A luta do povo português contra a Otan é tão antiga quanto a própria Aliança Atlântica. Como lembrou Margarida Tengarrinha, numa sessão comemorativa do 60.º aniversário do Conselho Mundial da Paz, realizada em Lisboa em Janeiro deste ano, foi logo em 1950 que surgiu em Portugal a Comissão Nacional para a Defesa da Paz, primeira organização do movimento da paz português.
O principal dos seus objetivos era recolher 100 mil assinaturas para o Apelo de Estocolmo contra as armas nucleares, integrado no poderoso movimento que recolheu, em todo o mundo, 500 milhões de assinaturas — o maior abaixo-assinado de todos os tempos.
Na mesma sessão, Maria da Piedade Morgadinho, da Comissão Central de Controlo do PCP, recordou que na época “eram proibidas manifestações, mas os jovens organizavam-se em brigadas de trabalhadores e estudantes e percorriam as ruas dos centros e bairros operários como fizeram em Lisboa, Porto, Barreiro, Almada, Marinha Grande, Beja, Pias, Grândola e tantas e tantas outras cidades, vilas e aldeias, recolhendo assinaturas para a paz”. Em inúmeras paredes, desafiando a proibição fascista, inscreveu-se a palavra Paz.
Muitos pagaram estas ousadias com a prisão, as torturas e, em alguns casos, com a morte. Vários dirigentes do Movimento Nacional Democrático, como Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, José Morgado e Albertino Macedo foram julgados no Tribunal Plenário de Lisboa por terem enviado um telegrama a Salazar protestando contra a utilização do território nacional por forças da Otan. Mas, como realçou Maria da Piedade Morgadinho, a “luta não esmorecia”.
A realização, em Portugal, da primeira conferência interministerial da Otan, em 1952, deu motivos acrescidos ao movimento da Paz. Na obra citada, Margarida Tengarrinha recorda a “ação mais imaginativa e audaciosa” que realizaram – a colocação de dois grandes cartazes no elevador de Santa Justa, em Lisboa, à hora de maior movimento. Num deles lia-se Fora a Otan enquanto o outro apelava Luta pela Paz. Enrolados nos cartazes encontravam-se folhetos com gravuras relativas à paz, que voaram pela Baixa lisboeta.
Em junho de 1971, realizou-se em Lisboa uma nova reunião do Conselho Ministerial da Otan. Em plena Guerra Colonial, essa reunião constituía uma “verdadeira provocação e um insulto ao povo português”, como lembra Jaime Serra. A Ação Revolucionária Armada (ARA) levou a cabo uma ação que perturbou por completo o efeito público dessa reunião, à qual acorreu em grande número a comunicação social internacional.
Disfarçados com as fardas dos funcionários dos CTT, operacionais da ARA explodiram aquele que era o “centro nevrálgico de todas as comunicações radiotelegráficas e telefônicas”, situado a poucas centenas de metros da sede da PIDE. O histórico dirigente do PCP lembra que “Lisboa ficou isolada do resto do país e do mundo, provocando a desorientação e a maior perturbação no seio do governo fascista e entre os seus convidados parceiros da Otan. Por este fato a reunião começou com grande atraso, tendo sido desvalorizada pelos numerosos jornalistas presentes que optaram por dar relevo à ação da ARA”. Marcello Caetano terá ficado retido num elevador juntamente com o Secretário de Estado dos EUA em sequência da explosão.
Firmes contra a guerra
Conquistada a liberdade, não foi mais necessário recorrer a ações clandestinas ou armadas. A criação, em 1976, do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), é um momento alto da luta pela paz em Portugal, dando-lhe uma expressão popular, unitária e de massas. Nos anos 80, combateu-se intensamente a instalação de novos e mais potentes mísseis norte-americanos na Europa Ocidental e exigiu-se o fim das armas nucleares.
Em 1999, milhares de portugueses contestaram nas ruas a agressão à Jugoslávia, o que voltaram a fazer dois anos depois, quando da invasão do Afeganistão. Nos dois casos, fizeram-no enfrentando uma poderosa ofensiva mediática legitimadora das guerras e do novo papel da Otan, à qual não resistiram inclusivamente muitos sectores de esquerda.
Desde que foi conhecida a disponibilidade das autoridades portuguesas para receberem, no país, a cimeira da Otan em 2010 (a mesma que demonstraram para receber a cimeira das Lajes, que determinou a invasão do Iraque pela coligação EUA-Inglaterra-Espanha), que o movimento da paz se mobilizou. Nasceu assim, em Janeiro deste ano, a Campanha “Paz Sim! Otan Não!”, em torno de questões essenciais: a manifestação de repúdio pela realização da cimeira da Otan em Portugal; a exigência de retirada das tropas nacionais de missões da Otan; o fim das bases militares estrangeiras e das instalações da Otan no país; a recusa da transformação da União Europeia em pilar europeu da Otan; a exigência do desarmamento, do fim das armas nucleares e de destruição maciça e da dissolução da Otan.
Em torno destas causas, a Campanha rapidamente alargou a sua influência a vários sectores, reunindo atualmente mais de uma centena de organizações nacionais (entre as quais se contam o CPPC, a CGTP-IN e o PCP). Entre as ações realizadas, destaca-se a petição que recolheu 13 mil assinaturas e que foi já debatida na Assembleia da República, obrigando PS, PSD e CDS a assumirem as suas posições em defesa das guerras e ocupações e da corrida aos armamentos.
A manifestação de dia 20 de novembro, entre o Marquês de Pombal e os Restauradores, em Lisboa, pela sua dimensão e significado, entrará diretamente na história da luta pela paz em Portugal.