Cangaceiro de Lampião morre aos 100 anos


Um dos últimos cangaceiros do bando do histórico Lampião – que aterrorizava fazendeiros e saqueava comércios no Nordeste brasileiro, no início do século passado – foi enterrado, na manhã de ontem, em Belo Horizonte. Aos 100 anos, Antônio Inácio da Silva, o Moreno, afimava já estar cansado de viver e pedia descanso.

Neli Maria da Conceição, 60, filha de Antônio, contou que o pai sofria depressão há três anos. A tristeza maior veio depois que Durvalina Gomes de Sá, sua mulher e também cangaceira morreu, aos 92 anos, vítima de um acidente vascular cerebral, em 2008. Em seguida, problemas de saúde limitaram as atividades do cangaceiro e há cerca de um ano ele passou a usar uma cadeira de rodas. "Já estava se sentindo fraco. As doenças e a morte da minha mãe lhe tiraram a vontade de viver", disse. Moreno morava no bairro Tupi, região Norte de Belo Horizonte, com um dos seis filhos. Ele acordou na manhã de anteontem, tomou café da manhã, deitou-se de novo e morreu.

Apesar do centenário, a memória não falhava e Antônio adorava lembrar dos seis anos que viveu ao lado de Lampião. "O Cangaço era o assunto sempre", disse a filha.

Fogos. Antes do sepultamento, no cemitério da Saudade, região Leste da capital, parentes e amigos assistiram a uma chuva de fogos de artifício. Um dos filhos do cangaceiro leu um texto em homenagem ao pai. O cineasta cearense, Wolney de Oliveira, que finaliza o longa-metragem "Os últimos cangaceiros", contou que os fogos foram um pedido de Antônio. "Ele queria isso por ter sobrevivido aos tempos de Cangaço. Naquela época, cangaceiro morto pela polícia era degolado e a cabeça era uma promoção ao policial", contou.

Inácio Carvalho Oliveira, 72, filho deixado pelo casal em Tacaratu (PE), era um dos presentes no enterro. Ele lembrou do encontro com o pai e a mãe, em 2005."Foi a primeira vez que vi os dois, aquele momento não vai morrer", disse o filho do cangaceiro.

Filme irá narrar história de integrantes do bando

O cineasta Wolney de Oliveira contou que Antônio Inácio da Silva, o Moreno, foi cangaceiro do “Estado Maior” de Lampião e homem de confiança do líder. Oliveira destacou que a fuga de Moreno e a mulher para Minas, dois anos depois da morte de Lampião, é a história principal do filme que ele está terminando. “Foi algo cinematográfico e emocionante”,adianta.

O cangaceiro e a mulher fogem do sertão em direção a Minas, em 1940. Eles deixaram no Nordeste um filho de 2 anos com um padre e, em troca, ganharam um burro e alguns alimentos que foram usados durante os três meses de viagem até o interior do Estado. Moreno e a mulher Durvalina se instalaram, em Augusto de Lima, região Central. Temendo serem encontrados pela polícia, eles mudaram de nome e o cangaceiro passou a se chamar José Antônio Souto. Moreno nasceu em Brejo Santo (CE) e sempre quis ser policial. “Era um sonho, mas ele dizia que a ‘formosura’, a estatura era um obstáculo”, brincou a filha Neli Maria.

Ela contou ainda que o convite para integrar o bando de Lampião veio depois que os cangaceiros passaram na fazenda onde o pai dele trabalhava. “Eles deixaram um recado dizendo que voltariam e levariam dinheiro. Na volta, chamaram ele”, conta.