas mudanças sociais, políticas e culturais favoráveis aos oprimidos".
 
 
"O povo ofereceu os mártires mas ainda não colheu outra coisa senão amargura", conclui o PCE que apela ao povo para que "não abandone a revolução".