No Dia Mundial da Hemofilia, 17 de abril, o senador Inácio Arruda, solicitou, do plenário do Senado, que o ministério da Saúde olhe com mais carinho para a situação dos hemofílicos em nosso País e viabilize o acesso ao tratamento profilático. Os portadores dessa patologia, doença hemorrágica que não tem cura, passam por problemas e sofrimentos cuja dimensão é ainda desconhecida pelo conjunto da população brasileira. Hoje, no Brasil, são mais de 15 mil portadores da doença e mais de 130 mil em todo o mundo.
Inácio chamou atenção para a questão do tratamento e da prevenção da doença. O ministério da Saúde fornece a medicação, que é distribuída gratuitamente nos Centros de Tratamento de Hemofilia e distribuídos em todo o País. Para o senador, o tratamento deveria ser feito de forma preventiva, “administrado em casa, pelo próprio paciente, sob a supervisão médica, como, é feito em países como a Venezuela, a Argentina, o Canadá e os Estados Unidos”.
Inácio aproveitou a ocasião para homenagear nomes como de Henrique Sousa Filho, o Henfil, e Herbert Sousa, o Betinho, vitimas da doença. “Eu queria lembrar duas figuras extraordinárias do nosso povo. Uma é o cartunista Henfil, um homem da luta política, do pensamento, da discussão, do debate no nosso País e que padeceu vítima dessa doença. O outro é seu irmão, o nosso querido Betinho, outro homem extraordinário, defensor dos direitos humanos, preso, exilado, defensor de ideias avançadas e progressistas. Ele resistiu bravamente à ditadura militar, mas padeceu também vítima da mesma patologia que levou seu irmão: a hemofilia”, ressaltou.
A doença
A Hemofilia é uma doença genética, causada pela ausência de um tipo específico de proteína que impossibilita a coagulação do sangue. Como resultado, seus portadores apresentam hemorragias espontâneas, sem causa aparente. As simples atividades normais da vida diária, como caminhar ou correr, por exemplo, podem produzir hemorragias.
Leia íntegra do pronunciamento:
Senhor Presidente,
Senhoras Senadoras e Senhores Senadores,
No último dia 17 de abril celebramos o Dia Mundial da Hemofilia, doença hemorrágica que acomete aproximadamente 15 mil brasileiros. Essa data foi instituída pela Federação Mundial da Hemofilia (WFH) desde 1989, em homenagem ao seu fundador, o banqueiro canadense Frank Schnabel, nascido naquele dia, que também era portador dessa enfermidade.
Talvez haja alguém que, neste momento, possa se perguntar: − “Por que o Senador Inácio Arruda decidiu falar sobre este tema do Dia Mundial da Hemofilia”? A esses eu responderia com uma outra pergunta: − Por que ignorar o drama desses milhares de brasileiras e brasileiros que sofrem com essa doença incurável?
Na verdade, Senhoras e Senhores Senadores, a hemofilia é uma doença praticamente ignorada pela sociedade brasileira, porque afeta um grupo relativamente pequeno, e não é contagiosa. Ela ficou mais popularizada em 1988, quando da morte do cartunista Henrique de Souza Filho, o Henfil.
Foram dias de triste memória para todos nós: Henfil − famoso principalmente por defender o fim do regime ditatorial no País, colaborando com o jornal “O Pasquim” −, foi infectado pelo vírus HIV em decorrência das inúmeras transfusões de sangue que precisou fazer por causa da hemofilia. Naquela época, quase 95% dos hemofílicos foram infectados pelo vírus, pois ainda não havia a obrigatoriedade de se testar o sangue doado.
Uma verdadeira tragédia social!
O sociólogo Betinho, irmão de Henfil, e igualmente hemofílico, foi vítima da mesma sina, quase dez anos depois. Betinho foi um dos grandes ativistas de direitos humanos no Brasil. Concebeu e dedicou-se ao projeto Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
Henfil e Betinho, duas personalidades marcantes do Brasil contemporâneo, merecem aqui nossas homenagens neste momento em que lembramos o Dia Mundial da Hemofilia.
Mas, como já disse, Senhoras e Senhores Senadores, são aproximadamente 15 mil pessoas em nosso País que padecem desse mal. No mundo, são mais de 130 mil portadores .
