Vereador índio


Esta cidade está prestes a se tornar o primeiro Município do Ceará a ter um índio na Câmara dos Vereadores. Renato Gomes da Costa, conhecido e registrado como Índio Renato, ficou na primeira suplência da coligação "Crateús Feliz e de Todos" ao obter 639 votos, na última eleição. Com a licença do vereador Adriano das Flores, ele assumirá uma cadeira na Câmara. A posse acontece hoje, na Escola Diferenciada Raízes Indígenas.

Não é à toa que a posse acontecerá na Escola. É ali onde estudam muitas crianças e adolescentes, remanescentes dos indígenas das etnias Potiguar, Kalabaça, Kariri, Tabajaras e Tupinambá. É também onde Renato leciona e pratica, junto com sua mãe, Helena, que é a diretora, alguns rituais, como o toré, conhecida dança indígena. Além disso, é no Conjunto São José, local em que a escola é situada, onde reside grande parte dos 2.210 índios existentes em Crateús, cadastrados pela Funai.

Renato Gomes tem 34 anos, nasceu em Crateús e é descendente dos índios Potiguara, do vizinho município de Novo Oriente. Herdou da mãe o orgulho pela sua origem e a atuação no movimento indígena. Ela atuou durante muitos anos no movimento indígena e exerceu forte liderança junto ao seu povo. Atuou ainda nas Comunidades Eclesiais de Base, movimento da Igreja Católica, como coordenadora. Esteve, inclusive, nos idos de 80, na Europa divulgando a Teologia da Libertação.

Hoje ele é quem representa a família e o seu povo no movimento indígena. É o presidente da Associação Raízes Indígenas dos Potiguara em Crateús (Arinpoc) e é o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Devido a essas funções viaja pelo Brasil inteiro. Como vereador, pretende representar o povo indígena especialmente, mas também toda a população de Crateús.

"Para mim será um grande aprendizado, serei um aluno", diz, referindo-se à sua inexperiência na política parlamentar. "E jamais esconderei as minhas origens, pois tenho orgulho das minhas raízes e da nossa cultura". Ele usa acessórios que lembram a cultura indígena, como colares, brincos, pulseiras, diariamente, e em ocasiões especiais o cocar.

O presidente da Câmara Municipal, Márcio Cavalcante, considera a posse um fato histórico: "Ter na Câmara representantes do povo é um grande avanço, importante para a democracia", declara ele.

O prefeito do município, Carlos Felipe Bezerra, diz que "está sendo restituído um direito histórico com os índios, que são os verdadeiros donos desta terra" e sobre a grande votação do Índio Renato diz que "por meio da organização e mobilização as comunidades e classes conseguem os seus direitos".

"É válido experimentar pessoas de outras raças e saberes, pois às vezes fazem mais pelo povo do que os que têm experiência", diz a vendedora Cleide Araújo. O povo indígena está feliz e aguardando com muita expectativa a posse do seu representante e também a sua atuação durante estes quatro meses. Eliane Sousa, remanescente dos Kalabaça, acredita que o Índio Renato irá representar com dignidade e competência a nova função. "Ele vai ajudar ainda mais o seu povo, pois já ajuda muito". A tupinambá Maria de Fátima Ferreira diz que todas as etnias são unidas e que "ele vai melhorar a nossa vida, tenho certeza". Sua mãe, Helena, está feliz, porém temerosa. "É novo em nossa vida e o desconhecido sempre dá um pouco de medo".

Com todas essas opiniões e expectativas, Renato continua sua vida normalmente: dá aulas todos os dias na Escola Indígena, cursa História pela Universidade Vale do Acaraú (UVA), faz seus contatos como líder no movimento indígena, cria, junto com a esposa, os dois filhos e nos fins de semana vai para a Mambira, aldeia dos Potiguara, no Distrito de Ibiapaba.