Para ser reconhecido pela sociedade como seu legítimo representante, o Parlamento do Mercosul (Parlasul) deve dedicar-se ao debate dos principais problemas sociais dos países que integram o bloco. Esta é a opinião do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), integrante até o final de 2010 da Representação Brasileira no Parlasul, que deverá ser renovada em abril.
No momento em que a integração entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai completa 20 anos, o senador propõe, em entrevista à Agência Senado, lugar destacado na agenda do parlamento regional para temas como a reforma urbana.
– Ou tratamos dessas questões, ou o povo vai rechaçar o parlamento – prevê.
A seguir, a íntegra da entrevista:
Após 20 anos, como avançou a integração e o que falta fazer?
Temos um mundo pela frente. Tivemos primeiro que consolidar institucionalmente o Mercosul, convencer as pessoas, os dirigentes políticos, os governantes, de que esta era uma alternativa significativa para a nossa região. Até no Brasil, porque muitos dirigentes sempre tiveram a ideia de que se perderia um pouco de tempo tratando de unificar essa região em torno de um bloco econômico. Essa foi a batalha inicial que tivemos de travar.
Após 20 anos, essa batalha foi ganha?
Acho que sim, porque institucionalmente avançamos bastante. Foi criado o Focem (Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul), de combate às assimetrias no bloco. O Parlamento, com mais dificuldade, se consolidou. Tivemos uma eleição no Paraguai para o Parlasul, os argentinos estão às vésperas de sua eleição. Nós também já caminhamos para a eleição. E, com a eleição, querendo ou não, a população vai começando a examinar o que é esse negócio de votar para parlamentares do Mercosul. Hoje, dentro da universidade, nos cursos de Economia, Direito, Medicina e nas engenharias há muito debate sobre o Mercosul, que aparece como oportunidade de emprego.
Um dos temas mais comuns nos debates do Parlasul tem sido a necessidade de aproximação com as sociedades dos países do bloco. O senhor, por sua vez, tem falado muito sobre a questão urbana. Para chegar mais perto dos cidadãos, o Parlasul tem que enfocar o tema da vida nas cidades?
Creio que sim. Veja o caso do Brasil, onde 82% da população já vivem nas cidades. Isso também ocorre na Argentina, no Chile, nos países que estão se associando (ao Mercosul). O mesmo ocorre na Venezuela, onde Caracas é uma megacidade venezuelana. A população é cada vez mais urbana, o que exige mais qualidade de vida. Isso toca na questão central, que é a questão da propriedade urbana. Hoje há mais facilidade de se discutir a propriedade rural. A questão urbana é mais difícil, por isso aprovamos uma legislação no Brasil dizendo que propriedade urbana tem que exercer uma função social. Queremos levar essa proposição também para o Mercosul. Quando se prioriza a questão social, os códigos urbanos são feitos de acordo com o interesse público e não apenas com o interesse privado. É o interesse público que tem que dizer para onde vai a cidade. Hoje prevalece a situação em que a cidade vai crescendo para onde o interesse privado determina. Essa questão é central para o Mercosul, onde as cidades transformaram-se em 30 a 40 anos no grande centro de desenvolvimento econômico.
Como o Parlasul pode ajudar a ampliar o debate?
Propus há dois anos que a gente discutisse uma legislação unificada para o Mercosul, o que levou à realização de audiências públicas. Tivemos uma primeira audiência com participação elevadíssima em Buenos Aires, com parlamentares dos quatro países do bloco, arquitetos, engenheiros, dirigentes de comunidades, lideranças populares, dirigentes sindicais. No caso da Argentina, querem ligar essa proposição a uma causa antiga, a luta pela reforma urbana. Assunção também quer discutir o tema, o pessoal do Chile quer discutir, Lima quer discutir, embora esses dois na qualidade de associados.
Essa pode ser uma prioridade do parlamento em 2011?
Será uma das prioridades. Associada a essa questão há outras. Em tempo relativamente curto, hoje viajamos sem passaportes, só com documento de identidade. Estamos discutindo o trânsito de trabalhadores no Mercosul, o que é importante. A Petrobras tem unidades em quase todos esses países e muitas vezes precisa levar trabalhadores, por isso temos que equalizar a questão da previdência.
O Parlasul ainda é visto com desconfiança nos países do bloco. Ao liderar uma iniciativa de debate desses temas, pode se aproximar de movimentos sociais e se firmar como representante da sociedade?
Tenho essa opinião. Ou se adotam os temas mais sentidos da população ou ela vai discutir o Mercosul como mais um instrumento das elites econômicas, que não tem nenhum interesse para ela. Vai se perguntar para que gastar dinheiro com isso. Então, precisa-se tratar de questões sociais no Mercosul. Não só para respaldar o Mercosul, mas porque esse é um problema objetivo de nossa região. Se temos um instrumento político institucional como um parlamento que não trata dessas questões, o povo realmente vai rechaçá-lo daqui a pouco.