A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, esteve no Senado, dia 6, a convite do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), para reunião na Comissão de Educação, onde expôs seu projeto de trabalho à frente do Ministério e respondeu a perguntas dos parlamentares. Questionada sobre as críticas que vem recebendo na imprensa, contestou: “Dei várias entrevistas, mas não são reproduzidas, e ainda pinçam frases fora de contexto. Não estou me furtando a nenhum debate, seja sobre direito autoral ou qualquer outro assunto relativo ao Ministério, mas o que digo não é reproduzido”. Ana abordou também a polêmica em torno de um blog que está sendo idealizado pela cantora Maria Bethânia.
Segundo o senador Inácio, em muitos países a Cultura é o Ministério mais importante, porém no Brasil tem o menor orçamento. Ana de Holanda afirmou ser a favor de todos os projetos no Congresso que aumentam os investimentos na área, inclusive o Projeto de Emenda Constitucional que determina que 2% do Orçamento da União deverá ser investido no fortalecimento e no acesso do povo brasileiro à cultura. A proposta, se aprovada, vai significar um aumento de 100% nos investimentos para o setor, pois os montantes giram hoje em torno de 1% do Orçamento. Apenas 13% dos brasileiros vão ao cinema alguma vez por ano. Mais de 92% nunca foram a um museu ou a exposição de artes. 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança. Mais de 90% dos municípios brasileiros não possuem salas de cinema, teatro, museus ou espaços culturais multiuso. E 73% dos livros estão concentrados nas mãos de apenas 16% da população.
“Estamos trabalhando em várias frentes para superar as dificuldades encontradas por esta gestão e a primeira delas tem a ver com a quitação dos convênios e editais dos anos anteriores”, disse a ministra, que informou que, entre outras, estão em tramitação no Congresso Nacional a Lei do Circo e mudanças na política para o audiovisual. O Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, conhecido como Procultura, tem como finalidade mobilizar e aplicar recursos para apoiar projetos culturais e deverá substituir a Lei Rouanet, implementada em 23 de dezembro de 1991. Para Ana, a cultura é um tema que "deve estar acima das divergências partidárias". Ela pretende mudar o foco da atuação do ministério dos grandes centros para os pequenos produtores de cultura.
Ao comentar a proposta de percentuais mínimos dos orçamentos públicos para a cultura, o senador Inácio Arruda afirmou que "não será batalha pequena" garantir para o setor pelo menos 2% do Orçamento da União, como estabelecido na PEC. Ele defendeu ainda maior empenho do governo na formação de mão-de-obra para o setor cultural.
Educação e cultura
Agradecendo ao senador Inácio pela possibilidade de expor os projetos de sua Pasta, a ministra afirmou que “a educação é fundamental para a cultura, que a complementa. Educação é formação básica e a cultura amplia os horizontes. É uma ferramenta para a reflexão, que permite liberdade além das regras.” Ela está atuando em conjunto com o Ministério da Educação, citando como exemplo a inclusão da música no currículo escolar, aprovada pelo Senado.
“A cultura possibilita a emancipação do ser humano, que se sente mais dono de sua criatividade. Pretendemos criar a escola de animação, pois temos várias demandas nessa área. Vamos trabalhar também com a questão da sustentabilidade – muitos artistas vivem de projetos eventuais. Temos que ver como ajudar na área de financiamento, para garantir trabalho mais permanente, que o artista não fique dependendo de favores do poder público”.
Em defesa de Maria Bethânia
Questionada pelos parlamentares sobre a autorização do Ministério para a cantora Maria Bethânia captar R$ 1, 3 milhão, pela Lei Rouanet para criar um blog de poesia, a ministra defendeu a cantora.
“Todo mundo gosta da Bethânia, uma grande artista que tem capacidade para obter recursos da iniciativa privada. Ela quer gravar 365 poesias para colocar num blog, além de músicas, que serão oferecidas gratuitamente. Alguém ousaria dizer que não é um projeto interessante? O preço é caro, mas foi avaliado por comissões especializadas. Bethânia não está com dinheiro algum. Ela apenas recebeu uma autorização para captar esse montante”, explicou.