A hemofilia é uma doença muito antiga. Há referências a ela no Talmud, livro sagrado dos judeus escrito no século II. No século X, o médico árabe Khalaf ibn Abbas, mais conhecido como Albucassis, foi o primeiro a descrever a moléstia que, mais tarde, seria chamada de hemofilia. A partir do século XIX, a hemofilia passou a ter um registro mais rigoroso, pois foi disseminada em várias casas reais européias pelos descendentes da Rainha Vitória, da Inglaterra. Por isso, ficou conhecida como “doença real”. Mas foi somente no início do século XX que os cientistas começaram a entender os processos de coagulação sanguínea e a descrever essa patologia, bem como as formas de intervenção e seu tratamento.
Hoje sabemos que a hemofilia é uma doença genética, causada pela ausência de um tipo específico de proteína que impossibilita a coagulação do sangue. Como resultado, seus portadores apresentam hemorragias espontâneas, sem causa aparente. As simples atividades normais da vida diária, como caminhar ou correr, por exemplo, podem produzir hemorragias.
Além disso, é uma enfermidade que provoca muitas dores. Cada vez que ocorre um sangramento dentro da veia, o sangue vai corroendo as articulações. Os pacientes descrevem a dor como se fosse a dor de uma fratura ou a de um prego dentro da articulação. É como se o hemofílico fosse crucificado a cada crise!
Imaginem, Senhoras e Senhores Senadores, que sofrimento essas pessoas têm que suportar, dia após dia! Essas hemorragias acontecem, freqüentemente, nas partes do corpo onde há muita atividade e esforço, em especial nas articulações.
Como se trata de uma doença grave, até o início do século passado, a maioria dos hemofílicos tinha vida curta e muito difícil, porque os tratamentos eram pouco eficientes. Era bastante comum encontrar hemofílicos andando de muletas ou em cadeiras de rodas, com sequelas da doença; hemofílicos que tinham restrição dos movimentos de um braço, ou dos dois e, por isso, não conseguiam escrever, não conseguiam ir à escola e tinham sua vida profissional comprometida.
Foi apenas a partir de 1965, quando a cientista norte-americana Judith Pool apresentou a técnica para obtenção do “crioprecipitado”, que os hemofílicos ganharam uma esperança de melhora de qualidade de vida. Seu trabalho serviu de base para a produção dos concentrados purificados de fator VIII e IX utilizados atualmente. Esses concentrados são obtidos do plasma, a partir do sangue humano. Outra forma de tratamento, para a hemofilia leve, é o DDAVP, ou Desmopressina, uma medicação sintética, não derivada do sangue.
Hoje, Senhor Presidente, graças ao desenvolvimento da ciência, os hemofílicos podem desfrutar de uma qualidade de vida bem melhor. Embora a Federação Mundial de Hemofilia estime que diminua em 10 anos a expectativa de vida dos portadores dessa moléstia, houve um grande ganho de qualidade de vida, desde que o doente comece o tratamento ainda nos primeiros anos da infância.
É ai que reside o problema, Senhoras e Senhores Senadores, no acesso ao tratamento!
No Brasil, ele é administrado nas crises, ou seja, o paciente recebe o fator concentrado quando tem o sangramento. O Ministério da Saúde fornece a medicação, que é distribuída gratuitamente nos Centros de Tratamento de Hemofilia, em número de 29, distribuídos em todo o País.
O ideal é que esse fator concentrado possa ser administrado preventivamente, em casa, pelo próprio paciente, sob a supervisão médica, como, aliás, é feito em países como a Venezuela, a Argentina, o Canadá e os Estados Unidos. Estudo realizado pela Drª Jussara Almeida, do Centro de Tratamento de Coagulopatias do Distrito Federal, mostra que “o paciente que faz a profilaxia primária custa 180% menos do que um paciente tratado por demanda”, isto é, durante as crises.
Então, Senhor Presidente, o tratamento profilático seria muito mais econômico e também mais humano!
Imaginem o que é chegar a um hemocentro em plena crise, após ter viajado dezenas ou, às vezes, centenas de quilômetros! Sim, porque esses centros de tratamento não existem em todas as cidades. O tratamento preventivo evitaria esse desconforto, esse sofrimento, e ainda permitiria ao paciente levar uma vida praticamente normal.
Cito aqui o exemplo de Tânia Maria Onzi Pietrobelli, presidente da Federação Brasileira de Hemofilia e mãe, ela própria, de um hemofílico que realizou tratamento profilático. Seu filho, hoje, com 30 anos, formado em medicina, leva uma vida normal, tendo apenas duas pequenas sequelas decorrentes do período em que não foi feita a profilaxia.
