O Memorial da Cultura Cearense (MCC) recebe nesta quarta-feira () a exposição Xilogravura Nordestina-Trajetória e evolução. Com curadoria de Bené Fonteles, a mostra apresenta uma síntese de quase um século em que a xilogravura no Nordeste alcançou um notável nível de apuro estético partindo da tradição popular fundada no imaginário do povo por Mestre Noza, de Juazeiro do Norte, no Ceará. A mostra destaca ainda como o artista pernambucano Gilvan Samico vai criar e redimensionar esta escola dentro do espaço da arte contemporânea.
A xilogravura é marcada pela rica plasticidade do imaginário popular – não menos sofisticado e inteligente que a plástica da cultura erudita –, através da obra de tantos e geniais mestres xilógrafos.
O primeiro artífice da xilogravura a ser conhecido nacional e internacionalmente foi Mestre Noza em Juazeiro do Norte, Ceará. Ele foi pioneiro na popularização da técnica quando trabalhava por encomenda para a Tipografia São Francisco, que desde os anos de 1930 era a mais importante editora e impressora do Cariri. A gráfica foi depois rebatizada pelo poeta Patativa do Assaré com o nome de Lira Nordestina.
Em Juazeiro do Norte surgiram outros geniais artistas da xilogravura, a partir da década de 1940: João Pereira da Silva, Walderêdo Gonçalves, Manoel Lopes da Silva – o “Manoel Santeiro” –, Damásio Paulo, Antonio Batista da Silva, Abraão Batista e Antonio Lino da Silva. Estes mestres gravadores ensinaram a lida ou inspiraram a obra da geração seguinte na região do Cariri, entre eles Stênio Diniz, José Lourenço, João Pedro do Juazeiro, Francorli, Cícero Lourenço, Nilo, Gilberto Pereira, Cícero Vieira, Hamurabi Batista e muitos outros, quase todos vindos da oficina gráfica Lira Nordestina.
Pernambuco também foi palco de grandes mestres xilógrafos como Dila, Costa Leite, Marcelo Soares, Amaro Borges, Jerônimo Soares e J. Borges, que faz uma escola estética seguida por parentes. Há também a contribuição de Ciro Fernandes, ilustrador de refinado senso estético. Já na Paraíba, destaca-se a obra seminal de José Altino.
Outro importante artista da xilogravura nordestina é o pernambucano Gilvan Samico. Ele trabalha com uma linguagem ousada, que teve como ponto de origem o imaginário dos artistas gravadores populares do Nordeste. Samico recria e ‘transcria’ todo o fabulário nordestino e universal, utilizando de matéria poética, nunca meramente narrativa, sempre essencialmente visionária. Renova também a gravura no Brasil por meio de uma complexa forma de gravar, feita com apuro e rigor estético.
Para Ariano Suassuna, Gilvan Samico é uma extraordinária personalidade de artista erudito que, ligando-se espontaneamente às raízes da arte popular nordestina e dando-lhe uma amplitude e uma profundidade maiores, cria aquela obra que, para ele, está acima de todas no campo da gravura brasileira. Suassuna tem Samico como herdeiro e rei da gravura popular nordestina.
A exposição Xilogravura Nordestina-Trajetória e evolução vai apresentar de Noza à Samico, a xilogravura que percorre do sertão à cidade uma grande e fascinante vereda: transforma o ordinário da madeira na mais extraordinária matriz imagética, criando e recriando mundos nunca gravados à memória de um Brasil Universo.
Saiba mais sobre a Xilogravura
A xilogravura consiste em gravar imagens numa madeira mole (cajá, imburana, cedro ou pinho) com instrumentos cortantes (goiva, faca, canivete, estilete, formão, buril). O desenho é feito no papel, passado para a madeira com carbono, ou desenhado diretamente na madeira. Em seguida, começa a ser talhada para finalização. Depois de gravada, a matriz recebe uma fina camada de tinta espalhada com a ajuda de um rolinho de borracha. Para fazer a impressão, basta posicionar uma folha de papel sobre a prancha entintada e fazer pressão manualmente, esfregando com uma colher ou mecanicamente, com a ajuda de uma prensa.
Presume-se que a origem remota da arte de gravar em madeira é uma contribuição milenar da cultura indiana que a usava para estamparias decorativas e religiosas. Esta técnica se espalha depois pela China e o Japão que a aperfeiçoa em sua mais perfeita e refinada forma de gravar de artistas japoneses como Hokusai e Hiroshige. Estes, vão inspirar pintores impressionistas como Claude Monet, Van Gogh e Paul Gauguin .
A primeira notícia que se tem da chegada dessa técnica no Brasil, é de 1808, com o advento da corte real portuguesa. Os xilógrafos nordestinos são os primeiros artistas a alimentar o imaginário visual do sertanejo com imagens de sua própria cultura, ou recriadas das raras publicações vindas da Europa que chegavam desde o final do século XIX.
Os xilógrafos nordestinos ilustraram no início do século XX os novenários, os almanaques, os cordéis – que passaram por temáticas religiosas, políticas e eróticas – e colaboraram também com a publicidade por meio da execução de rótulos de bebidas, de folhetos comerciais e da criação e reprodução de marcas e logomarcas.
Serviço:
Abertura da exposição “Xilogravura Nordestina-Trajetória e evolução”, dia 30 de março, no Memorial da Cultura Cearense no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Acesso livre.
Horário de visitação: Terça a quinta, das 9 horas às 19 horas (com acesso até 18h30min). Sexta a domingo, das 14 horas às 21 horas (com acesso até 20h30min).