Segundo Ana de Hollanda, as empresas se interessam mais em apoiar artistas consagrados do que iniciantes ou desconhecidos. “Justamente por isso estamos criando o Procultura, que nos permitirá direcionar os investimentos para as diferentes regiões do país, diferentes manifestações artísticas e diferentes autores – sempre sem entrar no mérito da qualidade da obra, pois não cabe ao Ministério direcionar a arte, mas fomentar a cultura de um modo geral”.
Os autores e seus direitos
A ministra também foi convidada a abordar a discussão em torno da lei do direito autoral, que a gestão anterior ficou de enviar ao Congresso, mas que ela suspendeu. “A questão dos direitos autorais virou um projeto que teve consulta pública, mas que atendeu mais a um viés do que outro. A área autoral não se sentiu contemplada. Eu não poderia assumir um projeto que não tinha um mínimo de consenso. Há interesses antagônicos e muitas manifestações de descontentamento. A proposta está disponível na internet e provavelmente faremos novas consultas públicas. Não endossei o projeto, que está sendo re-examinado. Por isso, existem grupos querendo me tachar de ligada ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, ECAD. Ora, a presidenta Dilma não aceitaria uma ministra indicada pelo ECAD. Muita gente reclama do ECAD, mas é porque não gosta de pagar os direitos autorais. A questão dos direitos autorais ainda está em estudo. Na forma como está ainda existem queixas. A Direção de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura notou a presença muito vaga da internet nesse projeto, e hoje em dia a gente não pode trabalhar sem contar com internet, porque é onde mais se busca o acesso à cultura”, esclareceu.
Ana de Hollanda também vinculou à defesa do direito autoral os ataques por ter tirado da página do Ministério da Cultura na internet as licenças Creative Commons. “A legislação brasileira permite a liberação de conteúdo pelo autor. Não há necessidade do Ministério dar destaque a uma iniciativa específica, de uma empresa específica. Além do mais, isso seria um incentivo para que o autor abrisse mão de seus direitos, e eu não acho isso correto. Quem quiser que o faça, mas não cabe ao Ministério incentivar os autores a isso, afinal o trabalho deles, dos autores, deve ser valorizado. Isso não impede que o Creative Commons ou outras formas de licenciamento sejam utilizados pelos interessados em abrir mão de seus direitos. Achei estranho e não havia justificativa para estar essa propaganda do Creative Commons lá – existem outras que fazem esse serviço. Já o Twitter e Facebook foram mantidos, pois são redes de comunicação e não serviços, por isso continuaram na página”.
Pontos de Cultura incentivados
A ministra também reafirmou o interesse em continuar trabalhando e ampliando as atividades dos Pontos de Cultura. “Já existem mais de 3.300 em todo o país. Nós temos que pensar pontos de cultura para todos os municípios, mas temos que caminhar de acordo com nossas pernas. Existem compromissos antigos que não foram pagos, mas precisamos acertar isso. Estamos fazendo o mapeamento, inclusive com populações indígenas, para ver que prestações de serviço são demandados por elas”.
Ela informou que, no Plano Nacional de Educação, “estamos vendo como ocupar a grade escolar com a cultura. Vamos trabalhar juntos, administrar essa questão, não só na música, mas também cinema e outras artes, como concertos didáticos nas escolas, apresentando os instrumentos. É importante levar uma cultura que, muitas vezes, os meios de comunicação não dão acesso. Também estamos vendo, com o BNDES e a Petrobras, verbas para a preservação de patrimônios e edifícios históricos. E temos um grande projeto de museus, que estamos preparando para a Copa e Olimpíadas, quando vários estados receberão turistas do mundo inteiro, e que poderão conhecer nossa cultura diversificada, nossos museus”.
O senador Inácio Arruda considerou que, na polêmica dos direitos autorais, “é preciso levar em consideração as demandas da sociedade e também as necessidades de quem produz o bem cultural e vive disso, de modo que o país chegue a uma legislação interessante para os dois lados. Nem todo artista faz show – às vezes ele é o letrista, e não o intérprete da música, por exemplo, e deve ter seu trabalho valorizado”. Inácio também quer que os Pontos de Cultura, além do trabalho de divulgação, realizem também o trabalho de formação de jovens artistas.