Entrevista


O ministro da Cultura, Juca Ferreira, participou, na noite de ontem (4), da abertura de uma mostra retrospectiva do artista Carybé. A exposição  integra as celebrações dos 200 anos da revolução que resultou na independência da Argentina.

Montada no espaço cultural da Embaixada do Brasil em Buenos Aires, a mostra exibe pinturas a óleo, desenhos, esculturas e ilustrações e ficará aberta ao público até janeiro do ano que vem.

Nascido na Argentina e naturalizado brasileiro, Carybé – apelido de Hector Julio Páride Bernabó – ilustrou livros de Jorge Amado e tornou-se amigo do escritor. Mudou-se para Salvador em 1950 e morreu na mesma cidade em 1997.  De acordo com Juca Ferreira, Carybé pode ser visto como um personagem emblemático da amizade entre a Argentina e o Brasil e, mais do que isso, da integração que uniu duas culturas muito diferentes.

Juca Ferreira conversou com a Agência Brasil e fez um balanço das realizações do Ministério da Cultura, das ações que desenvolveu ao longo de sua gestão e das verbas e projetos culturais em andamento, além de sinalizar seu interesse  em relação ao governo da presidenta eleita, Dilma Rousseff. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil: O que mudou na cultura brasileira desde que o senhor assumiu o ministério?

Juca Ferreira
: Quando assumimos, em 2003, o então ministro (Gilberto) Gil chamou a atenção para o fato de que a cultura era tratada como algo secundário. Os recursos para o setor eram o menor orçamento da República – 0,2%; não se tinha noção de política pública; não se tratava da cultura como uma necessidade básica de todo ser humano. A grande mudança foi esta: hoje, a cultura é parte de um projeto nacional. O governo Lula não só aumentou o poder aquisitivo da população, incluindo milhões de brasileiros  em outro nível da sociedade, mas melhorou o padrão de outras políticas públicas, incluindo a educação e a cultura. Nós saímos de um orçamento de 0,2% para 1,3%, ou seja, em termos concretos saimos de R$ 287 milhões para quase R$ 2,5 bilhões. Isso é um crescimento vertiginoso mas, para as necessidades de demanda de um país com 190 milhões de habitantes, acho que o orçamento ainda precisa crescer mais um pouco. Acho que a cultura precisa chegar a, no mínimo, 2% do orçamento público.

ABr: Como esse dinheiro é distribuído?

JF: A verba atual é distribuída a projetos de todo o Brasil. Essa é uma qualidade da nossa gestão: desconcentramos o acesso aos recursos. Quando nós chegamos, 80% desses recursos iam para projetos culturais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Hoje, estamos conseguindo disponibilizar os recursos para o Brasil inteiro e para todas as áreas da cultura, sem discriminação e sem privilégios. Não fizemos opção por nenhuma área. Pelo contrário: optamos pela diversidade cultural brasileira e pela abrangência, pelo seu conjunto.  Acho que estamos perto de afirmar que dinheiro não é mais o principal problema da cultura.

ABr: Qual é o principal problema?

JF: O principal problema da cultura brasileira é formação, capacitação, montagem de uma infraestrutura que dê atendimento a todo o território nacional. Mais de 90% dos municípios brasileiros não têm um teatro, um cinema sequer. Estamos zerando agora municípios sem biblioteca. Só não zeramos ainda porque abrimos uma biblioteca, mas o prefeito fecha porque não quer pagar o salário de duas bibliotecárias e três funcionários. Mas vamos zerar. Estamos perto de montar uma estrutura, mas o déficit é muito grande no Brasil. Nunca se cuidou, seriamente, de disponibilizar cultura para todos os brasileiros, em todo o território nacional.

ABr: Como o senhor analisa o atual momento da cultura brasileira?

JF: Acho que  estamos vivendo um excelente momento. Por exemplo: pela primeira vez, depois de muitos anos, tem mais filme brasileiro sendo exibido nas salas de cinema do que filme estrangeiro. Isso acontece sem nenhum mecanismo de proteção. É pelo interesse da população. Nós estamos colocando mais dinheiro no cinema brasileiro do que na época da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme, criada em 1969 e extinta em 1990). Estamos vivendo um novo ciclo que, evidentemente, ainda tem seus problemas, mas isso é parte desse processo que estou relatando, de investimento pesado na cultura.

ABr: Quais os projetos culturais em andamento até o fim do governo Lula?

JF: Temos muitos projetos em andamento até o fim do ano. Abrimos agora uma série de editais, em torno de R$ 300 milhões, para atender a várias áreas culturais. Vamos lançar a pedra fundamental de um centro de referência sobre Luiz Gonzaga  (cantor e compositor pernambucano e autor, juntamente com Humberto Teixeira, do clássico Asa Branca) e outro centro sobre  Sivuca (sanfoneiro paraibano). Estamos recuperando o engenho onde José Lins do Rego escreveu o principal romance dele – Menino de Engenho –  e também estamos criando uma casa de samba no Rio de Janeiro para a velha guarda das escolas de samba. Estamos com muitas iniciativas. Eu prometi ao presidente Lula que iria trabalhar até o dia 31 de dezembro e até 31 de dezembro estarei trabalhando.

ABr: De Buenos Aires o senhor segue para Montevidéu, no Uruguai. Alguma associação cultural em vista?

JF: A missão no Uruguai é uma demanda pessoal do presidente José Mujica. Na última reunião que tivemos do Mercosul Cultural,  o presidente pediu maior integração com as políticas do Ministério da Cultura do Brasil. Então, vamos começar essa conversa. A missão no Uruguai é o primeiro passo para estabelecer novo termo de cooperação com a área cultural do governo Mujica.

ABr:  O governo da presidenta eleita Dilma Rousseff começa no dia 1ª de janeiro. Se for convidado, o senhor continuará no cargo?

JF: Se for convidado a permanecer no Ministério da Cultura, continuo. A presidenta eleita deixou claro que ela vai escolher o seu ministério na volta desta semana de descanso. Se me convidar, eu tenho todo o interesse.