O Estatuto da Cidade completa dez anos. Pautado na premissa da função social da casa e da cidade, em Fortaleza, são poucos os resultados alcançados, considerando sua condição de instrumento legal capaz de corrigir as distorções na dinâmica urbana.
O processo de ocupação da Capital expõe uma assimetria histórica pautada na segregação socioespacial com territórios diferenciados no interior da cidade. Todos querem morar perto das oportunidades de acesso aos equipamentos, comércio e serviços como escolas, posto de saúde, lojas, consultórios, escritórios.
A carência de infraestrutura da cidade e a presença incômoda da pobreza fizeram das favelas e ocupações irregulares a solução indesejada, porém, necessária de aproximação forçada entre os pobres, ricos e classe média – uns em busca de amenidades, conforto e serviços, outros em busca de ocupação e da sobrevivência.
A modernização conservadora tornou Fortaleza dura e cruel com sua população pobre. As remoções de favelas forçaram a migração interna no interior da cidade em seu processo contínuo de expansão.
Fortaleza foi crescendo, empurrando, cada vez mais, os pobres para áreas mais distantes, desprovidas de conforto e difíceis quanto à acessibilidade. Nos pressupostos do Estatuto, as cidades deveriam atender às demandas sociais básicas, sendo as mais importantes aquelas vinculadas ao trabalho, à moradia, à circulação e ao lazer.
O Estatuto encontra muitos entraves e barreiras à sua implantação. A sociedade capitalista fez da cidade um mercado por excelência. Todos os espaços são convertidos em mercadoria com preços calculados pela demanda. Paisagem, localização, ventilação, luminosidade, tudo adquire valor de mercado. As dunas da Praia do Futuro e do Mucuripe caracterizam bem essa situação de mercado e confronto.
Na porção Mucuripe, os moradores anseiam pela regularização fundiária para serem proprietários oficiais de suas minúsculas casas. Do outro lado da via, no caso a Avenida Alberto Sá, as areias quentes dão lugar a um bairro nobre e muito valorizado, Dunas, com suas imensas mansões, casa de festas e igreja de casamentos luxuosos e colunáveis. Os especuladores sonham com a remoção das moradias pobres que, para eles, enfeiam a cidade e expõem suas contradições.
Para os trabalhadores fica cada vez mais difícil o acesso à terra urbana e à moradia. Enquanto isso, na longínqua periferia, a plena vida social e gregária é negada, contrariando as letras do Estatuto.
José Borzacchiello da Silva – Geógrafo e professor da Universidade Federal do Ceará