Escândalo de grampos ilegais se aproxima do presidente da Colômbia


"Minha filha foi convertida em um instrumento de tortura psicológica, controle social e violência política", diz a jornalista Claudia Julieta Duque, que protagonizou um dos casos mais dramáticos do chamado "escândalo do grampo" na Colômbia. Há cinco anos ela teve de sair do país com a filha, então com 10 anos, depois que seguidas chamadas prometiam "queimá-la viva".

Documentos em poder do Ministério Público colombiano desde o ano passado indicam que Julieta Duque, protegida pelo Estado, era perseguida por agentes do também estatal DAS (Departamento Administrativo de Segurança) –ligado à Presidência. Ás vésperas da eleição presidencial, a investigação sobre esquema ilegal de gravações telefônicas e quebra de sigilos bancários feito pelo órgão de inteligência subordinado a Álvaro Uribe avança e envolve cada vez mais funcionários de alto escalão do governo e do gabinete da Presidência.

Em outro revés para o governo, a ONU divulgou ontem relatório sobre outro escândalo, o dos \’falsos positivos\’: as execuções de civis por militares, que apresentavam seus corpos como \’baixa de guerra\’ em troca de bonificações por desempenho ou folgas.

Além de jornalistas –16, segundo informe da ONG Repórteres Sem Fronteira lançado ontem–, a operação teve como alvo opositores, como o candidato a presidente Gustavo Petro (Polo Democrático, esquerda), e defensores de direitos humanos, como José Miguel Vivanco, da Human Rights Watch. Mas o grupo de vítimas com maior voltagem política é o dos magistrados da Corte Suprema de Justiça, que investiga os nexos entre políticos, a maioria ligados ao governo, com paramilitares. Até sessões do tribunal foram gravadas, segundo os documentos da Procuradoria.

Nesta semana, Uribe foi arrolado como testemunha na investigação do Ministério Público do tema. Seu secretário, Bernardo Moreno, está sendo investigado por ter se reunido com agentes e funcionários atualmente presos ou investigados pelo escândalo. O secretário de imprensa, César Mauricio Velásquez, também está citado nas investigações.

Um dos agentes presos resolveu aderir ao programa de proteção a testemunhas e sustenta que as ordens para os grampos vinham da Casa de Nariño, o palácio presidencial. Vários documentos apreendidos têm a inscrição "enviar ao presidente". No caso da Corte Suprema e de alguns dos grampeados, a Unidade Administrativa Especial de Informação e Análise Financeiro (UIAF), do Ministério da Fazenda, também produziu relatórios sobre movimentações financeiras. Nesta semana, o Ministério Público acusou formalmente o chefe do setor, Mario Aranguren, de comandar uma "unidade criminosa". Ele renunciou.

Ontem, Uribe negou mais uma vez que tenha ordenado os grampos e as operações de difamação –todos já atacados nominalmente por ele em discursos.

Calvário

O caso da jornalista Julieta Duque é emblemático porque além de aparecer na lista de grampos ilegais, ela também foi vítima de uma operação –documentada– de amedrontamento e ameaças. Tudo começou há cinco anos, quando ela começou a fazer reportagens sobre supostas ações do DAS para desviar uma investigação sobre a morte de um humorista no começo da década.

Em dezembro, a revista "Semana" de Bogotá, publicou um documento em papel timbrado do DAS que descrevia passo a passo como os agentes deveriam agir para ameaçá-la por telefone. Julieta Duque já contava, nesta época, com proteção policial. Em uma das chamadas, o agente prometia "queimar viva sua filha", "espalhar seus dedos pela casa". Foi então que ela decidiu deixar o país.

Em entrevista à Folha, Julieta Duque diz que não tem esperança os candidatos à Presidência na dianteira nas pesquisas –Juan Manuel Santos (governista) e Antanas Mockus (Partido Verde)– tenham como prioridade a investigação do escândalo. "Em todo caso, com Mockus haveria um pouco mais de esperança, mas não confio tampouco." Jornalista da rádio Nizkor, especializada em direitos humanos, ela afirma que os anos do governo Uribe transformaram os críticos do governo –incluindo jornalistas– em "inimigos".

"Uribe levou o país a uma reorientação afetiva, em que nossa nova redefinição como colombianos foi estar unidos em torno de um inimigo comum e único: as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]. Assim, todos que pensavam de maneira diferente do presidente foram convertidos em inimigos."

Pela primeira vez em oito anos, Julieta Duque passou cinco meses inteiros na Colômbia, depois de pular de país em país por causa das ameaças. "Consegui, creio que consegui, ficar em meu país. E essa foi minha maior luta, de modo que estou satisfeita, depois de tudo."