“É com essa verdade que queremos contar para construir a história do povo brasileiro”, disse o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) no Seminário Internacional sobre Comissões de Memória e Verdade, nesta terça-feira (14), na Câmara dos Deputados, ao contar a história do resgate da ossada do cearense Bergson Gurjão, morto na Guerrilha do Araguaia. Os deputados Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Fernando Chiarelli (PDT-SP) insultaram os comunistas, o PT, convidados, platéia e a presidente eleita Dilma Rousseff.
Inácio Arruda disse que acredita na construção da Comissão da Verdade “para dar passo corajoso para fortalecer os que querem um país com gente digna, caráter elevado e capacidade de construir uma nação irmanada.” A fala do senador comunista foi pontuada por acusações aos torturadores da ditadura militar, a quem acusou de covarde pelas torturas e por hoje querer esconder a verdade:
“Gente sem coragem, porque torturador é covarde”, disse o senador, lembrando que “o povo não sabe que eles seguiam a doutrina da subordinação, de que o Brasil era um quintal”, acrescentando ainda que “os que mataram, torturaram, foram formados em Escola das Américas, que formavam torturadores e assassinos.”
A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) pediu desculpas aos convidados estrangeiros e ao público, inclusive os internautas, pela posição da minoria – “de apenas dois deputados” -, destacou a deputada.
Citando o antropólogo Darci Ribeiro, Inácio Arruda defendeu a investigação das razões e circunstâncias dos assassinatos, tortura e desaparecimentos dos brasileiros durante a ditadura militar. “Temos que virar essa página para poder formar conteúdo da nossa identidade”, lembrando que as pessoas perseguidas pelos militares eram acusadas do crime de “quererem progresso, igualdade, que o Brasil não fosse um país subordinado”.
“Temos que contar a história e a verdade para o nosso povo – como ela foi construída e foi escamoteada ao longo do tempo. Não será sem conflitos, mas nós já conseguimos avançar”, lembrou Arruda, destacando que o Brasil está muito bem posicionado na assinatura das convenções internacionais de direitos humanos.
Provocações e insultos
Antes de sua fala, em que insultou a todos, Jair Bolsonaro protagonizou uma confusão com a militante da União Brasileira das Mulheres (UBM) e do PCdoB, Rosa Cimiana dos Santos. O parlamentar fazia provocações ao público e mandou que Rosa se calasse quando houve reação dela às declarações dele.
“O Sr. me respeite que eu sou mulher” disse Rosa, ao que Bolsonaro respondeu: “A Cadela de Auschwitz também era”. Irma Grese foi apelidada de "A Cadela de Auschwitz" pelos prisioneiros por seu comportamento sádico e perverso como supervisora de prisioneiros nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.
O bate boca interrompeu a fala do senador Inácio Arruda. Ao retomar seu discurso, Inácio disse, diante da declaração de Bolsonaro: “A verdade vai sendo dita”.
Durante sua fala, Bolsonaro fez provocações ao senador Inácio Arruda, dizendo que os “cara de pau” deixam a barba crescer. E disse que a Comissão da Verdade, formada por sete representantes indicados pelo governo federal, “é o mesmo que colocar sete traficantes para julgar o Fernandinho Beira-Mar”. A fala de Bolsonaro foi reforçada pela de Chiarelli, que insultou até a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Gilda Pereira de Carvalho, convidada pela o evento.
Segundo ele, ela deveria ir atrás dos traficantes e dos defensores da legalização dos bingos que “estão comprando deputados para votar a favor da matéria”. A fala de Chiarelli foi repreendida pelo deputado José Wilson (PT-GO), que presidia o evento.
Caso Bergson
Todos os demais oradores do seminário defenderam a necessidade de criação da Comissão da Verdade para investigar, entre outras coisas, o desaparecimento de centenas de pessoas. Inácio Arruda lembrou o caso do cearense Bergson Gurjão, jovem estudante, jogador de basquete, que ao ingressar na universidade, criou um cursinho preparatório para dar aula para estudantes pobres.
“Esse jovem foi preso e desapareceu no Araguaia. Sua mãe esperou a vida toda, todo dia, para que seu filho chegasse. Finalmente seu filho – a ossada – foi entregue (no ano passado). A tristeza transformou-se em alegria aos 95 anos de idade, porque resolveu o problema de décadas. O corpo foi conduzido por militares brasileiros na igreja da Base Aérea de Fortaleza”, contou Inácio Arruda.
Experiências semelhantes
O Seminário Internacional sobre Comissões da Verdade, promovido pela Comissão de Direitos Humanos, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, quer subsidiar as discussões sobre o Projeto de Lei que cria a Comissão Nacional da Verdade.
A proposta do governo é criar a comissão para esclarecer casos de violação de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988 – inclusive a autoria de tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres.
O seminário quer oferecer aos participantes acesso a informações sobre experiências relacionadas com comissões da verdade em diferentes países, de forma a propiciar a parlamentares, outras autoridades e ao público elementos que possam contribuir para o debate e para a implementação da Comissão da Verdade e Memória no Brasil.
Diversos países experimentaram tal mecanismo nas últimas décadas, a maioria após o fim de ditaduras militares, mas há também o caso da África do Sul, que instituiu uma comissão da verdade para investigar denúncias de crimes cometidos contra os direitos humanos durante o regime do Apartheid.
O evento reúne convidados internacionais como o vice-ministro da Justiça e Desenvolvimento da África do Sul, Andries Carl Nelo; o norte-americano David Tolbert e o peruano Eduardo González, respectivamente presidente e diretor do Centro Internacional para Justiça Transicional; e a argentina Patrícia de Valdez, diretora da ONG Memória Aberta.
Do Brasil, participam o ministro Paulo Vannuchi, titular da Secretaria de Direitos Humanos desde 2005, o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão e o jurista e relator especial da ONU para Mianmar, Paulo Sérgio Pinheiro, entre outros.