Nilo de Brito Firmeza nasceu em Fortaleza, em 19 de setembro de 1919, numa época de seca. Só mais tarde, quando foi aluno do Liceu do Ceará, apareceu o Estrigas, apelido dado pelos colegas que terminaram por batizar o artista.
Os pais vieram do Crato, na esperança de encontrar um terreno mais fértil na então crescente capital. Viviam no Centro, perto de onde as crianças estudavam e onde o pai trabalhava. "Meu pai era rábula, praticando a advocacia, que estudou e aprendeu por conta própria. Não tinha feito o curso de Direito, mas tinha uma autorização do Tribunal de Justiça que o permitia advogar. Quando veio para Fortaleza, foi jornalista, envolveu-se com a política, e foi professor do Liceu do Ceará", relembra o artista, sobre o pai, que foi deputado estadual e federal.
"Ele tinha uma boa biblioteca e foi nela que me fiz. Não gostava de estudar, que é chato. Mas ler, ler já é uma maravilha", conta. Estrigas passeou por todos os temas da biblioteca paterna, dos romances aos livros de História e Filosofia. Mas foram os escritos sobre arte que mais o marcaram.
No entanto, ainda não era tempo de se dedicar à paixão pela arte em tempo integral. Estrigas precisava escolher uma profissão. Optou pela Odontologia: "Lá em casa já tinha médica, não sei quantos advogados e um irmão que era dentista. A sugestão de meu pai foi essa. Aceitei e fui fazer o curso. Não gostava muito do curso, mas fazia com certa vontade".
Foi também no fim dos anos 1930 que ele se iniciou nas artes. "Passei a frequentar um curso livre de desenho e pintura na Scap (Sociedade Cearense de Artes Plásticas). Antes, eu já desenhava algumas coisas. Ainda não tirava dos modelos, apenas copiava os desenhos que outros já tinham feito. Quando criança, gostava muito daquelas caricaturas, dos desenhos do J. Carlos (quadrinhista que publicava na lendária ´O Tico-tico´)", conta Estrigas. "Já fazia alguma coisa, amadora. Na Scap, se aprendia com mais rapidez e no caminho certo. Também foi lá que fui desenvolvendo os conhecimentos sobre arte, a capacidade de produzir, e que comecei a colecionar trabalhos. Ao ponto de, após um certo número de anos, a atividade de artista superar a profissão de dentista", detalha. A família aceitou bem o interesse pela arte. "Meu pai brincava com isso e me apresentava como ´dublê de artista´. E de fato era um duplo, dentista e pintor", diverte-se.
A Scap também foi o cenário de outro grande encontro na vida de Estrigas – talvez tão grande quanto o que teve com o fazer artístico. Foi lá que ele conheceu Nice, moça vinda de Aracati, apaixonada pela arte, com quem se casaria em 1961. É sua companheira até hoje. "Nos conhecemos na Scap e continuamos depois de lá. Ela compartilhou comigo uma vida. Um se segurando no outro, ajudando, aconselhando. Uma vida onde dois formam um". Nice pinta, faz bordado e é conhecida por seus doces, artes que lhe valeram a comenda de Tesouro Vivo, pelo Governo do Estado. O casal não teve filhos.
Mudanças
Empregado da Secretaria de Educação do Estado, na condição de dentista, Estrigas viu seu destino mudar num lance do acaso: a repartição precisava de alguém que entendesse de artes para coordenar um novo departamento dedicado ao tema. O artista aproveitou a oportunidade e foi cada vez mais se distanciando de sua profissão, até se dedicar inteiramente à sua paixão.
Estrigas mergulhou no universo da artes fazendo-se mais que pintor. Tornou-se pesquisador, historiador, crítico, curador, participou de seleções de salões importantes, além de ter levado sua arte para exposições fora do Estado. Contudo, foi no Ceará que deixou sua marca impressa. Em quadros que hoje fazem parte de acervos de museus e de colecionadores particulares. Colaborou intensamente com a imprensa local, sendo marcantes suas passagens pelos jornais "O Unitário", "Correio do Ceará" e "Diário do Nordeste" (onde assinou a página "Artecrítica", compilada em livro com o mesmo título).
O primeiro dos mais de 20 livros escritos foi "Arte – aspectos pré-históricos no Ceará", sobre as inscrições rupestres encontradas no Estado e, até então, excluídas da linha que percorria a história da arte no cenário local. O Ceará como celeiro da arte é o grande tema da escrita de Estrigas, trabalhado em livros como "Artes Plásticas no Ceará", "Artecrítica" e "Salão de Abril – história e personagens".
O livro mais recente, ainda inédito, é sobre o companheiro de geração Zenon Barreto, colega dos tempos de Scap e das experiências com arte concreta, nos anos 1950. São do Ceará, também, alguns dos artistas que mais admira. "Raimundo Cela, Antonio Bandeira e Ademir Martins são os três grandes, sem desmerecer o trabalho de Barrica e Zenon, que merecem ser lembrados", elenca. A modéstia é injusta ao não permitir que inclua seu próprio nome.
Em casa
Estrigas e Nice moram num sítio no Mondubim, desde 1961. O sítio pertencia ao pai e era onde Estrigas passava os fins de semana e as férias escolares. Ainda na infância, chegou a morar um ano lá, enquanto um irmão se recuperava de uma doença. "Passei um ano almoçando às 9 horas, porque o trem que vinha de Baturité em direção ao Centro passava aqui perto às 10 horas e era o único meio de chegar a tempo às aulas, que começavam às 12h30".
Hoje, o sítio abriga o artista na tranquilidade necessária à criação. É lá que se cerca do sem-número de obras integrantes do acervo do Minimuseu Firmeza, onde expõe uma panorâmica permanente da trajetória das artes no Ceará, da pré-história à contemporaneidade, passando por seu próprio trabalho e pela arte popular tradicional do Estado.
A OPÇÃO PELA ARTE
"Lá em casa tinha médica, não sei quantos advogados e um irmão que era dentista. A sugestão de meu pai foi essa"
"Meu pai brincava e me apresentava como ´dublê de artista´. E de fato era um duplo, dentista e pintor"
RECONHECIMENTO
Sereia de Ouro
"É bom cair no canto da sereia", brinca Estrigas, quando perguntado sobre a emoção de receber o Troféu Sereia de Ouro. "Depois do anúncio de que eu receberia o troféu, recebi cartões e telefonemas, de pessoas me parabenizando. Por aí se percebe como o Sereia de Ouro tem o valor elevado e como ele é reconhecido", afirma o artista plástico. "Ser escolhido, entre tanta gente importante por aí, deixa a gente pensando que é alguma coisa mesmo (risos). Nunca fui pintar esperando ser pintor, nunca fui escrever esperando ser escritor. Mas há pessoas atentas ao nosso trabalho, que veem coisas que a gente muitas vezes não vê. Fico feliz porque sei que as pessoas que escolhem são bem informadas o suficiente para acertar na escolha. Vendo os outros que serão agraciados, tenho que reconhecer que eles acertaram, também, comigo", diz.