Niko Schvarz: Allende e o 11 de setembro no Chile


A data de 11 de setembro, lembra não só as Torres Gêmeas (), mas também o golpe de Estado de Pinochet no Chile, 28 anos antes (), e o assassinato do presidente mártir Salvador Allende, que, em seus 1.100 dias de governo, lançou um programa para transformar o Chile em "um segundo modelo de transição para uma sociedade socialista".

Foi isso que o golpe de 11 de setembro de 1973, que foi o golpe de Nixon e Kissinger, da ITT e da Braden Copper, quebrou. E ainda que a situação atual seja totalmente diferente, precisamente é o momento de avaliar essa experiência.

Agora, na presidência do Chile, está Sebastián Piñera, e há em seu governo alguns arremedos do pinochetismo recalcitrante, que se perpetuou no poder. Neste aniversário, a única coisa que ocorre ao governante (que nunca lutou contra a ditadura, mas que enriqueceu sob suas asas) dizer é que o golpe foi "o desenlace previsível de uma democracia que vinha doente." É assim que qualifica a grande obra transformadora do presidente Allende.

Este ganhou a eleição de 04 de setembro de 1970 com 36,3% dos votos, batendo Jorge Alessandri por mais de 40 mil, enquanto o terceiro foi Radomiro Tomic, da democracia-cristã e seu "socialismo comunitário", com 27,84%.

A Unidade Popular, que levou ao triunfo de Allende, teve a sua sólida fundação na unidade socialista-comunista, à qual se agregou o Partido Radical, os setores cristãos do MAPU desgarrados da DC e grupos independentes, e contava com a firme sustentação dos trabalhadores agrupados em sua central única CUT, organizações sociais e estudantes com sua tradicional federação. De fato, da sede estudantil, sobre a Alameda, Allende falou na noite da vitória.

Mas teve que superar muitos obstáculos até chegar a sua ratificação pelo Congresso. Foi assassinado o comandante em chefe do Exército, general René Schneider, da mesma forma que, no final de 1969, o país se viu comovido com o "tacnazo" do general Roberto Viaux, que colocou o governo de Eduardo Frei na borda do abismo.

A direita se mobilizou por todos os meios para impedir a posse de Allende. O proprietário do ultrarreacionário O Mercurio , Agustín Edwards, voou para os EUA com essa tarefa e encontrou ouvidos atentos no presidente Richard Nixon e seu secretário de Estado, Henry Kissinger.

Nesses dois meses, sucederam-se uma série de atos terroristas por todo o país, por grupos dde grupos de extrema-direita que receberam dinheiro e treinamento a partir do exterior. Isso seria executado em uma escala maior na véspera do golpe de Estado de 11 de setembro de 1973.

Em 3 de novembro de 1970, Allende foi confirmada pelo Congresso e assumiu o cargo. Durante este período, os dirigentes da Unidade Popular, como o recentemente falecido Luis Corvalán, visitaram o Uruguai para apresentarem as experiências da Unidade Popular, o que teve um peso positivo na formação da Frente Ampla em fevereiro de 1971.

Allende conseguiu fazer passar um dos pontos básico do seu programa, a nacionalização do cobre, que a direita não se atreveu a votar contra e saiu por unanimidade. Nas eleições municipais de fevereiro de 1971, a Unidade Popular aumentou seu eleitorado a quase 50%, consolidando-se sem cessar.

Na sua primeira mensagem ao Congresso, Allende examinou a experiência da revolução russa e acrescentou: "O Chile se encontra ante a necessidade de iniciar uma nova forma de construir a sociedade socialista: a nossa via revolucionária, a via pluralista, prevista pelos clássicos do marxismo, mas nunca antes colocada em prática. (…) O Chile é hoje a primeira nação da Terra chamada a formar o segundo modelo de transição para uma sociedade socialista (…) Nós trilhamos um novo caminho; marchamos sem guia por um terreno desconhecido; tendo como bússola nossa fidelidade ao humanismo de todas as épocas – especialmente o humanismo marxista -, e tendo como norte o projeto da sociedade que queremos, inspirada pelos desejos mais profundamente enraizada no povo chileno (…) A nossa tarefa é definir e implementar, como a via chilena para o socialismo, um novo modelo de Estado, economia e de sociedade, centrada no homem, suas necessidades e aspirações. Por isso, precisamos da coragem dos que ousaram repensar o mundo como um projeto a serviço do homem. Não existem experiências anteriores que possamos usar como modelo; temos que desenvolver a teoria e a prática de novas formas de organização social, política e econômica, tanto para a ruptura com o subdesenvolvimento, como para a criação socialista".

Esta é parte inalienável do legado de Allende, cerceado pelo golpe de Estado e que hoje continua se mantém mais vigente que nunca.