Após quatro anos de divisão, os grupos palestinos Hamas e Fatah anunciaram, nesta quarta (), um acordo preliminar de reconciliação. Negociado em reuniões secretas no Cairo, o pacto prevê a formação de um governo interino, a fixação de uma data para eleições e a libertação de presos políticos. A sinalização de unidade desagradou Israel, que ameaçou a Autoridade Palestina com um “vasto arsenal de medidas” de retaliação.
As relações entre os dois grupos políticos e militares, sempre tortuosas, foram rispidamente rompidas em 2007 após a tomada da Faixa de Gaza pelas forças do Hamas, expulsando os militantes do Fatah.
O conflito provocou a criação de duas administrações palestinas, uma em Gaza e outra na Cisjordânia, sob a liderança do Fatah, do presidente Mahmud Abbas, que controla a Autoridade Palestina.
"Digo ao povo palestino que chegou o fim da divisão. O que o povo em Gaza pedia foi cumprido hoje", afirmou o dirigente do Fatah, Azam al Ahmad, ontem, em entrevista coletiva na capital egípcia junto ao número dois do Hamas, Moussa Abu Marzuk.
"Temos agora um acordo completo, concordamos em todos os assuntos", disse Ahmed. Por duas vezes, Hamas e Fatah anunciaram ter entrado em acordo – dissolvido logo em seguida. Ontem, porém, as duas facções disseram que Abbas e o chefe político do Hamas, Khaled Meshal, assinarão o pacto no Cairo, no próximo dia 5.
Ahmad, líder do grupo parlamentar do Fatah na Assembleia Legislativa palestina, afirmou que a ideia de acabar com a divisão entre os palestinos partiu da vontade de pôr fim à ocupação de Israel.
"Anteriormente Israel advertiu o (presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud) Abbas sobre este acordo, e Abbas respondeu em Moscou que a ANP deseja a reconciliação com o Hamas", lembrou.
O dirigente do Fatah denunciou ainda que os "Estados Unidos usaram a divisão como pretexto para evitar cumprir seus deveres". Ahmad destacou "a ocupação (israelense) aproveitou a divisão para “judeizar” Jerusalém, levantar o muro e separar grandes setores da Cisjordânia".
Ele respondeu assim ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que, diante da reconciliação, havia dito que a Autoridade Palestina deveria “escolher entre a paz com Israel e a paz com o Hamas”. "Não é possível a paz com os dois porque o Hamas tem a aspiração de destruir Israel, como já disse abertamente", disse Netanyahu em nota oficial.
O nacionalista Avigdor Lierberman, ministro dos Negócios Estrangeiros e dirigente do partido extremista Yisrael Beitenu, foi mais longe, ao advertir Mahmud Abbas para o “vasto arsenal de medidas” de retaliação que o Estado sionista pode acionar.
Em declarações difundidas pela rádio militar, Lieberman considerou que Hamas e Fatah ultrapassaram “uma linha vermelha”. E fez ameaças: "Este acordo ultrapassou a linha vermelha. E nós dispomos de um vasto arsenal de medidas retaliatórias, incluindo a supressão do estatuto de VIP a Mahmoud Abbas ( presidente da Autoridade Palestiniana), assim como a Salam Fayyad (primeiro-ministro palestino) – o que os impedirá de circular livremente na Cisjordânia.
Além daquelas retaliações, o chefe da diplomacia de Israel aludiu ainda ao “congelamento das transferências dos impostos" para os cofres do poder executivo em Ramallah.
O acordo
O negociador do Hamas, Moussa Abu Marzuk declarou que os dois grupos chegaram a "entendimentos" pendentes no plano egípcio, como as eleições, a comissão eleitoral, a data do pleito, assuntos de segurança, "a formação de um governo com personalidades independentes", além da continuação da Assembleia Legislativa.
Também foi selado um pacto sobre a libertação de presos, a reabertura de instituições fechadas e a consolidação de um ambiente para a realização de eleições livres e transparentes com observação internacional, acrescentou Marzuk.
O dirigente do Hamas ressaltou que todos esses temas devem ser cumpridos no prazo de um ano e que, durante as conversas, não foram discutidas as condições estabelecidas pelo Quarteto Internacional (EUA, ONU, UE e Rússia).
Marzuk explicou que seu grupo assinou o plano egípcio, lançando em 2009 e que foi rejeitado pelo Hamas em outubro desse ano por considerar que tinham sido incluídos pontos não discutidos previamente.
Por sua vez, Ahmad ressaltou que "a Liga Árabe se encarregará de acompanhar o cumprimento do acordo e o supervisionará", e que "os entendimentos conseguidos hoje responderam a dúvidas do plano egípcio".
"Permaneceremos desde hoje no diálogo para resolver qualquer assunto que surja", afirmou Ahmad. "O diálogo é parte da vida e da história contemporânea palestina, todos aprendemos uma dura lição da divisão", prosseguiu.
O representante do Fatah acrescentou que hoje foi fechado um acordo para a formação de uma comissão suprema de segurança, integrada por oficiais e profissionais, e que nomeará uma comissão eleitoral central com o acordo das facções.
Em entrevista posterior à rede de televisão Al Jazeera, Ahmad acrescentou que serão realizadas eleições presidenciais e legislativas conjuntas, um ano depois da data da assinatura do acordo.