A Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam) lançou uma nota em solidariedade às vítimas da enchente e cobrando a responsabilidade do Poder Público acerca das tragédias.
Logo no início da nota, a Conam chama a responsabilização da natureza pelas tragédias de “falácia” e diz que ao se eximir da responsabilidade de planejar a ocupação do espaço urbano, o poder público “comete crime humanitário”. A responsabilidade é imputada pela Conam às três esferas de governo.
Em seguida, a entidade explicita o que os jornais em geral não falam: os interesses da especulação imobiliária: “a questão central é a mercantilização das cidades pelos interesses do mercado imobiliário que empurra os trabalhadores para morar em áreas irregulares e sem infra-estrutura”. Para a Conam, o Estado não tem conseguido tornar efetiva a Função Social da Cidade prevista no Estatuto das Cidades, peça legal que possui instrumentos que visam a “garantir que a cidade e a propriedade urbana urbana cumpram a sua função social e possibilitem a vida digna de todas (os) como o acesso à moradia, ao saneamento ambiental, à mobilidade, à educação, à saúde, ao trabalho, à cultura, ao lazer entre outras políticas públicas inclusivas”, esclarece a Conam na nota.
A organização chama a atenção para a importância da garantia do Saneamento Ambiental e denuncia que a catástrofe na região serrana do Rio de Janeiro “demonstra a necessidade de uma política de gestão no uso da ocupação do solo”.
Plano nacional para combater as tragédias
Entendendo que “as tragédias não podem ser evitadas com políticas paliativas e desconectadas, mas com políticas integradas de curto, médio e longo prazo”, a Conam, por meio da nota, “vem a publico cobrar do poder público nas três esferas de governo um plano nacional que articule as políticas públicas de prevenção de acidentes, planejamento urbano, meio ambiente e saúde pública numa ação integrada para que se evitem danos materiais e perdas de vidas humanas”.
A entidade argumenta que até do ponto de vista orçamentário é mais vantajoso para o Estado investir em políticas preventivas do que liberar recursos para a recuperação de bairros e cidades após as tragédias.
A Conam pauta ainda a convocação, pelo Ministério das Cidades, do Conselho Nacional das Cidades, em reunião conjunta com os Ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional, “para discutirmos a elaboração um Plano Nacional de Prevenção a acidentes de catástrofes que tenham metas emergenciais e eficazes e que seja obrigatoriedade para os estados e municípios”. A implementação de programas ligados a políticas urbanas e garantia de moradia – como o Minha Casa, Minha Vida – também são cobrados pela confederação como “medidas que podem contribuir para que no verão de 2012 não vejamos acontecer essas tristes catástrofes”.
Confira a íntegra da nota da Conam:
“Nota pública: a Conam e a luta pela reforma urbana no combate às tragédias
Nos últimos anos temos acompanhado os efeitos das fortes chuvas ocorridas em varias regiões Brasileiras, aonde vidas humanas, bairros e cidades vêm sendo destruídas nessas tragédias.
É comum responsabilizar a natureza e a população mais carentes que vivem em áreas de riscos pelos desastres diante das manifestações da natureza, sabemos que tal afirmativa é uma falácia, quando o poder público se exime da responsabilidade de planejar a ocupação do espaço urbano comete crime humanitário.
As chuvas são fenômenos naturais, mas seus efeitos são sociais, pôr atingir de forma diferenciada a população das cidades. A inexistência de uma política habitacional e de planejamento na ocupação do espaço urbano origina a construção de cidades desumanas e de exclusão social, podemos afirmar que as tragédias que vitimaram milhares de pessoas nos últimos anos são de responsabilidade social e moral do poder público nas três esferas de governo.
A questão central é a mercantilização das cidades pelos interesses do mercado imobiliário que empurra os trabalhadores para morar em áreas irregulares e sem infra-estrutura. A lógica de produção mercantil das cidades não oferece moradias dignas a preços compatíveis com a renda da população trabalhadora, levando esta a ocupar áreas impróprias para a habitação.
A omissão do poder público no enfrentamento da segregação sócio espacial e sua subordinação aos grandes interesses econômicos, e sua incapacidade de tornar efetiva a Função Social da Cidade prevista no Estatuto das Cidades. O Estatuto contém instrumentos jurídicos e urbanísticos com o objetivo de garantir que a cidade e a propriedade urbana cumpram a sua função social e possibilitem a vida digna de todas (os) como o acesso à moradia, ao saneamento ambiental, à mobilidade, à educação, à saúde, ao trabalho, à cultura, ao lazer entre outras políticas públicas inclusivas.
O Estatuto das Cidades e a Lei n.º 11.445 reconhecem o Saneamento Ambiental como um direito fundamental vinculado ao direito à cidade. Define como princípios fundamentais o saneamento como um conjunto de serviços e infra-estrutura, que envolve serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos sanitários, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, rede de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, detenção ou retenção de vazões de cheias, destinação adequada das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas. Estes serviços, se prestados adequadamente a todos, poderiam garantir maior qualidade de vida e reduzir os riscos de enchentes e mortes decorrentes das chuvas, evitando as catástrofes que vivemos.
Chamamos atenção sobre a catástrofe na Região Serrana do Rio de Janeiro considerada a maior já ocorrida no Brasil, não atingiu apenas bairros populares e irregulares, mas bairros de classe média alta com condomínio de luxo, isto demonstra a necessidade de uma política de gestão no uso da ocupação do solo.
As tragédias não podem ser evitadas com políticas paliativas e desconectadas, mas com políticas integradas de curto, médio e longo prazo devendo ao Poder Público garantir a implementação dessas políticas e desses direitos para que as futuras gerações não sejam vitimadas.
A CONAM preocupada com os acontecimentos nos últimos anos vem a publico cobrar do poder público nas três esferas de governo um plano nacional que articule as políticas públicas de prevenção de acidentes, planejamento urbano, meio ambiente e saúde pública numa ação integrada para que se evitem danos materiais e perdas de vidas humanas.
É mais humano e mais barato investir em políticas de regularização fundiária, moradia para famílias de baixa renda e em prevenção a desastres naturais do que liberar elevados recursos como o governo federal vem fazendo nestes últimos períodos para recuperação de cidades e bairros.
Faz-se necessário que o Ministro das Cidades convoque uma reunião do Conselho Nacional das Cidades junto com os Ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional, para discutirmos a elaboração um Plano Nacional de Prevenção a acidentes de catástrofes que tenham metas emergenciais e eficazes e que seja obrigatoriedade para os estados e municípios.
Além disso, a implementação do Estatuto das Cidades, a implementação de Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS e a aplicação maciça de recursos do programa Minha Casa Minha Vida para as 5 milhões de famílias que vivem em áreas de risco em todo o Brasil são medidas que podem contribuir para que no verão de 2012 não vejamos acontecer essas tristes catástrofes.
São Paulo, 20 de janeiro de 2011
Bartíria Lima da Costa
Presidenta da Conam