Vigente desde 1970, o Tratado de Não Proliferação Nuclear passa a cada cinco anos por uma revisão, ocasião que as potências nucleares aproveitam para pressionar o resto do mundo em relação ao desenvolvimento da tecnologia nuclear, seja pacífico ou não. No plano do desarmamento, as potências pressionam contra a conclusão de um dos principais eixos do Tratado, que é o de desarmar as cinco potências nucleares, algo que não conseguiu colocar em prática.
O TNP é baseado em três eixos, o da não proliferação, o do desarmamento e o da utilização pacífica da energia nuclear. Porém, e para todos os efeitos, é um tratado de não proliferação, em que o desarmamento e a utilização pacífica da energia nuclear são aspectos meramente formais.
A não proliferação parte do reconhecimento de que existem apenas cinco potências nucleares – Os Estados Unidos, a União Soviética, sucedida pela Federação Russa, a China, o Reino Unido e a França.
Pelo TNP, os países não possuidores de armas nucleares se comprometem a não importar, fabricar nem adquirir armas nucleares e os possuidores assumem o dever de não transferir armas nucleares aos países não possuidores. Aqui reside o principal aspecto negativo do Tratado: congela-se o monopólio das armas nucleares e aborda-se de maneira apenas formal as questões do desarmamento e do uso de energia nuclear para fins pacíficos.
A última reunião, realizada em Nova York de 3 a 28 de maio, terminou mais uma vez sem grandes avanços. A novidade, negativa, foi a tentativa de adoção do Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação, que daria maiores poderes à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), para que fossem bisbilhotados os programas de pesquisa de países como o Brasil.
Além da não proliferação das armas nucleares, o objetivo declarado do protocolo adicional era inibir o desenvolvimento científico dos demais países a pretexto de que o domínio do ciclo nuclear criaria as condições para a produção de bombas atômicas. O objetivo não declarado do Protocolo Adicional era na verdade assegurar o monopólio da tecnologia nuclear para as grandes potências, afastando os demais países de um mercado alternativo de energia muito promissor.
Dois aspectos positivos podem ser lembrados da última reunião: conseguiu-se evitar, a adoção do Protocolo Adicional e houve consenso em realizar, em 2012, uma reunião que vai discutir a condição do Oriente Médio como área livre de armas nucleares. No entanto, não se obteve, mais uma vez, a adoção de um prazo para o desarmamento das cinco potências nucleares.
Israel, uma das nações não assinantes do TNP, junto com Índia, Paquistão e Coreia do Norte, foi instado por todos os participantes mais as potências nucleares — Estados Unidos (fato inédito), Reino Unido, França, Rússia e China — a participar da realização da conferência de 2012.
É importante lembrar que a Coreia do Norte era signatária do TNP até 2003, quando deixou o Tratado, vítima de um ampliado bloqueio comercial e econômico dos Estados Unidos.
A reação do governo sionista à realização da Conferência de 2012 foi negativa, tratando de desqualificar o acordo final como "hipócrita". "Esta resolução é profundamente hipócrita e mal feita. Ignora as realidades do Oriente Médio e as verdadeiras ameaças que a região e o mundo inteiro enfrentam", vociferou Binyamin Netanyahu, durante visita ao Canadá.
Contra injustiça internacional
O Brasil aderiu ao TNP em 1998, mas ainda hoje luta contra o que considera uma injustiça do sistema internacional, já que, sem desarmamento, perpetua-se um desequilíbrio entre os que têm e os que não têm armas atômicas. Com isso, mantém-se uma predominância do poder do porrete — essencialmente caracterizado pelo poderio militar e nuclear como legitimador do poder político de cada país internacionalmente.
"Enquanto alguns Estados possuírem armamentos nucleares, haverá outros tentados a adquiri-los ou desenvolvê-los. (…) A forma mais eficaz de reduzir os riscos de mau uso de materiais nucleares por agentes não-estatais é a eliminação total e irreversível de todos os arsenais nucleares", opinou a respeito o ministro Celso Amorim.
Coalizão para a Nova Agenda
Realizadas a cada cinco anos, as conferências de revisão têm sido infrutíferas. A conferência de 2005, por exemplo, fez regredir as determinações tomadas na revisão do Tratado realizada em 2000, por exemplo.
Um dos aspectos positivos daquela conferência foi a adoção de 13 ações, que previam medidas verificáveis e irreversíveis de desarmamento e de redução do papel das armas nucleares nas estratégias de defesa das grandes potências.
Esses 13 passos também previam a implementação do Tratado de Proibição de Testes Nucleares. No entanto, a conferência de 2005 terminou por abandonar os tais 13 passos, fazendo soçobrar os esforços em que estiveram empenhados os países da Coalizão para a Nova Agenda, entre eles o Brasil, e os países não Alinhados.
Potências questionadas
Ao discursar no 1º painel do seminário "A Revisão do Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares", realizado no Senado Federal, em 7 de abril, a ativista brasileira pela paz Socorro Gomes questionou as potências que usam seus arsenais nucleares como ponto de partida para mediar debates sobre desarmamento no mundo.
"É preciso deter tais ímpetos", afirmou Socorro, que é presidente do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e do Conselho Mundial da Paz (CMP).
Em março de 1950, o comitê permanente do Congresso Mundial dos Partidários da Paz, reunido em Estocolmo, lançou um apelo pela proibição da bomba atômica numa campanha de assinaturas em sua defesa. Os comunistas brasileiros, a exemplo dos comunistas de todo o mundo, iniciaram uma campanha pela paz, contra o envio de tropas à Coreia e a utilização de armas atômicas.
Os comunistas brasileiros se destacaram nesse movimento e, segundo Diógenes Arruda, a campanha em defesa do Apelo de Estocolmo conseguiu mais de 4,2 milhões de assinaturas. No mundo, foram obtidas mais de 600 milhões de assinaturas.
Socorro lembrou e reproduziu parte do Apelo de Estocolmo em seu discurso: "Exigimos a proibição absoluta da arma atômica, arma de agressão e de exterminação em massa das populações. Exigimos o estabelecimento de um rigoroso controle internacional para assegurar a aplicação desta proibição. Consideramos que o primeiro governo que utilizar a arma atômica, não importa contra qual país, cometerá um crime contra a humanidade e deveria ser tratado como criminoso de guerra. Apelamos a todas as pessoas de boa vontade no mundo a assinarem este apelo".
Disarm Now
Socorro participou, no início de maio, da conferência Disarm Now (Desarmamento Agora), realizada na cidade de Nova York e que exigiu o desarmamento das grandes potências como agenda principal da conferência revisora, que se iniciaria poucos dias após o encerramento da Disarm Now.
Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas discursou na Disarm Now. Pouco depois dele, Socorro fez sua intervenção, defendendo o desarmamento e a eliminação de todas as armas nucleares.
"Os movimentos pacifistas levantam justas preocupações quanto à manutenção de grandes arsenais de armas nucleares. Os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia acabam de anunciar um acordo bilateral de redução de armas estratégicas, que é considerado o mais significativo nos últimos 20 anos, pelo qual se comprometem a reduzir no prazo de sete anos a 1.550 o número de ogivas estratégicas. O acordo tem valor meramente simbólico, ligado ao papel das relações bilaterais entre esses dois países no quadro geopolítico, nada significando em termos de redução do perigo de destruir o mundo", afirmou Socorro.