Por outro lado, há o exemplo de um caso, registrado no Hemocentro de Mato Grosso, de uma mulher que mora no interior do Estado e tem dois filhos hemofílicos. Ela chegou ao Centro de Atendimento em profundo desespero, dizendo que tinha de dividir as doses do medicamento entre os filhos, porque não tem remédio suficiente para conter as hemorragias.
Imaginem, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, o drama dessa senhora, que mora a 400 quilômetros da capital, e gasta R$ 50,00 de passagem para ir toda semana ao hemocentro buscar o tratamento para seus filhos. É praticamente impossível, é desumano!
Mas o problema não se resume apenas ao tratamento profilático da doença, ou ao acesso aos medicamentos nos hemocentros.
Como agravante, registro a falta de hematologistas e profissionais especializados no assunto para atender a demanda em regiões afastadas dos grandes centros urbanos. Por causa disso, em zonas rurais de Tocantins, por exemplo, os hemonúcleos carecem de condições de prestar atendimento aos pacientes mais graves, e os encaminham ao SUS. São apenas dois hematologistas para atender todos os pacientes hemofílicos do Estado, segundo fui informado.
Além disso, nessas mesmas localidades, não existem profissionais suficientes para prestar um atendimento multidisciplinar – com médicos, enfermeiros, psicólogos e dentistas –, o que obriga os pacientes a entrarem na fila do atendimento. Os casos mais graves são encaminhados para a capital, Palmas, que atende, em média, cinco pacientes em estágios graves da doença por mês.
Se isso ocorre em Tocantins, sem sombra de dúvida, ocorre em muitos outros Estados brasileiros, nos locais mais distantes das capitais.
Registro também, Senhor Presidente, que, paralelamente à falta de especialistas na doença, o País já viveu a ausência de insumos para suprir a demanda nas hemorredes. Em 2008, o Ministério da Saúde não obteve os fatores de coagulação necessários para normalizar a situação no Brasil e o problema se estendeu até o ano seguinte.
Contudo, no mundo inteiro, há uma escassez de plasma – a matéria prima usada para fazer o medicamento contra a hemofilia. Em 2007, a Federação Mundial de Hemofílicos apresentou à União Europeia o alerta de que, em todo o mundo, 75% dos hemofílicos não têm acesso a qualquer tipo de tratamento.
Essa é uma situação preocupante.
Nesse contexto, quero destacar aqui uma iniciativa do Governo do Distrito Federal que, recentemente, anunciou um novo modelo de tratamento aos hemofílicos. A ideia é que os pacientes passem a receber os medicamentos mensalmente, e não mais por semana, como é feito atualmente. Além disso, o governo submeterá os pacientes a novos exames, para verificar se houve algum progresso no tratamento e se há necessidade de alteração da dose prescrita.
Ressalto que o Distrito Federal possui o único Centro Internacional de Treinamento em Hemofilia do Brasil, reconhecido pela WFH, embora outros Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais também ofereçam treinamento especializado.
Registro aqui um fato ocorrido no meu Estado, o Ceará. Na década de 80, um grupo de pessoas liderado por Francislar Rodrigues Soares – filho de Dona Francisca Soares da Silva, conhecida como D. Neném, que perdeu 4 filhos vítimas de HIV, contaminados durante tratamento de hemofilia – vendo a dificuldade dos que moravam no interior mas precisavam de tratamento na capital, alugou uma casa em Fortaleza, que posteriormente se tornou centro de referência no acolhimento de pessoas portadores da doença.
Apenas em novembro de 1983 iniciaram-se oficialmente as atividades do Centro de Hematologia e Hemoterapia no Estado do Ceará, que vem num crescente nível de organização ao longo dos anos. Atualmente estão cadastrados para atendimento em todo o Estado 418 portadores de Hemofilia A, 37 de Hemofilia B, l83 de DvW e 125 de outras coagulopatias.
Por fim, Senhoras e Senhores Senadores, já concluindo meu pronunciamento, neste Dia Mundial da Hemofilia, gostaria de contar com a sensibilidade do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para que olhe com mais carinho para a situação dos hemofílicos em nosso País e viabilize o acesso ao tratamento profilático. É uma questão não apenas de economia, mas, sobretudo, de humanidade!
Deixo, para nossa reflexão, uma frase do nosso querido Betinho a quem, mais uma vez, presto minha homenagem:
Em resposta a uma ética da exclusão, estamos todos desafiados a praticar uma ética da solidariedade
Muito obrigado, Senhor Presidente.