O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ação civil pública com o objetivo de estabelecer a responsabilidade civil de quatro militares reformados – três das Forças Armadas e um da Polícia Militar de São Paulo – sobre mortes ou desaparecimentos durante o regime militar.
As vítimas seriam seis mortos ou desaparecidos e 19 torturados, todos detidos pela Operação Bandeirante (Oban), coordenada pelo Comando do II Exército em 1969 e 1970.
Entre as vítimas citadas na ação está a presidente eleita Dilma Rousseff, que na juventude combateu o regime militar e foi presa e torturada em 1970.
A ação pede que os réus sejam condenados a pagar indenização à sociedade, tenham as aposentadorias cassadas e ajudem a cobrir os gastos da União com indenizações para as vítimas.
Militares
O capitão reformado da Polícia Militar de São Paulo João Thomaz negou que tenha atuado na Operação Bandeirante (Oban), em 1969 e 1970. Ele confirmou que os dados de identificação citados na ação do MPF conferem com os dele, mas não quis dar detalhes sobre o trabalho que exercia na época. Ele disse que depois de intimado vai esclarecer a situação à Justiça.
“Não atuei nesse tipo de operação. Deve haver um engano. Tinha um pessoal da PM e da Civil que foram selecionados para isso. Mas eu não fui. Com certeza há um engano”, afirmou o militar aposentado.
Desde as 13h, o G1 busca contato com os outros três militares citados na ação do MPF: Homero Cezar Machado, Mauricio Lopes Lima e Innocencio Fabricio de Mattos Beltrão.
Às 13h20 e às 14h30, a reportagem deixou recado na secretária eletrônica do telefone de Machado.
No número que seria o do telefone de Lima, a reportagem tentou cinco vezes, mas ninguém atendeu.
O telefone de Beltrão também não atendeu, após cinco tentativas. A reportagem deixou recado com um porteiro do condomínio onde ele mora.
Outras vítimas
Também são citados como vítimas Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, apontado como líder do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, e Frei Tito, que se suicidaria quatro anos depois por sequelas da tortura.
O trabalho do MPF se baseou em depoimentos dados a tribunais militares por diversas vítimas da Oban, compilados no Projeto Brasil Nunca Mais, e informações mantidas em arquivos públicos, além de testemunhos de algumas vítimas.
Na ação, além das demandas contra os acusados, o MPF também aciona a União e o estado de São Paulo. Para o MPF, ambos devem reparar danos imateriais, mediante um pedido de desculpas formal a toda a população em relação aos casos reconhecidos na ação.
O MPF pede também que União e estado tornem públicas todas as informações relativas às atividades desenvolvidas na Oban, inclusive a divulgação dos nomes completos de todas as pessoas presas ilegalmente ou legalmente pelo órgão, nomes de todos os torturados e de todos que morreram naquelas dependências, o destino dos desaparecidos e os nomes completos dos particulares, pessoas físicas ou jurídicas, que contribuíram financeiramente para a sua atuação.
A Oban visava agrupar num único destacamento o trabalho de repressão política estadual e federal, até então disperso entre as Forças Armadas e as polícias civis, militares e federal. Criado em São Paulo após a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5) e sob o comando do Exército, o projeto ficou conhecido pelo uso da tortura como meio rotineiro de investigação e de punição de dissidentes políticos.
Lei de Anistia
O MPF esclarece na ação que a lei de Anistia e o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153 (ADPF 153) pelo Supremo Tribunal Federal, que reafirmou a validade da lei, não inviabilizam medidas de responsabilização civil como as propostas na nova ação. O MPF argumenta que a lei de Anistia não faz menção a obrigações cíveis decorrentes de atos ilícitos anistiados pela lei.
No julgamento, os ministros do STF Carmen Lúcia, Eros Grau, Cezar Peluso, Celso de Mello,
além de Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski – que julgaram procedente a ADPF – destacaram a importância de se buscar medidas visando a reparação, o esclarecimento da verdade e outras providências relacionadas ao que se passou no período abrangido pela lei, ainda que a punição criminal esteja vedada.
Os procuradores lembram, ainda, que o caso está sujeito às obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro de apuração de graves violações aos direitos humanos.
Em especial, a Justiça brasileira deverá seguir o que vier a ser decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que está julgando a ação apresentada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA contra o Brasil no caso Julia Lund – Guerrilha do Araguaia. Estima-se que a CIDH decidirá a matéria ainda neste ano.